Acórdão nº 1685/19.0BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 30 de Janeiro de 2020
Magistrado Responsável | JORGE PELICANO |
Data da Resolução | 30 de Janeiro de 2020 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul.
K.......
, nacional de São Tomé e Príncipe, vem interpor recurso da sentença que julgou improcedente o pedido de anulação do despacho datado de 29/07/2019, da Directora Nacional Adjunta do SEF, que considerou infundado o pedido de protecção internacional por si formulado.
Apresentou as seguintes conclusões com as suas alegações de recurso: “1.º Com base na factualidade apurada nos autos e do acervo de informação que tem vindo a público sobre a São Tomé e Príncipe, sobre o seu sistema público de apoio hospitalar e assistência medica, sobre a difícil situação político-económica e social - que serão factos que a generalidade das pessoas, têm conhecimento, podendo, nessa medida, qualificar-se de factos notórios e do conhecimento geral (cf. art.º 412.º do CPC) – é manifesto que a decisão do SEF que subsumiu o pedido do A. e ora Recorrente no art.º 19.º,n. º 1, als. e) e h), da Lei n.º 27/2008, de 30.06, está errada.
-
A simples existência dos supra-mencionados relatórios e respectivo conteúdo, associada ao relato do Recorrente são seguramente razões pertinentes e relevantes para o mencionado pedido de protecção.
-
O relato inicial Recorrente quanto à situação da falta total de assistência médica e medicamentosa em São Tomé e Principe foi sendo também corroborado nas notícias veiculadas nos órgãos de comunicação social, que de dia para dia vão apontando a situação daquele país como mais gravosa.
-
Ora, atendendo ao concreto pedido do Recorrente, à sua situação familiar, ao conteúdo integral dos relatórios da Direção Gerald e Saúde e da Ordem dos Médicos indicados e ainda, às demais informações, que são públicas, sobre São Tomé e Principe, haverá um erro manifesto na decisão do SEF de fazer subsumir o pedido do Recorrente na tramitação acelerada do art.° 19.° da Lei do Asilo.
-
No caso, exigia-se ao SEF a apreciação do pedido do Recorrente ao abrigo do procedimento “normal” do art.° 18.° da Lei n.° 27/2008, de 30.06, procedendo a maiores averiguações acerca da actual situação político-económica e social da República Togolesa.
-
Caberia ao SEF, fazendo-se valer dos seus poderes oficiosos e inquisitórios, investigar acerca de toda a informação disponível sobre a situação económica-social e médica de São Tomé e Principe e depois apreciar essa mesma situação considerando as circunstâncias concretas do Recorrente, para então integrar o conceito de protecção por “razões humanitárias”.
-
Em suma, no caso ora em apreço e face ao supra exposto, deverá entender- se que a decisão do SEF, que enquadrou o pedido do Recorrente na als. e) e h) do n.° 1 do art.° 19.°, da Lei n° 27/2008, de 30.06, está manifestamente errada nos seus pressupostos de facto, padecendo de um vício de violação de lei, pois, no caso, as razões que são invocadas para o pedido de protecção subsidiária, para o recorrente, são pertinentes e relevantes.
-
Ou seja, a decisão recorrida terá de ser anulada porque aplicou ao pedido da requerente, erradamente, o iter procedimental do art.° 19.° da Lei de Asilo, fazendo- o tramitar de forma acelerada, quando o mesmo havia de ter sido tramitado nos termos do art.° 18.° da referida Lei.
-
Deverá, portanto, ordenar-se a revogação a decisão recorrida e anular o acto da Sra. Inspectora Coordenadora Superior do SEF, de 29.7.2019, que indeferiu o pedido de asilo e de protecção subsidiária formulado pelo Recorrente, e determinar ao SEF a retoma do indicado procedimento, que deve ser tramitado nos termos do art.° 18.° da Lei n° 27/2008, de 30.06, averiguando-se sobre a situação médica- económica-hospitalar em São Tomé e Principe e ponderando-se a concreta situação da requerente do pedido de protecção subsidiária.”.
O Recorrido, notificado, não apresentou contra-alegações.
O Digníssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer em que conclui pela improcedência do recurso.
Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à Conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º, nº2, e 146º, nº1, do CPTA, e dos artigos 608º, nº2, 635º, nºs. 4 e 5, e 639º, todos do novo Código de Processo Civil, aplicáveis por força do disposto no artigo 140º, n.º 3, do CPTA.
Há, assim, que decidir, perante o alegado nas conclusões de recurso, se a sentença recorrida errou ao declarar o pedido improcedente; se deve ser revogada e substituída por outra que determine a retoma do procedimento administrativo nos termos previstos no art.º 18.º da Lei de Asilo.
* Dos factos.
Para a decisão do recurso, importa considerar a seguinte matéria de facto fixada na sentença recorrida: A) Em 22/07/2019, a A. K….., nacional de São Tomé e Príncipe apresentou junto do Serviço de Estrangeiros e Fonteiras, no posto de fronteira do Aeroporto de Lisboa, pedido de protecção internacional, ao qual foi atribuído o n.° 1……/19 — cfr. fls.1, do PA.
B) Em 25/07/2019, a A. foi questionada sobre as circunstâncias e motivos que a conduziram a efectuar o pedido de protecção internacional, podendo ler-se na “Entrevista/transcrição”, o seguinte: “P. Tem algum problema de saúde? R. Sim. Desde que adoeci com tuberculose, quando acabei o tratamento não fui mais ao posto e agora tenho falta de ar, e não tenho medido a tensão. Não consigo aumentar de peso. Sinto que estou a precisar de um tratamento. Já falei aqui e fui levada ao médico que mandou fazer análises, mas não passou porque não sabe se eu vou ficar ou se vou embora e deu-me uma bomba para ajudara respirar P. Neste momento, sente-se capaz e em condições de realizar esta entrevista? R. Sim.
-
Esta primeira parte da entrevista serve para conhecermos melhor a sua pessoa, os seus antecedentes, a traçar o seu perfil. Pode falar sobre a sua pessoa, dando o máximo de detalhes sobre si.
-
Estudei e estava no 8.º ano, passei para o 9.º à noite e depois adoeci e fiquei 6 meses internada. Depois sai e os agentes de saúde iam a minha casa dar a medicação. Voltei a matricular, mas quando fui ao médico ele disse que era cedo e que não podia estudar à noite. Para estudar de dia, na escola das madres eu tinha que pagar, e como não tinha dinheiro não fui.
-
Onde vivia? R. Vivia na zona de Madre Deus com a minha mãe, dois irmãos mais novos, de 18 e 12 anos de idade e os meus dois filhos.
-
Trabalhava? R. Não.
-
Quem vos sustentava? R. A minha mãe e a minha irmã que vive em Portugal, Licínia dos Ramos Vaz de Rosário. Ela é mais velha que eu dois anos, ela faz 27anos em dezembro.
-
O que faz a tua mãe? R. É feirante e vende bananas no mercado.
-
E o pai dos teus filhos? R. Estamos separados há dois aros. Ele está em São Tomé.
-
Ele ajuda no sustento dos filhos? R. Ele dá roupa e sapato. Não dá comida. Ele não dá dinheiro, só vai a feira comprar roupa e sapato para os filhos.
-
Durante o dia o que fazes? R. Fico em casa e de vez em quando, quando a dona precisa de ajuda para lavar a roupa, eu lavo e ela paga.
-
Qual é a sua religião? R. Católica.
-
Vamos agora falar sobre o percurso que fez desde que saiu do seu país até chegar a Portugal. Pode descrever todo o trajeto que efetuou, dando o máximo de detalhes.
-
Sai de São Tomé no dia 21.07.2019 de avião e paramos em Acera, mas não descemos e depois viemos para aqui.
-
...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO