Acórdão nº 00321/19.9BEPNF-A de Tribunal Central Administrativo Norte, 31 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelRog
Data da Resolução31 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: O Município de (...) veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de 07.10.2019, pela qual foi julgada procedente a providência cautelar intentada contra o ora Recorrente pela empresa P.-G.P.E, L.da.

para suspensão da eficácia do despacho proferido em 11.12.2018 pelo Vereador da Câmara Municipal de (...) que ordenou a cessação de utilização indevida de fração autónoma e fixou as despesas decorrentes de eventual execução coerciva da medida ordenada a cargo da ora Recorrida.

Invocou para tanto, em síntese, que: ao decidir que a falta de audiência prévia configura uma formalidade essencial, cuja omissão fere de ilegalidade invalidante o acto suspendendo, a sentença recorrida fez uma errada interpretação e aplicação do artigo 121º, nº 1, do Código de Procedimento Administrativo, e dos artigos 4º, nº 5, 62º, 77º nº 4 e) e 109º, nº do 1, do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação; no caso “sub judice” não se verifica o pressuposto do “fumus boni iuris” na medida em que é manifesto que não assiste qualquer razão ao Requerente nos vícios invalidantes que evoca contra o acto suspendendo; ao assim não decidir a sentença recorrida violou o disposto no artigo 120º, nº 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

A Recorrida contra-alegou defendendo a manutenção da decisão recorrida; pediu ainda, nas suas contra-alegações a ampliação do objecto do recurso, defendendo que se deve apreciar em sentido positivo, diverso ao decidido, a invocada existência do vício de falta de fundamentação do despacho impugnado.

O Ministério Público neste Tribunal declarou não ser caso de emitir parecer, prescindindo do respectivo prazo.

*Cumpre decidir já que nada a tal obsta.

* I.I. - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: 1. Em face dos factos julgados como provados constantes dos Pontos 17 e 18 da matéria assente, é indubitável que no decurso do procedimento do acto suspendendo a entidade requerida concedeu ao Recorrido o direito de audiência prévia, e que o Recorrido exerceu esse seu direito pronunciando-se sobre o sentido proposto da decisão.

  1. O entendimento da entidade requerida foi precisamente no sentido de considerar que a Requerente, na sua pronúncia, não acrescentou factos novos que contrariassem o teor do ofício que notificava a intenção de decisão.

  2. Escrever que “nem se pronunciou” não é o mesmo que escrever “nem respondeu”: não significa que a entidade requerida tenha ignorado o teor da pronúncia da Requerente em sede de audiência prévia de interessados.

  3. É manifesto que não se verifica o vício de preterição da audiência prévia no procedimento de decisão do acto suspendendo.

    Sem prescindir, 5. A pretensa preterição da audiência prévia não revestiria no caso “sub judice” de relevância anulatória do acto suspendendo.

  4. A fracção identificada nos autos está a ser utilizada em desconformidade com o uso previsto no respetivo alvará de utilização – como é reconhecido na sentença “a quo” – e por isso nada do que é dito pela Recorrida na sua pronúncia em sede de audiência de interessados permite alterar esta conclusão que resulta diretamente da previsão legal dos artigos 4º, nº 5, 62º, 77,º nº ,4 e) e 109º, nº 1, RJUE.

  5. Ao decidir que a falta de audiência prévia configura uma formalidade essencial, cuja omissão fere de ilegalidade invalidante o acto suspendendo, a sentença “ a quo” faz uma errada interpretação e aplicação do artigo 121º, nº 1, CPA, e dos artigos 4º, nº 5, 62º, 77º nº 4 e) e 109º, nº 1, RJUE.

  6. No caso “sub judice” não se verifica o pressuposto do “fumus boni iuris” na medida em que é manifesto que não assiste qualquer razão ao Requerente nos vícios invalidantes que evoca contra o acto suspendendo; 9. Ao assim não decidir a sentença recorrida viola o disposto no artº 120º nº 1 CPTA.

    Nestes termos e nos melhores de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida, com as devidas consequências legais.

    Assim se cumprirá a Lei e fará Justiça.

    I.II. - São estas as conclusões das contra-alegações em que se pediu a ampliação do objecto do recurso.

    1. Andou bem o Tribunal a quo ao considerar verificado o apontado vício procedimental de preterição de audiência prévia, porquanto o mesmo apenas se poderá entender cumprido quando materialmente atendidos os fundamentos invocados pelo particular interessado.

    2. Deverá improceder a alegação da Recorrente quando alega ter cumprido a formalidade de audiência prévia: desde logo porque resulta inequívoco do teor da fundamentação do ato suspenso (facto provado 19) que o Recorrido ignorava a existência/entrada da defesa da Recorrida.

    3. Mesmo que assim não fosse, a formalidade da audiência prévia apenas se poderia considerar cumprida se devidamente fundamentadas as razões da eventual não procedência dos motivos invocados pela Recorrida, os quais deveriam constar expressamente e de forma clara da decisão final proferida – o que não ocorre no caso dos autos.

    4. Caso o Tribunal de Recurso entenda que a omissão ao teor e aos motivos da audiência prévia se inscreve dentro do vício de falta de fundamentação, requer a Recorrida a procedência da ampliação do objecto do recurso deste segmento decisório, devendo a sentença recorrida ser revogada, por ser ilegal ao violar o disposto nos artigos nos artigos 127.º, 114.º e 152.º do CPA e 268.º n.º 3 da CRP, ao ter julgado improcedente o vício de falta de fundamentação do acto, por não se pronunciar quanto aos fundamentos da defesa.

    5. Ademais, e contrariamente ao alegado pelo Recorrente, os fundamentos invocados em sede de audiência prévia são suscetíveis de alterar o sentido do acto, como, aliás, bem decidiu o Tribunal a quo, ao considerar que o Município deveria ter procedido à correção oficiosa da licença de utilização, face aos fundamentos invocados, tendo em consideração a desconformidade entre a licença de construção e de utilização.

    6. Tal como decidido pelo Tribunal a quo, revela-se absolutamente inadmissível a actuação do Recorrente ao consentir na manutenção de uma licença de utilização desconforme com a de construção – erro que apenas a ele é imputável.

    7. Carece assim, também, de fundamento a alegada contradição entre a decisão recorrida e os seus fundamentos.

    Termos em que, E nos melhores de Direito, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas, deverá o recurso jurisdicional interposto ser julgado improcedente, por não provado, mantendo-se a decisão recorrida.

    Sem prescindir, Deve ainda a ampliação do âmbito do recurso requerido pela ora Recorrida ser admitida, e, a final, ser julgada totalmente procedente.

    *II –Matéria de facto.

    A decisão recorrida deu como indiciariamente provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte: 1. A ora Requerente é titular de um direito de superfície sobre um edifício de cave, rés-do-chão e primeiro andar, sito na Rua (...), e Alameda da Rua (...), freguesia de (...), concelho de (...), descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 3829/(...), e aí inscrito a favor da mesma Requerente pela inscrição AP 19 de 09.03.2004, e ulterior averbamento constante da AP 31 de 29.11.2007, o qual se encontra ainda inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo 10330 - cf. documento de folhas 63 a 78 dos autos; não controvertido atento o artigo 20.º da oposição.

  7. Desse edifício, é dono o Município de (...) - cf. documento de folhas 63 a 78 dos autos; não controvertido atento o artigo 20.º da oposição.

  8. Pela Requerente, foi construído um edifício com a área total de construção de 8.785,47 m2, com a volumetria de 25.196,63 m3 e área de implantação de 4.982,60 m2, com dois pisos acima da cota de soleira e 1 abaixo, destinado a parque de estacionamento, comércio/serviços, de acordo com o projeto aprovado e alvará de obras de construção n.º 184, emitido pela Câmara Municipal de (...) em 11.08.2006, no âmbito do processo n.º 135-OC/2004 - cf. documento de fls. 79 dos autos; não controvertido atento o artigo 20.º da oposição.

  9. Executada a construção, foi emitida pela Câmara Municipal de (...), a licença de utilização n.º 230, de 24.10.2008, em nome da Requerente, da qual consta que corresponde ao alvará de licenciamento de construção n.º 184, emitido em 11.08.2006, a favor da Requerente, mais podendo aí ler-se: “(…) Nos termos do artigo 74.º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, com as alterações introduzidas pela Decreto-Lei n.º 177/01 de 04 de Junho, é emitido o alvará de utilização n.º 230, em nome de P.-G.P.E, S. A., portador do bilhete de identidade n.º------ e número de contribuinte (...), que titula a utilização do prédio sito na Rua (…) da freguesia de (...), descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º------ e inscrito na matriz ---- sob o artigo ---- da respectiva freguesia, a que corresponde o alvará Licenciamento Construção n.º 184, emitido em 11/08/2006, a favor de P.-G.P.E, S.A.

    Por despacho de 27/08/2008, foi autorizada a seguinte utilização: Parque de estacionamento público e dois edifícios para equipamento.

    (…)”.

    Cf. documento de fls. 80 dos autos; não controvertido atento o artigo 20.º da oposição.

  10. Em 11.01.2012, no cartório notarial de R.A.P.R.P.

    , foi realizada escritura pública intitulada “Constituição de Propriedade Horizontal”, tendo por base o edifício referido em 1., e na qual se pode ler o seguinte: “(…) O prédio, que se destina à venda em fracções autónomas, e ao qual é atribuído o valor de quinhentos mil euros, satisfaz os requisitos legais para ser possuído em regime de propriedade horizontal, compondo-se de sete fracções autónomas, independentes, distintas e isoladas entre si, que são as seguintes: (…) Fracção F - Primeiro andar, com entrada pelo n.º 218-E, destinada a comércio e serviços, com o valor...

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