Acórdão nº 025/19.2BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelISABEL MARQUES DA SILVA
Data da Resolução29 de Janeiro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: - Relatório - 1 – A Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira vem, nos termos dos n.º 2 a 5 do artigo 25.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), interpor recurso para este Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida a 24 de Janeiro de 2019 no processo n.º 367/2014-T, por alegada contradição, quanto à mesma questão fundamental de direito (referente à dedutibilidade fiscal dos encargos suportados pelo sujeito passivo com o financiamento gratuito de uma sociedade terceira), com o decidido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30 de Maio de 2012, proferido no Processo n.º 0171/11, transitado em julgado.

A Recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

a) O presente recurso por oposição de acórdãos vem interposto do acórdão arbitral 24/01/2019, proferido nos autos supra mencionados, na parte em que o mesmo julgou procedente o pedido da liquidação adicional de IRC referente a 2009, liquidação nº 2013 8310014685, pronunciando-se relativamente à correcção ao lucro tributável no valor de € 97.278,08 a título de custos financeiros não fiscalmente aceites, elencada a fls. 23 do acórdão arbitral sob a alínea b) das questões a decidir.

b) Em causa estão os financiamentos gratuitos concedidos pela Requerente à A……….. 3 durante o ano de 2009, sendo que a montante a Requerente suportou encargos com financiamentos obtidos junto de terceiros, os quais foram deduzidos na sua totalidade ao abrigo do art. 23º do CIRC c) A questão de direito respeita, por conseguinte, à aplicação do art. 23º do CIRC para efeitos de indispensabilidade e consequente dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros suportados com empréstimos gratuitos a terceiros.

d) O acórdão arbitral, na parte objecto do presente recurso, encontra-se em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, referente à dedutibilidade com custo fiscal dos encargos suportados com o financiamento gratuito de uma sociedade terceira, com o acórdão do STA de 30/05/12, no processo nº 171/11.

e) Entre o acórdão arbitral, na parte ora recorrida, proferido no processo nº 367/2014-T do CAAD, e o acórdão fundamento, acórdão do STA de 30/05/2012, prolatado no processo nº 171/11, existe uma oposição quanto à mesma questão fundamental de direito, estando em causa em ambas as decisões a aplicação do nº 1 do art. 23º do CIRC, mais concretamente a dedutibilidade fiscal de encargos suportados com financiamentos concedidos a título gratuito.

f) Na solução a esta questão, o acórdão recorrido assenta unicamente numa análise ao acto de gestão da Requerente na perspectiva da sua razoabilidade para gerar proveitos, ainda que indirectamente, entendendo como completamente irrelevante o facto de os financiamentos que geraram os aludidos encargos terem como beneficiária directa uma sociedade terceira, a quem a Requerente concedeu empréstimos a título gratuito.

g) Deste modo, e na perspectiva do acórdão recorrido, estando provado que a A……….. 3, que beneficiou dos aludidos empréstimos gratuitos, é o fornecedor exclusivo de cortiça da Requerente, a qual tem como atividade a produção e comercialização de rolhas de cortiça, resulta forçoso concluir pela dedutibilidade fiscal dos encargos suportados pela Requerente na obtenção do capital necessário à realização daqueles empréstimos, por se entender razoável que a Requerente tenha financiado sem juros a A……….. 3 devido a “ter interesse próprio em assegurar o regular funcionamento da matéria prima necessária para o seu próprio funcionamento”, conforme fls. 40 da decisão arbitral.

h) Mais, conforme se transcreve de fls. 40 e 41 do acórdão arbitral, “Por outro lado, sendo de considerar seguro, à face das regras da vida e da experiência comum, que uma empresa comercial, que tem por objectivo a obtenção de lucros, não irá financiar gratuitamente outra sem que haja uma razão para o fazer, é de concluir, na falta de qualquer outra explicação razoável, que foi o alegado interesse da Requerente em assegurar o seu próprio funcionamento que justificou que providenciasse para que fosse assegurada a actividade da A……….. 3, através do financiamento gratuito”.

i) Constitui matéria de facto assente no acórdão arbitral que a Requerente e a beneficiária dos empréstimos gratuitos integram o mesmo Grupo A………., que a Requerente concedeu financiamento à A………. 3 sob a forma de conta corrente ao longo do ano de 2009, sem qualquer remuneração e que a Requerente endividou-se junto da banca, quer através de contas caucionadas, quer através de empréstimos bancários de médio e longo prazo, obtendo financiamento em 2009 num total de € 10.970.593,32 e suportando custos financeiros num total de € 633.729,58.

j) Oposta é a solução jurídica adoptada no acórdão fundamento, cuja situação fáctica se subsume de igual modo ao nº 1 do art. 23º do CIRC quanto aos encargos suportados com financiamentos gratuitos.

k) Quanto ao tema em causa no acórdão fundamento, o mesmo respeita ao seguinte, que se transcreve: “o objecto do presente recurso consiste em saber se, à luz do art. 23º do CIRC, devem ou não ser considerados como fiscalmente relevantes os custos com juros e imposto de selo de empréstimos bancários contraídos pela impugnante, ainda que em seu prejuízo e não sejam estritamente necessários para a obtenção dos seus ganhos e proveitos individuais, sendo certo que entre a impugnante e as empresas beneficiadas existe uma relação de domínio total.

l) Por fim, no que respeita à solução jurídica, em oposição com a do acórdão arbitral na parte ora recorrida, concluiu o acórdão fundamento o seguinte, que se transcreve: Dispõe o predito normativo legal “Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes: …c) encargos de natureza financeira, como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de acções, obrigações e outros títulos e prémios de reembolso…”.

Daqui resulta que os custos ali previstos não podem deixar de respeitar, desde logo, à própria sociedade contribuinte.

Ou seja, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a actividade respectiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades.

A não ser desta forma, como que podia ser imputada a uma sociedade o exercício da actividade de outra com a qual ela tivesse alguma relação.

As quantias controvertidas correspondem a juros de empréstimos bancários e imposto de selo contraídos pela recorrente e aplicados no financiamento gratuito de uma sociedade sua associada.

Tais verbas não estão, pois, directamente relacionadas com qualquer actividade do sujeito passivo inscrita no seu objecto social, que é empreendimentos e gestão de imóveis e não a gestão de participações sociais ou financiamento de sociedades de risco, nem sequer se reportam, ainda que indirectamente, à sua actividade.

Por outro lado, não se trata aqui de juros de capitais alheios aplicados na própria exploração, esses sim previstos como custos na alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC.

A mera possibilidade de poder vir a ter no futuro ganhos resultantes da aplicação desses capitais na sua associada não determina só por si que tais investimentos possam enquadrar-se no conceito de custos fiscais porque para isso era necessário que tais encargos fossem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

E tal indispensabilidade está longe, neste caso, de ter sido demonstrada. Em conclusão, se dirá, pois, que as verbas em causa não constituem custos para efeitos fiscais”.

m) Resulta, deste modo, inequívoca, a contradição quanto à mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral, na parte ora recorrida, e o acórdão fundamento.

n) Como se defendeu em sede de Resposta no processo arbitral, acompanha-se o entendimento acolhido no acórdão fundamento, segundo o qual só podem ser considerados custos dedutíveis os necessários à actividade desenvolvida pela própria, que suporta os encargos, e não por outras sociedades, ainda que em relação de domínio ou outra.

o) Preenchidos os requisitos da admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos, existindo a semelhança entre as situações de facto em causa por serem subsumíveis ao mesmo quadro normativo (art. 23º do CIRC), e estando as soluções jurídicas em causa em manifesta contradição entre si quanto à mesma questão fundamental de direito, p) Requer-se a admissão do recurso e o seu conhecimento de mérito, com a procedência do mesmo e a anulação da decisão arbitral na parte ora recorrida, com as devidas consequências legais.

Nestes termos, e nos demais de direito que V. Exas doutamente suprirão, deverá o presente recurso por oposição de acórdãos ser admitido, por se verificar uma contradição entre o acórdão arbitral na parte ora recorrida e o acórdão fundamento quanto à mesma questão fundamental de direito, devendo o recurso ser julgado procedente com as devidas consequências legais”.

2 – Contra-alegou a Recorrida, concluindo nos seguintes termos:

A) A Recorrente interpôs o presente recurso para uniformização de jurisprudência por considerar que a decisão arbitral recorrida se encontra em oposição com a decisão proferida por esse Douto Tribunal ad quem no âmbito do processo n.º 0171/11 no que respeita à apreciação que em tais pronúncias jurisdicionais é alegadamente feita da dedutibilidade dos encargos financeiros supostamente incorridos para a concessão de empréstimos a título gratuito a sociedades com que o sujeito passivo se encontra em relação de domínio ou grupo; B) Inexiste, porém, qualquer contradição entre as duas decisões jurisdicionais...

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