Acórdão nº 1831/14.0BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 16 de Janeiro de 2020

Data16 Janeiro 2020
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1998_02

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório Ministério da Justiça (Recorrente), inconformado com a decisão do TAC de Lisboa que julgou procedente a acção administrativa especial contra si intentada por Andre ..........

(Recorrido) e anulou o acto que indeferiu o pedido de aquisição de nacionalidade portuguesa por naturalização formulado, mais tendo condenando a Demandada na prática de acto que a conceda.

As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões: 1.º A sentença recorrida fez uma interpretação que não tem qualquer correspondência na letra da lei, desrespeitando o disposto no artigo 9º do Código Civil, preconizando uma tarefa interpretativa legalmente não admissível ao considerar em vigor a Lei Orgânica n.º 9/2015, de 29 de junho, que a própria estipula no artigo 6.º o início de vigência.

  1. O artigo 6.º da Lei Orgânica n.º 9/2015, de 29 de junho, determina: “A presente lei entra em vigor na data do início de vigência do diploma referido no artigo 4.º”. Por seu turno, o citado artigo 4.º da mesma Lei Orgânica, dispõe que: “O Governo procede às necessárias alterações do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, aprovado pelo Decreto-Lei nº 237-A/2006, de 14 de dezembro (..)”. Ora, considerando que regulamentação ainda não existe publicada, a Lei Orgânica cuja vigência a sentença antecipa, não é, ainda, aplicável.

  2. O Estado Português (Conservatória dos Registos Centrais do IRN, IP e Ministério da Justiça), à data em que o pedido de nacionalidade foi feito pelo Recorrido e à data da decisão, apreciaram e decidiram o pedido em conformidade com o regime jurídico vigente, sendo certo que: a. Não podiam aplicar legislação inexistente; b. Não pode o Tribunal determinar a aplicação retroativa de lei nova que ainda não se encontra em vigor e que não prevê os efeitos retroativos que a sentença recorrida lhe confere; c. Não pode o Tribunal substituir-se ao legislador e/ou à Administração condenando a Administração a aplicar regime jurídico não vigente.

  3. Mesmo que estivesse em vigor a norma invocada (como se viu, não está), nunca se poderia aplicar a mesma ao caso em concreto, já decidido pela entidade demandada, ainda que em fase “contenciosa”, precisamente porque esse diploma não prevê a retroatividade que a sentença recorrida lhe conferiu.

  4. Mesmo que a Lei Orgânica em questão já se encontrasse em vigor, não podia ser interpretada como a sentença recorrida o faz, que erra na interpretação que faz do artigo 2.º da Lei Orgânica n.º 9/2015, de 29 de julho. Com efeito, atento o artigo 12.º do Código Civil, é bom de ver que, no artigo 2.º da Lei Orgânica n.º 9/2015, de 29 de julho, o legislador, com intenção interpretativa, se refere apenas à abrangência da natureza dos sujeitos a serem visados pela norma e não quanto a efeitos retroativos.

  5. O que o legislador quis estabelecer nessa norma foi, desde logo, que a eficácia retroativa da lei se estendesse “aos netos de portugueses nascidos no estrangeiro em data anterior à sua entrada em vigor”, intenção que, de certeza que vai abranger um número de pessoas muito vasto, mas os seus efeitos serão os previstos no artigo 11.º da Lei da Nacionalidade, que dita praticamente o mesmo que o artigo 12.º, n.º 1 do código Civil: “A atribuição da nacionalidade portuguesa produz efeitos desde o nascimento, sem prejuízo da validade das relações jurídicas anteriormente estabelecidas com base noutra nacionalidade”.

    7.º O pai do A., que tem nacionalidade derivada, por naturalização, não passaria a ter nacionalidade originária, por atribuição, como parece resultar da posição do Meritíssimo Juiz.

  6. Segundo a sentença recorrida o Recorrido poderia passar a beneficiar da norma artigo 1.º n.º 1, alínea c) da Lei da Nacionalidade, por ser filho de pai português, com nacionalidade de origem. Porém, tal interpretação é incorreta, uma vez que a norma não pretendeu ampliar os efeitos a esse nível, mas sim alargar o número de pretendentes à nacionalidade portuguesa, que ainda não o são, e não àqueles que a adquiriram, por via doutras normas e com outros efeitos. A ser assim, estaríamos perante a destruição de um sistema jurídico unitário que as normas legais que regem a interpretação não permitem.

  7. Mesmo que a Lei nova já estivesse em vigor, também não estariam preenchidos todos os requisitos legais aí previstos pois não resulta do processo administrativo que o primeiro requisito da projetada norma – alínea d), do artigo 1.º, n.º 1 (ou seja que o Recorrido tenha um ascendente de nacionalidade portuguesa do 2.º grau na linha reta) – esteja verificado, uma vez que o Recorrido será “bisneto” (e “não neto”) de português que não perdeu a nacionalidade portuguesa, terá, portanto, um ascendente do 3.º grau da linha reta.

  8. O Requerente, aqui Recorrido, foi tratado pelo Estado Português como todos os cidadãos que formularam pedidos idênticos, sem qualquer distinção, sem favor nem desfavor, de forma isenta, equidistante e imparcial, tendo a Administração fundamentando porque decidiu num sentido e não de outro modo, inexistindo no procedimento qualquer caso de impedimento, escusa e suspeição, tendo sido aplicada a da Lei da Nacionalidade nos termos em que tem sido aplicada pela Conservatória dos Registos Centrais (CRC), cujas posições colhe quer na lei, quer na doutrina e na jurisprudência, introduzindo a sentença recorrida um tratamento desigual e contrário à lei aplicável.

  9. O artigo 6.º da Lei da Nacionalidade (LN) aplicável (e não a norma não vigente que a sentença recorrida aplicou) contempla casos em que há vinculação da Administração e casos em que há discricionariedade e o Governo pode ou não conceder a nacionalidade.

  10. Os casos previstos nos n.ºs 1 a 4 do artigo 6.º da LN, determinam que “o Governo concede” a nacionalidade, ou seja, impõem, de forma vinculada, a concessão da nacionalidade a quem comprove reunir os respetivos requisitos. Por outro lado, nas situações previstas nos n.ºs 5 a 7, o legislador expressa que “O Governo pode conceder a nacionalidade…”, já...

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