Acórdão nº 61/17.3PEFIG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelANA CAROLINA CARDOSO
Data da Resolução15 de Janeiro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em Conferência na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO 1. Acórdão recorrido: Em 9 de Abril de 2019, os juízes que compuseram o tribunal coletivo do Juízo Central Criminal de Coimbra, após realização da audiência de julgamento do arguido A.

, decidiram: «I. Condenar o arguido A. pela prática de um crime de homicídio qualificado, na sua forma tentada, pp. nos artigos 131.º, 132.º n.ºs 1 e 2 alínea i), 22.º n.ºs 1 e 2 e 23.º Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

  1. Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido por (…), condenando o demandado (…) a pagar-lhe a quantia de € 8.554,86 (oito mil, quinhentos e cinquenta e quatro euros e oitenta e seis cêntimos).

  2. Julgar procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo Hospital Distrital da (...) , E.P.E., condenando o demandado (…) a pagar-lhe a quantia de € 17.281,98 (dezassete mil, duzentos e oitenta e um euros e noventa e oito cêntimos), acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, contados desde a notificação para contestar, até efetivo e integral pagamento.

  3. Julgar procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo ISS/IP – Centro Distrital de (...) , condenando o demandado (…) a pagar-lhe a quantia de € 1.265,14 (mil, duzentos e sessenta e cinco euros e catorze cêntimos), acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, contados desde a notificação para contestar, até efetivo e integral pagamento.

    1. Recurso do arguido (conclusões que se transcrevem parcialmente): «(…) E.

      Da leitura das motivações do presente recurso somos conduzidos a uma elencagem de factos, que deveriam constar do Acórdão condenatório proferido pelo Tribunal a quo, e que, consequentemente, impunham decisão diversa da adotada, sendo possível concluir que, fora do contexto da livre convicção do julgador, o Tribunal a quo errou, de forma flagrante; (…) G.

      Porquanto resultou daquela leitura que não foram considerados factos que deveriam ter sido dados como provados, mas que não foram sequer considerados e que resultam de forma evidente quer das declarações prestadas pelo arguido, quer pelas testemunhas e que resultam evidentes da audição do registo áudio transcritas nas motivações do presente recurso.

      H.

      Assim, esta desvalorização e subversão da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, leva, desde logo, a alegar que da análise do Douto Acórdão, conforme se demonstrará infra, se poder concluir por uma omissão de pronúncia, isto é, que foi incorretamente julgada a matéria de facto dada como provada, devendo, de acordo com a prova produzida, nomeadamente, as declarações do arguido e das testemunhas (…) e (…), ter sido dado como provado o arrependimento do Recorrente; I.

      Esta desvalorização e subversão da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, constitui um ponto nuclear que se julga dever ser objeto de apreciação superior, devendo, a final, ser proferida decisão que conduza a uma alteração dos factos dados como provados, designadamente, fazer constar dos mesmos o arrependimento do Recorrente e valorar tal facto na aplicação da pena; J.

      Aplicando, assim, uma pena não superior a 5 anos, a qual deverá ser suspensa na sua execução, uma vez que, é possível concluir que a ameaça da prisão, realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

      DA IMPUGNAÇÂO DA MATÉRIA DE FACTO (…).

      DA ERRADA QUALIFICAÇÂO JURÍDICA FF.

      O Tribunal a quo condenou o Recorrente pela prática de um crime de homicídio qualificado, na sua forma tentada, pp. nos artigos 131.º, 132.º n.ºs 1 e 2 alínea i), 22.º n.ºs 1 e 2 e 23.º Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

      GG.

      Não obstante, e salvo melhor opinião, o crime que decorre dos factos é o de ofensa à integridade física grave, p. e p. art. 144.º, al. d) do C.P., pois que por força do art. 127.º do C.P.P., deveria sobre a prova o Tribunal ter criticamente aplicado as regras da experiência, que dizem que quem tenta matar outra pessoa, só não realiza completamente o seu intento se razões alheias (a vítima, embora ferida, foge; um terceiro impede a continuação da agressão; a arma encrava; o agressor percebe que há gente que vem ao seu caminho e foge, etc.) lhe impedem a consecução plena do seu objetivo.

      HH.

      Isto é, não obtém o resultado homicida por razões exteriores à sua vontade.

      II.

      Ora, no caso concreto, as circunstâncias da ação e os factos que a envolvem, antes e depois, se apreciados segundo as regras da experiência, levariam à conclusão inevitável de que o arguido não quis, nem queria matar.

      JJ.

      Pois, conforme o facto dado como provado n.º 1, ambos se envolveram numa discussão.

      KK.

      Para além de que na motivação da decisão de facto do douto acórdão, o mesmo tomou em consideração que: a)"(...) Ora, o assistente confirmou que recebeu três telefonemas de um amigo que estava no jantar com o arguido, advertindo-o que este o acusava de lhe ter retirado o telemóvel. Incomodado com o assunto, foi até ao restaurante e dirigiu-se à carrinha onde já estava sentado o arguido no lugar do condutor. (...); b) "(...) A testemunha (…) confirmou que tinha estado no jantar com o arguido, que falava constantemente que o ofendido lhe tinha retirado o telemóvel, e que, quando o ofendido apareceu, já se encontravam no carro. (...); c) "(...) Semelhante depoimento teve a testemunha (…), esclarecendo que, durante o jantar, o arguido acusava o ofendido de lhe ter furtado o telemóvel e quando já se encontravam dentro da carrinha, com o arguido no lugar de condutor, surgiu o ofendido." LL.

      Ressalta, portanto, que foi o ofendido quem se deslocou ao local em que se encontrava o Recorrente e que ambos se envolveram numa discussão com os ânimos exaltados e que apenas foram interrompidas por algumas pessoas que ali estavam, conforme o ponto 3 dos factos provados.

      MM.

      Acresce que apenas nesse momento o Recorrente com um " (...) objeto não concretamente apurado mas com características perfurantes que trazia consigo escondido, e, com ele, atingiu o ofendido na zona do abdómen do ofendido, provocando de imediato neste dor e sangramento abundante.", ponto 4 dos factos provados.

      NN.

      Ou seja, o arguido não cogitou em nenhum momento a morte do ofendido, pois, foi este quem se deslocou até ele e naquele momento de aflição, ainda para mais devido ao histórico de prisão do ofendido, o Recorrente reagiu de modo exagerado, utilizando um objeto cortante para o efeito.

      OO.

      Ora, se o objetivo do arguido fosse a morte do ofendido, teria desferido um golpe na cabeça, na zona do pescoço ou na zona do coração e não na zona da cintura.

      PP.

      Aliás não teria desferido apenas um golpe, mas os suficientes para ter a certeza que o mataria. Não foi o caso.

      QQ.

      Na verdade, o arguido teve à sua inteira disposição a pessoa que supostamente pretendia matar; nessa mesma circunstância e imediatamente no momento a seguir à perfuração, o arguido continuava com a arma e todavia não efetuou mais nenhum golpe, não efetuou mais ameaças ou agressões, nem continuou com qualquer outra conduta que revelasse aquela intenção de matar, com que, segundo o douto acórdão, estaria a agir.

      RR.

      Não havendo nada no processo que indique que tal se ficou a dever a uma intervenção de terceiros, mas de uma decisão unilateral, pessoal do Recorrente, que após ver sangue se afastou do mesmo.

      SS.

      Deste modo, as regras da experiência comum deverão pesar na reflexão do Tribunal para concluir que o arguido dada a sequência dos factos posteriores, não o fez para lhe causar a morte ou porque quisesse causar-lha, mas com outro objetivo, designadamente, de ofender-se fisicamente, afastando os intentos agressivos do ofendido, que se insurgiu de surpresa junto do arguido, na data e local da ocorrência dos factos.

      TT.

      Atentas as circunstâncias descritas como integralmente provadas, não pode nem deve concluir-se pela intenção homicida (a sequência dos factos desmente essa intenção: o arguido afinal não mata nem o tenta quando tem a vítima à sua disposição e nada que o impeça); deverá concluir-se, antes, pela prática do crime de ofensa à integridade física grave. Assim não o considerando, porque não apreciou a prova à luz das regras da experiência, o douto Tribunal a quo violou as disposições do artigo 127.º do C.P.P.

      UU.

      O crime praticado, com dolo eventual, é o do artigo 144.º do C.P.; e nunca o do artigo 132.º do mesmo C.P., artigos que também foram assim violados; e a qualificação da conduta como ofensa à integridade física grave, necessariamente deverá refletir-se no quantum da pena, que deverá ser menos gravosa que a que foi aplicada.

      VV.

      Por outro lado, o que apenas por mero juízo académico se equaciona, Se, porventura, se considerar haver homicídio na forma tentada, este seria sempre na forma simples, à luz do preceituado no artigo 131.º C.P., pelo que não poderia, a nosso ver e com todo o respeito por opinião diversa, ser considerado qualificado.

      WW.

      A qualificação decorre da consideração de que o arguido praticou o crime com "utilização de meio insidioso".

      XX.

      Dos factos descritos resultou provado que não houve da parte do arguido, qualquer tentativa de enganar, ou ludibriar, aliás, naquele momento, o arguido no meio de uma discussão, recorreu a um objeto cortante, não se provando que houvesse qualquer traição - pelo menos na verdadeira aceção da palavra -, tendo quanto muito existido surpresa, não obstante, a surpresa não ser sinónimo de traição ou de ação dissimulada, pérfida, como é o caso do veneno descrito no preceito legal em apreço.

      YY.

      Assim, os factos provados não demonstram que foi o planeamento, a malvadez ou a perversidade a motivação do arguido, nem tão pouco o Recorrente representou como possível a morte do ofendido muito menos se conformou com essa possibilidade! ZZ.

      Estavam numa discussão e não fez o arguido questão de que...

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