Acórdão nº 00389/16.0BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 31 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelFrederico Macedo Branco
Data da Resolução31 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I Relatório O Estado Português, devidamente representado pelo Ministério Público, no âmbito da ação administrativa, intentada por H.F.M.R.

, na qual peticionou que lhe fosse atribuída uma indemnização de 8.500€ tendente à reparação dos danos causados no seu veículo automóvel com a matricula XX-XX-NT, o qual terá sido vandalizado quando se encontrava apreendido pela GNR de (...), inconformado com a decisão adotada no TAF de Viseu em 15 de maio de 2019, que julgou a Ação parcialmente procedente condenando-se o Réu no pagamento de 8.000€, veio em 13 de junho de 2019 apresentar Recurso, no qual concluiu: “1. O objeto do presente recurso abrange a invocação de erro de julgamento quanto à decisão relativa à matéria de facto, que inclui reapreciação de prova gravada (ponto II das alegações); e a invocação de erro de julgamento quanto à matéria de direito, que julgou verificados os diversos requisitos cumulativos de que depende a responsabilidade civil extracontratual do Estado e que, consequentemente, julgou ação parcialmente procedente, condenando o Réu no pagamento de indemnização a título de danos patrimoniais; 2. Quanto ao ponto II, atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, especifica-se, para efeitos do disposto no art. 640º, nº 1, alíneas a), b) e c), e nº 2, alínea a), CPC, que: 3. Se consideram incorretamente julgados os pontos de facto a que se reportam, respetivamente, as alíneas a) dos pontos que, sob o artigo 24º das presentes alegações, foram especificados de 1) a 4) – a saber: 1) Ponto G) da matéria de facto dada como provada; 2) Ponto I) da matéria de facto dada como provada; 3) Ponto L) da matéria de facto dada como provada; 4) Pontos M), N) e O) da matéria de facto dada como provada, nos termos que aqui se dão por integralmente reproduzidos; 4. Os concretos meios probatórios, constantes do processo, de registo e gravação neles realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida são aqueles que, respetivamente, foram especificados sob as alíneas b) dos indicados pontos (especificados nos artigo 24º das presentes alegações de 1) a 4), com indicação também, nos respetivos casos, das exatas passagens da gravação em que, respetivamente, se funda o recurso, que aqui se dão por integralmente reproduzidos; 5. A decisão que, no entender do Recorrente, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnada é a que, respetivamente, e em relação a cada uma delas, foi especificada sob as alíneas c) dos indicados pontos, especificados no artigo 24º das alegações de 1) a 4), nos termos que aqui se dão por integralmente reproduzidas; 6. Quanto ao ponto III, relativo à invocação de erro de julgamento quanto à matéria de direito, não se concorda com decisão recorrida que, a nosso ver, adotou um entendimento que, a prevalecer, implica uma inadmissível responsabilização objetiva do Estado Português por danos patrimoniais que foram causados por facto ilícito e constitutivo da prática de crime perpetrado por terceiros; 7. Considerando-se, ao invés, nos termos e pelas razões que supra se expuseram, que não se verificam no presente caso os requisitos cumulativos de que depende a responsabilidade civil extracontratual do Estado (v.g. facto ilícito e culposo e nexo de causalidade entre o facto) e que, por isso, deveria a presente ação ter sido julgada totalmente improcedente; 8. Designadamente, e desde logo, que, do que acima se expôs quanto à matéria de facto e, mesmo, da própria factualidade que foi dada como provada na sentença recorrida, resulta à saciedade que o Autor não logrou provar, como lhe competia, o facto ilícito que erigiu em causa de pedir, isto é, que o Estado não tivesse acautelado as condições necessárias para que o veículo apreendido mantivesse as respetivas características essenciais, em virtude de as instalações onde o veículo apreendido do A. se encontrava serem abertas, sem qualquer segurança, com buracos na parede, de livre e fácil acesso ao público – v. artigos 11º, 13º, 14º e 43º da petição inicial; 9. Não obstante essa falta de prova desses factos, o Tribunal a quo veio, mesmo assim, a julgar verificados os diversos requisitos cumulativos da responsabilidade civil extracontratual do Estado e, consequentemente, condenou-o a indemnizar o Autor por danos patrimoniais, que, indiscutivelmente, foram causados, não por qualquer conduta ilícita e culposa de um qualquer titular de órgão, funcionário ou agente da Administração ou sequer pelo anormal funcionamento do serviço (e, muito menos, da que fora invocada na petição inicial), mas pela conduta ilícita e constitutiva da prática de crime perpetrada por terceiros; 10. Ora, sob pena de uma responsabilização objetiva do Estado Português, não permitida por lei, não se pode sufragar o entendimento da sentença recorrida que faz recair sobre o Estado/GNR o dever de evitar que terceiros, com práticas ilícitas e integradoras de crime – que se introduziram ilegitimamente, mediante sucessivo escalamento e arrombamento, em local duplamente fechado e vedado e não acessível ao público e no qual estava guardado o veículo apreendido – tivessem vandalizado e furtado bens do veículo do A. e, assim, lhe tivessem causado danos patrimoniais; 11. Quando esta conduta ilícita e integradora da prática de crime é, pela sua própria natureza, de verificação imprevisível e insuscetível de ser evitada, não sendo razoavelmente de exigir que o Estado/GNR tivesse adotado, nas indicadas circunstâncias, qualquer outra conduta para a evitar, que, de resto, sempre se revelaria uma tarefa manifestamente irrazoável e de realização incomportável ou mesmo impossível; 12. Assim, ao contrário do que foi considerado na sentença recorrida, que não existiu qualquer conduta ilícita do Estado/GNR; 13. Que, de resto, e como decorre do acima exposto quanto à matéria de facto, por falta de espaço no parque do posto da GNR, teve o cuidado de remover o veículo apreendido e de o guardar num local que reunia as necessárias condições de segurança para esse efeito, não só porque era duplamente vedado e não acessível ao público, como também porque era frequentado (e, consequentemente, vigiado) pelos funcionários da Câmara Municipal que detinham a respetiva chave, como ainda porque a própria GNR o patrulhava pelo exterior (v. ainda ponto P) da matéria de facto dada como provada); 14. Cumprindo, desta feita, os deveres de cuidado, de zelo, que, nas circunstâncias, seriam razoavelmente de lhe exigir, não existindo, qualquer violação do dever objetivo de cuidado que, nas circunstâncias, lhe era exigível, nem se vislumbrando que, nas circunstâncias, fosse razoavelmente de exigir ao Estado/GNR uma qualquer outra atuação para evitar a prática ilícita e criminosa da qual vieram a resultar os invocados danos patrimoniais; 15. Não se verificando, assim, quanto ao Réu Estado, o requisito da ilicitude, tal como é configurada no art. 9º, do Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado em anexo à Lei nº 67/2007, de 31/12; 16. Ora, a falta de ilicitude afasta, obviamente, e por si só, a possibilidade da formulação de qualquer juízo de censura ao nível da culpa; 17. De todo o modo, dir-se-á ainda que se discorda do entendimento que, a propósito do requisito da culpa, foi sufragado na sentença recorrida, em grande medida tributário da tendência jurisprudencial espelhada no citado Ac. do STA de 21/03/1996, Rec. nº 35909, que, no âmbito do anterior regime do Decreto-Lei nº 48 051, de 21/11/1967, procedia à objetivação da culpa, considerando-a diluída no conceito de ilicitude; 18. O art. 10º, nº 1, do Regime de Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado em anexo à Lei nº 67/2007, de 31/12, estabelece o critério geral pelo qual se deve aferir a culpa; 19. E a existência de culpa, como fundamento da responsabilidade civil, envolve sempre um juízo de censura que não pode bastar-se com a simples constatação da existência de uma ilegalidade ou de violação de regras de ordem técnica ou de prudência, pois, “de outro modo, estaríamos perante uma outra modalidade de responsabilidade objetiva”; 20. No caso vertente, e pelas razões acima expostas, não funciona qualquer presunção legal de culpa, designadamente, a que se encontram previstas no nº 2 do artigo 10º da Lei nº 67/2007 (invocada na sentença recorrida), ou qualquer outra, designadamente a prevista no nº 3 desse preceito legal; 21. Já que se estaria, singelamente, perante uma situação de omissão, enquadrável no art. 486º, do Código Civil (também referido na sentença); 22. Assim, e não existindo qualquer presunção legal de culpa aplicável à situação dos autos, cabia ao Autor provar a existência de culpa – art. 487º, nº 1, do Código Civil, o que, porém, não ocorreu, nem a sentença apreciou da sua existência, remetendo unicamente para uma objetivação da culpa e para uma presunção de culpa, que, todavia, é inaplicável ao caso vertente; 23. Sendo certo, de todo o modo, que não se verifica qualquer culpa funcional ou do serviço, nos termos e pelas razões acima expostas; 24. Também não se concorda com a sentença recorrida quando, quanto ao nexo de causalidade, afirma que existe uma ligação clara entre a omissão do dever de zelo na guarda do veículo e o resultado danoso verificado, a deterioração anormal do veículo do Autor; 25. Quando, na realidade, e como é patente, o “resultado danoso” foi causado, não por qualquer omissão dever de zelo na guarda do veículo, mas pela conduta de terceiros desconhecidos, suscetível de configurar a prática de crime (designadamente, dos crimes de furto qualificado e de dano); 26. Afigurando-se-nos manifesto que o R. Estado Português não poderá ser responsabilizado pela conduta ilícita (e suscetível de integrar a prática de crimes) de terceiros...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT