Acórdão nº 74/20 de Tribunal Constitucional (Port, 05 de Fevereiro de 2020

Data05 Fevereiro 2020
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 74/2020

Processo n.º 1132/2019

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que são recorrentes A. e B. e recorridos a C., S.A., D. e E., foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (doravante, «LTC»), do acórdão proferido por aquele Tribunal, em 19 de setembro de 2019, que, considerando verificada a dupla conforme a que alude o n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil (doravante, «CPC»), não tomou conhecimento do objeto do recurso interposto pelo ora recorrente.

2. Através da Decisão Sumária n.º 869/2019, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso.

Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«4. O recurso de constitucionalidade interposto nos presentes autos funda-se na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, nos termos da qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional «das decisões dos tribunais (…) que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo», e incide, conforme indicação expressa dos recorrentes, sobre o «acórdão de 19.09.2019 que indeferiu o seu requerimento decidindo não tomar conhecimento do seu Recurso de revista», proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça — tribunal ao qual o requerimento de interposição do recurso foi, em consonância, dirigido e que proferiu o competente despacho de admissão.

Assim, não obstante os recorrentes se referirem, ao longo do requerimento de interposição de recurso, ao acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, certo é que tal decisão não integra o objeto formal do presente recurso de constitucionalidade. Este incide apenas sobre o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 19 de setembro de 2019, único relativamente ao qual cabe seguidamente verificar do preenchimento dos respetivos pressupostos de admissibilidade.

5. O requerimento de interposição de recurso apresentado pelos recorrentes, ao invés de obedecer apenas aos requisitos formais previstos no n.º 1 do artigo 75-º-A do LTC, apresenta uma estrutura correspondente a um recurso ordinário.

Do ponto de vista da delimitação do objeto material do presente recurso, extrai-se, contudo, de tal requerimento que os recorrentes pretendem ver apreciada a constitucionalidade: i) da «interpretação do normativo do art. 671º, nº 3 do CPC dada pelos Mm. Juízes Conselheiros do S.T.J. (6ª Secção) no acórdão supra recorrido»; ii) da «interpretação do normativo do art. 615º, nº1 do CPC dada pelos Mm. Juízes Desembargadores no acórdão supra recorrido»; iii) da «interpretação dos normativos dos arts. 615º, nº 1, alínea e) e 616º, nº 2, alínea b) do CPC dada pelos Mm. Juízes Desembargadores no acórdão supra recorrido»; iv) da «interpretação do normativo do art. 120º do CPC dada pelos Mm. Juízes Desembargadores no acórdão supra recorrido»; v) da «interpretação do normativo do art. 417º, nº. 2 do CPC dada pelos Mm. Juízes Desembargadores no acórdão supra recorrido»; e, ainda, de forma global, vi) da «interpretação dada pelos acórdãos ora em crise supra recorridos, [do S.T.J. (6ª Secção) e da Relação de Lisboa])».

Apesar de os recorrentes não explicitarem qualquer uma das interpretações que pretendem ver sindicadas, não se justifica formular um convite ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição do recurso, nos termos previstos no n.º 5 do artigo 75.º-A da LTC, em ordem a possibilitar o suprimento de tal omissão. E isto porque a insuprível inobservância de certos dos pressupostos de admissibilidade do recurso sempre ditaria a impossibilidade de conhecimento do seu objeto quanto à totalidade das questões enunciadas naquele requerimento.

6. Constitui pressuposto de admissibilidade dos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC que a questão de constitucionalidade enunciada no requerimento de interposição haja sido suscitada «durante o processo» e «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (cf. artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, ambos da LTC).

Para além de vincular o recorrente à antecipação da questão de constitucionalidade enunciada no requerimento de interposição do recurso, exigindo-lhe que a defina antes de esgotado o poder jurisdicional da instância recorrida, o requisito da suscitação atempada tem uma evidente dimensão formal, impondo ao recorrente um ónus de delimitação e especificação, perante o tribunal a quo, do objeto do recurso, com indicação das razões pelas quais considera ser inconstitucional a norma que pretende submeter à apreciação do tribunal, individualizando de forma clara qual o preceito ou preceitosarco legal ou bloco normativo — cuja legitimidade constitucional pretende questionar. Quando esteja em causa a inconstitucionalidade de uma determinada interpretação de certa (ou de certas) normas jurídicas, a suscitação processualmente adequada da questão de constitucionalidade pressupõe que «esse sentido (dimensão normativa)» seja «enunciado de forma que, no caso de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão, em termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os operadores do direito, ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, desse modo, afrontar a Constituição» (cf. Acórdão n.º 367/94).

Acresce que, prendendo-se o requisito em causa com a legitimidade para recorrer, expressamente previsto no artigo 72.º, n.º 2 da LTC, é até, de todo, irrelevante, para este efeito, que a decisão recorrida tenha apreciado a questão de inconstitucionalidade, uma vez que para se reconhecer legitimidade ao recorrente não basta que a questão de constitucionalidade tenha sido apreciada pelo tribunal (oficiosamente ou por ter sido suscitada por outra parte), sendo antes decisivo que tenha sido o recorrente a suscitá-la perante esse tribunal (cf. Acórdãos 371/05 e 401/07).

Ora, compulsados os autos, verifica-se que os recorrentes não suscitaram perante o Supremo Tribunal de Justiça, aqui recorrido, qualquer questão de constitucionalidade normativa, única suscetível de constituir objeto idóneo de um recurso de constitucionalidade.

Com efeito, no requerimento de fls. 631 a 635 — que contém a pronúncia dos recorrentes relativamente à questão da (in)admissibilidade do recurso de revista perante a verificação da dupla conforme, na sequência do contraditório que previamente lhes foi concedido pelo Supremo Tribunal de Justiça —, não foi enunciada qualquer questão de constitucionalidade normativa, designadamente por referência aos preceitos legais identificados no requerimento de interposição do recurso dirigido a este Tribunal.

Em tal peça processual, os recorrentes quedaram-se pela alegação de ser «óbvio que a interpretação do normativo do art. 671º, nº 3 do CPC dada por V. Exª Mm. Juiz Conselheiro do STJ no despacho atrás aludido, é inconstitucional por violação do disposto no n.º 1 do art. 205.º da Constituição da República Portuguesa», bem como pela invocação de que, «negado que seja o contraditório, torna-se evidente que em consequência também serão igualmente violados os princípios constitucionais da igualdade – artº. 13º da CRP, da legalidade, da imparcialidade, da boa-fé – art.º 266º, nº 2 da CRP, e da proporcionalidade – arts. 2º, 18º nº 3 e 266º, nº 2 da CRP».

Não tendo sido identificado perante o Tribunal recorrido qualquer enunciado normativo suscetível de vir a constituir objeto idóneo de um recurso de constitucionalidade, este não pode ser admitido por insuprível inobservância do ónus imposto pelos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, ambos da LTC.

7. Mas este não é sequer o único fundamento com base no qual se impõe concluir pela inadmissibilidade legal do recurso quanto às questões de constitucionalidade identificadas em ii), iii), iv) e v).

Para além de revestirem natureza normativa, os recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC têm um carácter ou função instrumental, o que significa que apenas podem ter por objeto normas jurídicas, tomadas com o sentido que a decisão recorrida lhes tiver conferido enquanto ratio decidendi.

Ora, relativamente às questões identificadas em ii), iii), iv) e v), é fácil de verificar que o Tribunal recorrido, para concluir pela inadmissibilidade do recurso de revista, não aplicou qualquer um dos preceitos identificados nas referidas alíneas, designadamente os artigos 615.º, 616.º, 120.º ou 417.º, todos do CPC.

No acórdão aqui recorrido, o Supremo Tribunal de Justiça limitou-se a apreciar a admissibilidade do recurso, o que fez sob incidência apenas do n.º 3 do artigo 671.º do CPC.

Uma vez que os aludidos preceitos legais não foram aplicados na decisão recorrida, tal circunstância sempre determinaria a impossibilidade de conhecimento do objeto do presente recurso, no segmento ora considerado, ainda que o ónus prescrito no n.º 2 do artigo 72.º da LTC tivesse sido observado pelos recorrentes.

Justifica-se, assim, a prolação da presente decisão sumária, sabido, como é, que o despacho que admite o recurso não é vinculativo para este Tribunal (cf. artigo 76.º, n.º 3, da LTC)».

3. Inconformados com tal decisão, os recorrentes reclamaram para a Conferência, invocando para o efeito os seguintes fundamentos:

«I - DO ERRO da douta decisão sumária recorrida (TC)

A - Salvo o devido respeito, ao contrário do alegado pela Srª. Exma. Juíza Conselheira Relatora, a questão foi suscitada durante o processo e de modo processualmente adequado perante o S.T.J. (acórdão de 19-9-2019).

Acresce que;

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