Acórdão nº 154/19.2BCLSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 16 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelCRISTINA SANTOS
Data da Resolução16 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

A Federação Portuguesa de Futebol, com os sinais nos autos, ao abrigo do regime do artº 8º nº 1da L74/2013, 06.09 e alterações introduzidas pela Lei 33/2014, 16.06, (LTAD), inconformada com o acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral do Desporto de 04.NOV.2019, proferido no processo nº 23/2019 em que são parte demandante a sociedade S…… – Futebol SAD e parte demandada a ora Recorrente, dele vem recorrer concluindo como segue 1. O presente recurso tem por objeto o Acórdão Arbitral proferido pelo Colégio Arbitrai constituído junto do Tribunal Arbitrai do Desporto, notificado em 4 de novembro de 2019, que julgou procedente o recurso apresentado pela ora Recorrida, que correu termos sob o nº 23/2019.

  1. Em concreto, o presente recurso versa sobre a decisão do Colégio Arbitral (por maioria) em anular a multa aplicada pelo Conselho de Disciplina no processo disciplinar nº … - 2018/2019, que correu termos naquele órgão, por aplicação do artigo 112º, nº 1, 3 e 4 do RD da LPFP.

  2. O Acórdão recorrido padece de graves erros na aplicação do Direito, com os quais a Recorrente não se pode conformar.

  3. O Colégio Arbitral entendeu, em suma, que a Recorrida não podia ser punida porquanto as expressões em causa, consideradas ilícitas pelo Conselho de Disciplina, foram proferidas ao abrigo do direito à liberdade de expressão.

  4. Sucede que, a interpretação literal das declarações bem como o contexto em que as mesmas foram proferidas não deixam margem para dúvidas de que foram ultrapassados os limites da liberdade de expressão.

  5. O valor protegido pelas normas disciplinares pelas quais a Recorrida foi condenada pelo CD, à semelhança do que é previsto nos artigos. 180º e 181º, do Código Penal, é o direito "ao bom nome e reputação", cuja tutela é assegurada, desde logo, pelo artigo 26º nº 1 da Constituição da República Portuguesa, mas que visa ao mesmo tempo - e primordialmente - a proteção das competições desportivas, da ética e do fair play.

  6. Este é o primeiro erro em que cai o Colégio de Árbitros: o conflito de interesses não é, em bom rigor, entre a liberdade de expressão e o direito ao bom nome dos visados, mas sim entre a liberdade de expressão e a proteção das competições desportivas, da ética e do respeito entre agentes desportivos.

  7. A nível disciplinar, como é o caso, os valores protegidos com esta norma (112º do RD da LPFP), são, em primeira linha, os princípios da ética, da defesa do espírito desportivo, da verdade desportiva, da lealdade e da probidade e, de forma mediata, o direito ao bom nome e reputação dos visados, mas sempre na perspetiva da defesa da competição desportiva em que se inserem.  9. Em concreto, a norma em causa visa prevenir e sancionar a prática de condutas desrespeitosas entre agentes desportivos e para com os órgãos da LPFP e da FPF.

  8. Atenta a particular perigosidade do tipo de condutas em apreço, designadamente pela sua potencialidade de gerar um total desrespeito pela autoridade das instituições e entidades que regulamentam, dirigem, disciplinam e gerem o futebol em Portugal, o sancionamento dos comportamentos injuriosos, difamatórios ou grosseiros encontra fundamento na tarefa de prevenção da violência no desporto, enquanto fator de realização do valor da ética desportiva.

  9. No enquadramento regulamentar dado pelo artigo em apreço, reprova-se e sanciona-se especialmente quaisquer atos verbais, gestuais ou escritos que, assumindo natureza desrespeitadora, difamatória, injuriosa ou grosseira, ofendam o direito à honra, ao bom nome e reputação de outros órgãos e agentes desportivos.

  10. O juízo de valor desonroso ou ofensivo da honra é um raciocínio, uma valoração cuja revelação atinge a honra da pessoa objeto do juízo, sendo certo que tal juízo não é ofensivo quando resulta do exercício da liberdade de expressão.

  11. Naturalmente que as sociedades desportivas, clubes e agentes desportivos não estão impedidos de exprimir pública e abertamente o que pensam e sentem, estando, porém, adstritos a deveres de respeito e correção que os próprios aceitaram determinar e acatar mediante aprovação do Regulamento Disciplinar da LPFP.

  12. Não nos podemos olvidar que uma das funções essenciais do desporto é, precisamente, a função de arbitragem. Todos concordarão que, se não há desporto - e futebol - sem as leis de jogo -, também não haverá sem aquele agente desportivo que tem como função as fazer cumprir. E, permanece no âmago dessa função de arbitragem, o valor da imparcialidade, da isenção entre os competidores, aqueles que disputam o jogo.

  13. A newsletter sub judice não se limita a propalar críticas objetivas à atuação dos elementos das equipas de arbitragem e Var's, antes incute a ideia de que estes atuaram ao arrepio de critérios de objetividade e isenção, imbuídos da intenção de favorecimento de interesses que não os de um funcionamento imparcial, lançando sobre os mesmos a suspeição de que estariam a proteger (beneficiando) a F….. - Futebol, SAD.

  14. Com efeito, lançar suspeitas de que a atuação dos agentes de arbitragem não é pautada ao abrigo dos valores da imparcialidade e da isenção, não podem deixar de ser atentatórias da honra e bom nome dos árbitros visados, consubstanciando um comportamento que não pode ser tolerado e que não está justificado pelo exercício lícito da sua liberdade de expressão.

  15. Parece-nos ser muito claro que, através da divulgação das expressões sub judice, a Recorrida pretendeu, de forma expressa, lançar suspeitas quanto à atuação dos agentes de arbitragem, caracterizando tal atuação como violadora das suas competências, dos deveres funcionais a que se encontram adstritos, lançando ainda suspeitas de as suas atuações terem a intenção de favorecer de determinados interesses que não os da verdade desportiva.

  16. Ora, fazer uma imputação de tal calibre é atingir o núcleo essencial da função da arbitragem, pois os árbitros devem ser, por definição, isentos e imparciais, pelo que pôr em causa tais atribuições é sem dúvida lesar os bens jurídicos que a norma em causa protege.

  17. A Recorrida sabia ser o conteúdo das suas declarações adequado a prejudicar a honra e reputação devida aos agentes de arbitragem, colocando assim intencionalmente em causa o bom nome e reputação dos mesmos.

  18. Além disso, tais afirmações são potencialmente gravosas para o interesse público e privado da preservação das competições profissionais de futebol.

  19. Face ao exposto, deve o acórdão proferido pelo Tribunal a quo ser revogado por erro de julgamento, designadamente por errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 112º do Regulamento Disciplinar da LPFP.

    Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, Deverá...

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