Acórdão nº 168/18.0PEPDL-A.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 28 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelJOSÉ ADRIANO
Data da Resolução28 de Janeiro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 5.ª Secção (Criminal) da Relação de Lisboa: I – RELATÓRIO: 1. Nos presentes autos de inquérito em que é arguido P. , investiga-se um crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência agravado, p. p. pelos artigos 165.º, n.ºs 1 e 2 e 177.º, n.º 5, do Código Penal.

O Ministério Público, invocando que é essencial para a investigação dos respectivos factos, solicitou ao juiz de instrução criminal que fosse ordenada a recolha de vestígios biológicos do arguido mediante zaragatoa bucal, após detenção e condução do mesmo ao IML, para tal fim, uma vez que, notificado pessoalmente pela PSP para comparecer no Gabinete Médico-legal, não compareceu nem apresentou justificação.

Tal pretensão foi indeferida por despacho de 10/07/2019, do Juiz de Instrução Criminal de Ponta Delgada, Comarca dos Açores.

  1. Não se conformando com essa decisão, o Ministério Público interpôs o presente recurso, que motivou, formulando as seguintes conclusões: I.

    Vem o presente recurso interposto do despacho judicial datado de 10.07.2019, que indeferiu a promoção, nos termos dos arts. 165.°, n°s. 1 e 2, e 177.°, n.° 5, ambos do C.P., e, ainda, 154.°, n.° 3, 156, n.°s 6 e 7, e 269.°, n.° 1, alínea b) e 172.°, n.° 1, todos do C.P.P., de que fosse ordenada a recolha de vestígios biológicos do arguido mediante zaragatoa bucal do arguido P. para exame pericial comparativo do ADN do mesmo com aquele do nado-morto decorrente da gravidez da ofendida, LP que padece de limitações cognitivas; mais requerendo fosse ordenada a sua condução ao Gabinete Médico-Legal para tal efeito.

    II.

    Tal despacho fundamentou-se, em síntese, na ausência de indicação, pelo Ministério Público de factos que integrem a prática de ilícito criminal e que, inexistindo crime, não é de realizar tal diligência, interpretando o dever de fundamentação, por parte do Ministério Público em fase de inquérito, de forma densificada e extensiva no sentido de apenas só a narração de todos os factos integrantes da conduta típica possibilitaria o deferimento das aludidas condução e realização de exame nos termos das normas supra elencadas.

    III.

    Já o Ministério Público considera, por um lado, que a promoção para a aquisição da prova não depende de ser possível cabalmente identificar o lugar e data da prática dos factos e demais elementos do tipo pois, pela sua própria natureza, o que se pretende é reunir prova dos mesmos, o que decorre dos arts. 165.°, n°s. 1 e 2, e 177.°, n.° 5, ambos do C.P., e, ainda, 154.°, n ° 3, 156, n °s 6 c 7, c 269.°, n ° 1, alínea b) e 172.°, n.° 1; e, por outro, que a invocação da qualificação jurídica como crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência agravado, a menção à incapacidade da ofendida, ao relatório do GML de onde decorre que a mesma não é capaz de se autodeterminar sexualmente, do facto de ter a mesma declarado que apenas manteve relações sexuais com o arguido decorre que são efectivamente indicados, sucintamente, todos os elementos típicos do crime o que afasta o argumento invocado pelo Tribunal a quo.

    IV.

    Com efeito, tal interpretação do Tribunal recorrido onera excessivamente o Ministério Público, legitimo e único titular da acção penal em fase de inquérito, impondo-lhe, na prática, a narração de factos como se de uma acusação se tratasse quando, pela própria natureza do inquérito, ainda não se mostra consolidada a investigação e inexiste norma que a tal obrigue.

    V.

    A realização de exames, previstos nos arts. 171.° e seguintes do C.P.P., insere-se no Capitulo I do Titulo III, designada meios de obtenção de prova, precisamente porque, em fase de inquérito, a investigação dirige-se, frequentemente, para o apuramento da verdade que se esconde por trás de denúncias, suspeitas e indícios, pelo que o patamar da validade epistémica da prova recolhida para as diligências essenciais à prossecução penal são, naturalmente, diferentes daqueles que devem resultar no final do inquérito para que se deduza acusação.

    VI.

    Esta diferenciação do grau de certeza que deve observar o conhecimento carreado para o processo é, também, reconhecido e consagrado pelo legislador, que os elenca para os actos processuais correspondentes sendo reduzida face à obrigação legal de não apenas ter os elementos típicos por suficientemente indiciados como narrá-los, de forma completa, na acusação.

    VII.

    E inexigível, porque tal não decorre da lei, que seja formulada narração circunstanciada dos factos já indiciados numa promoção em inquérito - aliás, fosse tal possível, deveria o Ministério Público encerrar o inquérito e proferir acusação uma vez que só deverá proceder a diligências probatórias que se reputem como úteis e necessárias.

    VIII.

    Mais, deve, ainda, entender-se que o Ministério Público indicou a tipicidade em investigação de forma suficiente ao conhecimento do requerido, pois referiu que se investigava a prática de um crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência agravado, previsto e punido pelos art. 165.°, n.°s 1 e 2, e 177.°, n.° 5, ambos do C.P., tendo como ofendida LP e arguido P. e que este se recusara a permitir a recolha dc amostra de ADN através de Zaragatoa bucal.

    IX.

    Na sua promoção, além de indicar os elementos de prova de onde decorrem os indícios já recolhidos, o Ministério Público indicou que a ofendida sofria de incapacidade que limitava significativamente as suas capacidades cognitivas ao ponto de ter dificuldades em expressar o que lhe havia acontecido, que a mesma foi internada na sequência de uma gravidez que até ao momento em que sofreu consequências na sua saúde era desconhecida e que, em toda a sua vida, apenas mantivera relações sexuais com o arguido.

    X.

    Em síntese, o Ministério Público invocou o tipo de ilícito em investigação, os indícios já recolhidos que sustentam a respectiva conduta típica e, ainda, narrou sucintamente, sendo que o Tribunal a quo fez tábua rasa de tais fundamentos, e, adoptando uma leitura rígida e pouco conforme à própria letra da promoção, indeferiu a pretensão da investigação referindo que o...

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