Acórdão nº 2362/12.8BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 06 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelANA PINHOL
Data da Resolução06 de Fevereiro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACÓRDÃO I.

RELATÓRIO A FAZENDA PÚBLICA veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por L........., SA, contra os actos de liquidação de Imposto Sobre o Valor Acrescentado n.º ....., e Juros Compensatórios n.º ....., respectivamente nos montantes de €47.899,16 e €8.892,18, A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: «I.

Visa o presente recurso reagir contra a douta Sentença que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por L........., SA, da liquidação de IVA referente ao período de março de 2005.

II.

A liquidação que resulta de correções efetuadas pelos serviços de inspeção da direção de serviços de inspeção tributária, verificando-se que o correspondente relatório de inspeção demonstra a existência de fundados indícios de emissão de faturação cujas operações não têm correspondência com a realidade, sendo excluído o direito à dedução por força do nº 3 do artigo 19º do CIVA.

III.

A sentença recorrida considerou, em síntese, que a AT não cumpriu o ónus de demonstrar que o IVA havia sido deduzido.

IV.

Com o devido respeito a Fazenda Publica não pode concordar com este entendimento.

V.

É de salientar que a AT fez prova de que existem indícios sérios de que a operação constante na fatura não corresponde à realidade, cumprindo assim a sua parte do ónus da prova, recaindo assim sobre o sujeito passivo fazer prova da veracidade da transação.

VI.

O desaparecimento da contabilidade não desonera o sujeito passivo de fazer prova do direito à dedução do imposto, nomeadamente por reconstituição dos elementos da contabilidade que sejam necessários para demonstrar que o IVA deduzido corresponde a outras faturas que titulam operações reais.

VII.

O sujeito passivo é obrigado a possuir contabilidade organizada e dispor de documentos comprovativos da veracidade das operações realizadas e da dedutibilidade do IVA.

VIII.

A inundação da contabilidade não permite ao sujeito passivo adotar uma atitude de inércia perante os factos que lhe são imputados, sendo de salientar o número de emitentes de faturas relativamente aos quais foi questionada a materialidade das operações, e consequentemente também a limitação temporal a períodos específicos de IVA (no caso concreto estava em causa o mês de março de 2005).

IX.

Contudo, não obstante as múltiplas notificações dos serviços de inspeção, verificamos que a sociedade não realizou qualquer diligência no sentido de obter documentos que permitissem reconstituir os elementos mínimos de comprovação da dedutibilidade do IVA, escudando-se na existência de um vendaval que teria danificado a contabilidade.

X.

Todavia, o sujeito passivo não pode refugiar-se repetidamente no argumento, de que a contabilidade ficou inutilizável na sequência de uma intempérie, tanto mais que a contabilidade não é composta apenas por documentos, mas também por registos informáticos e correspondências incluindo e-mail. Acresce ainda que as testemunhas da impugnante revelaram a existência de cópias de faturas ou listagens.

XI.

A ausência de contabilidade inviabiliza o controlo da dedução do IVA. Assume especial relevância a parte final do artigo 19º, nº 2 do CIVA: “Só confere direito a dedução o imposto mencionado nos seguintes documentos, em nome e na posse do sujeito passivo.” XII.

Em suma, os factos detetados evidenciam a existência de faturação que não corresponde a operações reais, tendo a impugnante reiterado a sua argumentação quanto à inundação da contabilidade sem que tenha procurado apresentar documentos que permitissem contradizer as correções ao IVA dedutível que decorreram da ação de inspeção.

XIII.

Cabia ao sujeito passivo apresentar os elementos comprovativos que permitissem afastar os indícios de faturação falsa relativamente às faturas emitidas em seu nome.

XIV.

Ao decidir como decidiu a douta sentença recorrida não valorou adequadamente a prova realizada pela AT, em face das regras do ónus da prova previstas no artigo 74º da LGT e nos artigos 342º a 344º do Código Civil. Com efeito, a AT carreou para os autos prova abundante e suficiente da participação da impugnante no esquema de utilização de faturas falsas, cumprindo assim integralmente o ónus que lha cabia XV.

Confrontado com os factos e, tendo sido demandado para justificar a fatura emitida pela S........., o sujeito passivo poderia e deveria ter apresentado elementos da contabilidade, nomeadamente listagem com as faturas, montantes e identificação dos fornecedores que originaram o IVA dedutível no mês de março de 2005.

XVI.

Recorde-se ainda que o pagamento de faturas quando correspondente a operações reais deixa um rasto financeiro que se traduz em pagamentos efetuados através de transferências bancárias, cujos extratos podem ser obtidos junto das instituições bancárias.

XVII.

Assim sendo, salvo o devido respeito que é muito, entendemos que a douta sentença recorrida ao julgar procedente a presente impugnação judicial, enferma de erro de interpretação de lei e viola o disposto no n.º 3 do artigo 19.º do CIVA, bem como do artigo 74º da LGT XVIII.

Neste sentido foi emitido parecer pelo Ministério Público, no sentido de ser negada procedência à impugnação.

XIX.

Relativamente aos juros indemnizatórios, verifica-se que não estão preenchidos os pressupostos previstos no artigo 43º, nº 1 da LGT, nomeadamente erro imputável aos serviços, tendo ficado demonstrado em face dos factos concretos apurados que a AT notificou o sujeito passivo para apresentar os documentos comprovativos do direito à dedução do IVA que deveria possuir na sua contabilidade, ou, em alternativa, diligenciar no sentido de obter elementos comprovativos junto dos seus fornecedores.

XX.

Face ao exposto, salvo o devido respeito que é muito, entendemos que a douta sentença recorrida ao julgar procedente a presente impugnação judicial, enferma de erro de apreciação da prova e de erro de interpretação de lei, violando assim o disposto nos artigos 19º, nº 3 do CIVA, bem como o disposto no artigo 74º da LGT, bem como o artigo 43º, nº 1 da LGT.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente.

Porém, V. Exªas decidindo, farão a costumada JUSTIÇA.» ** A Recorrida, L........., S.A, veio apresentar as suas contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões: «a) Foi o presente recurso interposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira contra a douta Sentença proferida no processo de impugnação judicial n.º 2362/12.8BELRS; b) Em síntese, a douta Sentença recorrida julgou a impugnação judicial procedente e anulou os actos de liquidação contestados com fundamento no facto de a ora Recorrente não ter demonstrado que a Recorrida recepcionou, registou contabilisticamente e exerceu o direito à dedução de IVA liquidado em facturas que, alegadamente, terão sido encontradas junto de terceiros; c) Nos termos do artigo 74.º, da LGT o ónus da prova recai sobre quem invoque os factos em abono da sua pretensão; d) Sendo aqueles factos inerentes e justificadores da pretensão da Recorrente era a si quem incumbia fazer a respectiva prova – o que não logrou; e) Na verdade, a Autoridade Tributária e Aduaneira limitou-se a assumir tais factos, como se de um dogma se tratasse; f) Nos termos do disposto nos artigos 266.º da CRP, 55.º e 58.º, da LGT, a Recorrente deve exercer as suas funções tendo por objecto último a descoberta da verdade material e a prossecução do interesse público; g) Era, pois, sobre si que recaía o dever de promover as diligências necessárias à descoberta da verdade material.

h) Para além do que se deixa referido, nos termos do disposto no artigo 75.º, da LGT, os valores declarados pela Recorrida beneficiam de presunção de veracidade, que não foi colocada em causa pela Recorrente; i) A Sentença em apreço não merece, pois, qualquer censura devendo ser mantida nos seus exactos termos; j) Na douta Sentença recorrida não foram conhecidos todos os fundamentos avançados pela ora Recorrida na sua petição inicial para sustentar o pedido formulado, pelo que, prevenindo a necessidade da sua apreciação, a ora Recorrida requer a ampliação do objecto do recurso, em conformidade com o disposto no artigo 636.º, do Código de Processo Civil, aplicado ex vi do artigo 2.º, alínea e) do Código do Procedimento e Processo Tributário e artigo 2.º, alínea d), da Lei Geral Tributária, com os seguintes fundamentos, em que decaiu em primeira instância, e que quer, agora, caso tal se venha a mostrar necessário, a título subsidiário, ver apreciados.

k) Uma vez analisadas as supra referidas liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado e de Juros Compensatórios não resulta suficiente a necessária fundamentação, quer de facto, quer de direito, assim resultando violado o disposto nos artigos 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, e 77.º, da Lei Geral Tributária; l) Acresce que, no caso em apreço, não há sequer qualquer remissão explícita para qualquer documento que contenha essa mesma fundamentação, pelo que não se poderá considerar existir uma situação de fundamentação por remissão; m) Este princípio, consagrado no n.º 1 do artigo 77.º da Lei Geral Tributária, resulta também do próprio artigo 63.º, n.º 1, do RCPIT, que faz depender a fundamentação dos actos tributários ou em matéria tributária nas conclusões do Relatório de Inspecção da “adesão ou concordância com estas” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no Processo n.º 0228/03, de 05/19/2004, in www.dgsi.pt); n) Na verdade, a Administração tributária limita-se a elencar meros juízos conclusivos que, como pacifica e unanimemente aceite na doutrina e na jurisprudência, não representam a fundamentação legalmente exigida; o) Este facto é particularmente relevante no que diz respeito à fundamentação utilizada pela Administração tributária em que dá como adquirido...

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