Acórdão nº 01065/19.7BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 14 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelLu
Data da Resolução14 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: S.

(R. (…), (…)) que demandou o Centro Hospitalar (...), EPE (Av.ª (…), (…)), Laboratório (...), S.A.

(Rua (…), (…)), C.

(Rua (…), (…)), I.

((...), Av. (…), (…)), Centro Hospitalar (...) (Praceta (…), (…)), J.

(Centro Hospitalar (...), Praceta (…), (…)), e M.

(Centro Hospitalar (...), Praceta (…), (…)), interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Aveiro, que concluiu “pela manifesta falta de fundamento da tutela cautelar requerida, pelo que, em conformidade com o preceituado no artigo 116.º n.° 1 e n.° 2 alínea d), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, rejeito liminarmente o requerimento inicial.”.

A recorrente conclui: 1. Entende a Recorrente que cumpriu o seu ónus de alegação, contudo, supondo, por mera cautela, que tal não se cumpriu, nunca se poderá considerar tratar-se de uma “completa ausência de densificação dos pressupostos tendentes à procedência da requerida providência” (cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte [FREDERICO MACEDO BRANCO], de 12/06/2019), ou uma total ausência da causa de pedir em termos do requerimento não poder ser objeto de convite ou aperfeiçoamento (cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA), mas tão somente à formulação de juízos conclusivos, no que concerne ao requisito do periculum in mora – conforme entendeu o próprio Tribunal a quo -, pelo que, na esteira do que aduz, também, LOPES DO REGO, deveria ter notificado a Recorrente para vir suprir a alegada falta, dando cumprimento ao disposto no art.º 114.º, n.º 5 do CPTA.

  1. Ao omitir o convite ao aperfeiçoamento, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 114.º, n.º 5 do CPTA, o que constitui uma nulidade processual por omissão de uma formalidade que a lei prescreve e cuja omissão pode influir no exame e na decisão da causa, acarretando, nos termos gerais do art.º 195.º do CPC, a nulidade dos atos processuais subsequentes - nulidade essa que ora se invoca para todos os efeitos legais.

  2. Ademais, entende a Recorrente que, ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, os factos alegados no requerimento inicial são suficientes para se considerar que foi cumprido o ónus de alegação fática relativa aos pressupostos do fumus boni iuris e do periculum in mora (cfr. art.º 120.º do CPTA) 4. Tanto assim é que Tribunal a quo acaba por conceder, considerando ter havido uma alegação mínima.

  3. De facto, no que concerne ao fumus boni iuris, é possível retirar dos factos alegados de 1 a 9 do requerimento inicial qual será a causa de pedir (o erro de diagnóstico) e o pedido da ação principal, ainda que não por completo. De todo o modo, tem-se entendido que o ónus de alegação não implica que a ação principal e a providência cautelar sejam absolutamente idênticas, podendo a causa de pedir (e os factos subjacentes) ser mais extensa na ação a propor.

  4. Já quanto ao periculum in mora, entendeu o Tribunal a quo que a Recorrente se limitou a formular um juízo conclusivo e a levantar a suspeição de ocultação ilícita de provas por parte dos Requeridos, sem cumprir o seu ónus de substanciação factual.

  5. Entende, desde logo, a Recorrente que esse facto considerado pelo Tribunal a quo como juízo conclusivo, decorre, na verdade, da articulação dos restantes factos com um facto notório (os quais não carecem, aliás, de alegação e prova): a dificuldade probatória que sentem os pacientes, no âmbito das ações de responsabilidade médica, atenta a parca cooperação dos médicos para descoberta da verdade material.

  6. O periculum in mora remete-nos para a necessidade de invocação de um dano concreto quer sobre a vertente de um fundado receio de constituição de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação - cfr. art.º 120.º do CPTA.

  7. Atentando nos factos alegados pela Recorrente, só pode concluir-se que os mesmos são suficientes para preencher o requisito do periculum in mora, que encontra o seu cerne maxime nos factos 8 a 20 do requerimento inicial: a Recorrente pretender propor uma ação de responsabilidade civil contra os requeridos que tem por base um erro de diagnóstico; cuja prova apenas se pode fazer por exame pericial que confronte as duas lâminas histológicas objetos dos dois relatórios em contradição; que o primeiro dos diagnósticos é dos mais comuns nos cancros colorretais, pelo que qualquer laboratório (e concretamente o requerido), teria acesso a lâminas com esse diagnóstico; que o insucesso das pretensões indemnizatórias dos pacientes está, em larga medida, relacionada um silêncio, ocultação e espírito corporativista por parte dos profissionais de saúde – este é aliás, um facto notório que decorre da experiência comum; que, por tal razão, a Recorrente receia que as referidas lâminas venham a ser trocadas; que tal troca impossibilitaria em absoluto a descoberta da verdade material, eliminando quaisquer chances de a Recorrente vir a obter a indemnização que irá peticionar; que a única forma de evitar que tal risco se venha a produzir é procedendo à identificação das lâminas antes de os requeridos tomarem conhecimento da ação principal; entregando as lâminas a profissional habilitado a conservá-las até ao momento de produção de prova.

  8. Com efeito, o dano que se pretende prevenir é o de troca das lâminas, elemento de prova essencialíssimo na ação a propor, rectius, o dano de inviabilização, pela via do exercício do contraditório, da prova a produzir na ação principal e consequentemente a improcedência da pretensão indemnizatória da Recorrente.

  9. Ora, não obstante a Recorrente ter identificado a sua pretensão cautelar como sendo o arrolamento (sem contraditório) o Tribunal a quo interpretou erradamente a referida pretensão e considerou que estaria em causa a produção antecipada de prova e, nesse sentido, notificou a Recorrente para se vir pronunciar sobre essa questão e para vir formular quesitos (cfr. fls. 37).

  10. Atenta a notificação, a Recorrente veio esclarecer que pretendia efetivamente antecipar a produção de prova, mas apenas após o arrolamento das lâminas, em virtude da notificação (obrigatória) para o exercício de contraditório dos Requeridos, no que concerne à produção antecipada de prova, determinar a perda do efeito útil da providência sugerida e da própria sentença a proferir no processo principal (cfr. fls. 45 e 57).

  11. Entende a Recorrente que, se não estivessem devidamente alegados os fundamentos relativos aos aludidos pressupostos, o Tribunal a quo teria rejeitado, desde logo, o requerimento inicial, que foi, aliás, apreciado não por um, mas por dois magistrados sendo que nenhum considerou serem deficiente a alegação no que concerne aos fundamentos (cfr. fls. 37 e 51 dos autos).

  12. Atento o exposto, é de entender que o Tribunal a quo ao proferir despacho de rejeição liminar do requerimento inicial errou na interpretação que fez dos artigos 114.º, n.º 3, al. g), 114.º, n.º 5, 116.º, n.º 2, al. a) e 120.º do CPTA , pelo que tal despacho não pode manter-se, devendo ser anulado e substituído por outro que determine o prosseguimento dos autos, nos preditos termos.

  13. Ademais, o Tribunal a quo considerou ser de rejeitar o requerimento inicial da providência de arrolamento com base na falta de fundamento da pretensão formulada, designadamente porque: a Recorrente no seu requerimento inicial ter indicado pretender que a providência fosse decretada com dispensa de audiência prévia, indicando por lapso o art.º 366.º do Código de Processo Civil em vez do regime do direito processual administrativo; “No Código de Processo nos Tribunais Administrativos as providências cautelares estão sempre sujeitas a contraditório, tal como resulta do disposto no seu artigo 117.º (sendo até admitido nas situações de decretamento provisório – cfr. artigo 131.º)”; por considerar que a Recorrente pretende apenas a verificação de factos por meio de prova pericial e que a providência cautelar que, nos termos do CPTA, a garante é a produção antecipada de prova.

  14. Sucede que, conforme se relata no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo [CASIMIRO GONÇALVES], de 17/10/2018: “Como se tem afirmado (Cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, p. 315; bem como, entre outros, os acórdãos desta Secção do STA, de 3/7/2013, rec. nº 01377/12; de 3/4/2013, rec. nº 01308/12; de 3/11/2010, rec. nº 030/10; de 2/5/1996, rec. nº 19.673, in Ap. ao DR, de 18/5/1998, pp. 1402 a 1404; de 17/5/95, rec. nº 18795.) o indeferimento liminar, por manifesta improcedência, radicando em motivos de economia processual, só deve decretar-se quando aquela for tão evidente que o seguimento do respectivo processo não tenha, em absoluto, razão de ser, seja manifesto desperdício da actividade judicial, sem margem para qualquer dúvida.” 17. Ademais, entende a Recorrente que os motivos elencados não se...

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