Acórdão nº 139/19.9BCLSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 30 de Janeiro de 2020
Magistrado Responsável | PAULO PEREIRA GOUVEIA |
Data da Resolução | 30 de Janeiro de 2020 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1.ª SECÇÃO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL I – RELATÓRIO F……. — F…… SAD, intentou no T.A.D.
processo arbitral “necessário” contra FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL.
A pretensão formulada perante a instância arbitral foi a seguinte: - Anulação da decisão administrativa colegial de 14-05-2019 da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol que, julgando procedente a acusação, decidiu condenar o Demandante pela prática de uma infração disciplinar, p. e p. pelo art. 112.°- 1, 3 e 4 do RD, aplicando uma pena de multa no valor de € 15.300,00.
Por decisão arbitral colegial, a instância arbitral a quo decidiu “conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida”.
* Inconformada, a ré interpôs o presente recurso de apelação contra aquela decisão, ao abrigo do disposto no artigo 8º, nº 1, 2 e 5, da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto, formulando na sua alegação o seguinte quadro conclusivo: 1. O presente recurso tem por objeto o objeto o Acórdão Arbitral proferido pelo Colégio Arbitral constituído junto do Tribunal Arbitral do Desporto, proferido em 30 de setembro de 2019, que julgou procedente o recurso apresentado pela ora Recorrida, que correu termos sob o nº 29/2019.
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Em concreto, o presente recurso versa sobre a decisão do Colégio Arbitral (por maioria) em anular a multa aplicada pelo Conselho de Disciplina no processo disciplinar que correu termos naquele órgão, por aplicação do artigo 112, n.º 1, 3 e 4 do RD da LPFP.
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O Acórdão recorrido padece de graves erros na aplicação do Direito, com os quais a Recorrente não se pode conformar.
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O Colégio Arbitral entendeu, em suma, que a Recorrida não podia ser punida porquanto as declarações em causa, consideradas ilícitas pelo CD, foram proferidas ao abrigo do direito à liberdade de expressão.
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Porém, a interpretação literal das declarações bem como o contexto em que as mesmas foram proferidas não deixam margem para dúvidas de que foram ultrapassados os limites da liberdade de expressão.
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O valor protegido pelas normas disciplinares pelas quais a Recorrida foi condenada pelo CD, à semelhança do que é previsto nos artigos. 180.° e 181º do Código Penal, é o direito "ao bom nome e reputação", cuja tutela é assegurada, desde logo, pelo artigo 26.° n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, mas que visa ao mesmo tempo — e primordialmente - a proteção das competições desportivas, da ética e do fair play.
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Este é o primeiro erro em que cai o Colégio de Árbitros: o conflito de interesses não é, em bom rigor, entre a liberdade de expressão e o direito ao bom nome dos visados, mas sim entre a liberdade de expressão e a proteção das competições desportivas, da ética e do respeito entre agentes desportivos.
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A nível disciplinar, como é o caso, os valores protegidos com esta norma (112.° do RD da LPFP), são, em primeira linha, os princípios da ética, da defesa do espírito desportivo, da verdade desportiva, da lealdade e da probidade e, de forma mediata, o direito ao bom nome e reputação dos visados, mas sempre na perspetiva da defesa da competição desportiva em que se inserem.
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Em concreto, a norma em causa visa prevenir e sancionar a prática de condutas desrespeitosas entre agentes desportivos e para com os órgãos da LPFP e da FPF.
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Atenta a particular perigosidade do tipo de condutas em apreço, designadamente pela sua potencialidade de gerar um total desrespeito pela autoridade das instituições e entidades que regulamentam, dirigem, disciplinam e gerem o futebol em Portugal, o sancionamento dos comportamentos injuriosos, difamatórios ou grosseiros encontra fundamento na tarefa de prevenção da violência no desporto, enquanto fator de realização do valor da ética desportiva.
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No enquadramento regulamentar dado pelo artigo em apreço, reprova-se e sanciona-se especialmente quaisquer atos verbais, gestuais ou escritos que, assumindo natureza desrespeitadora, difamatória, injuriosa ou grosseira, ofendam o direito à honra, ao bom nome e reputação de outros órgãos e agentes desportivos.
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O juízo de valor desonroso ou ofensivo da honra é um raciocínio, uma valoração cuja revelação atinge a honra da pessoa objeto do juízo, sendo certo que tal juízo não é ofensivo quando resulta do exercício da liberdade de expressão.
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Naturalmente que as sociedades desportivas, clubes e agentes desportivos não estão impedidos de exprimir publica e abertamente o que pensam e sentem, estando, porém, adstritos a deveres de respeito e correção que os próprios aceitaram determinar e acatar mediante aprovação do Regulamento Disciplinar da LPFP.
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Dizer que os árbitros do jogo tiveram um fraco desempenho ou que cometeram erros é uma coisa (sejam quais forem as expressões utilizadas, mais ou menos contundentes desde que não infrinjam deveres de correção e urbanidade, naturalmente).
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Dizer que o árbitro cometeu erros propositadamente em desfavor de uma das equipas ou sequer insinuar tal falta de isenção e imparcialidade, é outra bem diferente.
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O Recorrido sabia ser o conteúdo das suas declarações adequado a prejudicar a honra e reputação devida aos agentes de arbitragem, colocando assim intencionalmente em causa o seu bom nome e reputação.
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Ao colocar como título da publicação que fez "Paixão Vermelha" para, depois, referir que o árbitro em causa "teve uma carreira de árbitro recheada de decisões insustentáveis", "fez vista grossa a dois lances na área do B......", "o mesmo VAR deixou passar um penálti claríssimo sobre Marcano", "B……. parece ter um problema com a imparcialidade", a Recorrida lançou uma crítica a uma conduta, mas também à própria pessoa.
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Além disso, tais afirmações são potencialmente gravosas para o interesse público e privado da preservação das competições profissionais de futebol.
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Face ao exposto, deve o acórdão proferido pelo Tribunal a quo ser revogado por erro de julgamento, designadamente por errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 112.° do Regulamento Disciplinar da LPFP.
* A recorrida contra-alegou, concluindo assim: A. Ao contrário do que advoga a Recorrente, a decisão ora recorrida não merece qualquer reparo ou censura, desde logo porquanto — como bem sintetizou o Tribunal a quo —não se mostra preenchido o tipo de ilícito p. e p. pelo art. 112.°-1 e 3 do RD, em virtude de estar em causa um juízo crítico sobre o desempenho desportivo que é reconduzível ao exercício legítimo da liberdade de expressão da Recorrida.
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Prende-se o presente processo com as afirmações vertidas na newsletter "D……."- as quais consubstanciam críticas negativas à arbitragem realizada no jogo que opôs o Clube Desportivo F...... – F……, SAD e a S……. — F…… SAD a 07-04-2019.
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Limitou-se, no entanto, a Recorrida a emitir aquela que é a sua fundada convicção sobre a insatisfatória prestação do Sr. Árbitro B......., a qual, do seu ponto de vista, vem resultando reiteradamente em benefício do S....... e, consequentemente, em detrimento dos demais clubes em competição.
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Como bem reconheceu a decisão recorrida, as afirmações vertidas no artigo "Paixão vermelha" ancoram-se num determinado desempenho (ou juízo valorativo sobre esse desempenho), tendo uma base factual, concreta e real, que legitima a formulação de tais afirmações, ainda que abstratamente lesivas da honra e da reputação de terceiro.
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Trata-se da emissão de meros juízos de valor — ainda que depreciativos, é certo — sempre voltados para o desempenho profissional do árbitro B......., apreciando-se de forma crítica as suas decisões naquele jogo em concreto, pois que, na opinião da Recorrida, as mesmas revelaram-se lamentáveis e atentatórias da verdade desportiva, padecendo de demasiados erros que prejudicavam a competição.
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Convicção para a qual concorreram diversas realidades a ter em conta, nomeadamente: as imagens do jogo, as opiniões dos diversos intervenientes no jogo e as notícias divulgadas na comunicação social acerca da arbitragem realizada no jogo de 07-04-2019.
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As quais, confirmando a existência de erros grosseiros de arbitragem, e um desempenho profissional que fica muito aquém daquele que seria o esperado de um árbitro desta categoria, levaram a Recorrida a concluir pela parcialidade na arbitragem do jogo em apreço.
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Note-se que, à data dos factos, o campeonato de futebol encontrava-se numa fase decisiva, sendo cada jogo e cada resultado especialmente importante para a competição, exigindo-se rigor e um acrescido profissionalismo às equipas de arbitragem.
I. Principalmente, em face de um campeonato marcado por sucessivas revelações de suspeitas de corrupção na arbitragem, as quais deram, inclusive, origem a vários processos de natureza criminal, sendo incontáveis as denúncias públicas de suspeitas de favorecimento e de falseamento de resultados a favor e por parte do S....... .
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Ora, a democracia comunicativa requer, nas palavras de Jónatas Machado, "a criação de uma esfera de discurso público desinibida, robusta e amplamente aberta, onde possam ser livremente noticiados e debatidos todos os problemas políticos, económicos, sociais e culturais de interesse público", nos quais se englobam, logicamente, também os desportivos — cf. JÓNATAS MACHADO, "Liberdade de expressão, interesse público e figuras públicas e equiparadas", Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. 85, 2009, pág. 75.
K Pelo que o âmbito normativo da liberdade de expressão "deve ser o mais extenso possível de modo a englobar opiniões, ideias, pontos de vista, convicções, críticas, tomadas de posição, juízos de valor sobre qualquer matéria ou assunto (questões políticas, económicas, gastronómicas, astrológicas), e quaisquer que sejam as finalidades (influência da opinião pública, fins comerciais) e os critérios de valoração (verdade, justiça, beleza, racionais, emocionais, cognitivos, etc.)".
L. Como vem sublinhando o TEDH, o único limite, fundado na proteção da honra, que há-de reconhecer-se à manifestação de juízos de valor...
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