Acórdão nº 20183/17.0T8LSB.L1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelFÁTIMA GOMES
Data da Resolução10 de Dezembro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1. AA, BB, CC e DD, vieram propor, em 15.9.2017, contra EE A.

(actual EE, S.A.), acção declarativa com processo comum pedindo a condenação da Ré a pagar a quantia de € 100.000,00, respeitante ao capital seguro, acrescida de juros desde o óbito da pessoa segura.

Invocam, em síntese, que FF, marido da 1ª A. e pai dos demais AA., faleceu em -----, vítima de acidente de viação quando conduzia o motociclo de matrícula 00-00-00. Dizem que tal acidente foi causado por culpa exclusiva do condutor de um veículo terceiro que, seguindo na faixa de rodagem contrária, se despistou e invadiu a faixa de rodagem em que circulava o dito FF, aí lhe embatendo. Alegam que a sociedade GG, Lda., celebrara com a Ré um contrato de seguro que cobria os riscos profissionais e extraprofissionais do segurado ou pessoa segura, o referido FF, em caso de morte ou invalidez permanente, sendo beneficiários os ora AA. em caso de morte, e que tal contrato se encontrava em vigor à data do óbito. Dizem que a Ré recusa aos AA. o pagamento do capital respectivo com o argumento de que estaria excluído o acidente com veículo de duas rodas, mas que tal nunca foi explicado à tomadora do seguro, nem as condições gerais disponibilizadas, pois o falecido deslocava-se com frequência de moto e, caso fosse conhecida essa condição, o contrato não teria sido celebrado.

  1. A Ré contestou, impugnando a factualidade alegada e sustentando que se encontra expressamente excluída da cobertura da apólice a utilização de veículos motorizados de duas rodas, cláusula que poderia ter sido derrogada mediante o pagamento de um sobre prémio. Mais defende que a tomadora do seguro recebeu o texto do contrato e conhecia as respectivas condições que lhe foram explicadas. Pede a improcedência da causa.

    Responderam os AA., concluindo como na p.i..

  2. Em audiência prévia, foi proferido despacho saneador que conferiu a validade formal da instância, procedeu à identificação do objecto do litígio e à enunciação dos temas da prova, fixando-se ainda o valor da causa em € 100.000,00.

  3. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, em 7.6.2018, nos seguintes termos: “(...) decido julgar improcedente a presente acção e consequentemente, absolvo a ré do pedido formulado nos autos pelos AA.

    Custas pelos AA. (…).” 5.

    Inconformados, recorreram os AA.

    O recurso foi conhecido e julgado improcedente, culminando com o seguinte dispositivo: “Termos em que e face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo, por consequência, a sentença recorrida.

    Custas pelos apelantes.” 6.

    Novamente inconformados os AA apresentaram recurso de revista excepcional, do qual constam as seguintes conclusões (transcrição): 1. Porque o contrato de seguro em causa nos presentes autos é, conforme sabido, sinalagmático e oneroso, ou seja, é um contrato de que emergem para ambas as partes obrigações recíprocas e interdependentes e em que ambas as partes realizam atribuições patrimoniais ligadas entre si por um nexo de correspectividade (cfr. Mota Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil, 3a ed., p. 402; M. Andrade, in Teoria Geral, II, p. 54), 2. Mais consubstanciando um contrato de adesão cujas cláusulas contratuais gerais foram por inteiro da responsabilidade da ré seguradora, que as formulou conoto bem quis, nos moldes que melhor lhe aprouve, sem que ao tomador tivesse sido dada a oportunidade de sobre elas se pronunciar.

  4. Porque nessas circunstâncias é evidente, cristalinamente evidente, que estamos no campo de aplicação do regime das cláusulas contratuais gerais, "(...) não se vislumbrando razão para afastar tal regime quando esteja em causa um contrato de seguro que também é coberto pelo regime jurídico do contrato de seguro, dado que o EJCS (regime jurídico do contrato de seguro), plasmado no Dec. Lei n°72/2008, de 16 de Abril, entrado em vigor em 01.01.2009, traduz-se num regime especial, mas sem o poder de afastar a aplicação do regime das cláusulas contratuais gerias, também ele especial".

  5. Porque tendo em vista a defesa da parte mais débil do contrato - o tomador - e uma vez que se trata de um contrato de adesão a lei determina que é a quem redige e impõe as cláusulas que melhor lhe aprouve que cabe o especial dever de com destaque e sem que possam passar despercebidas ao tomador, as dar a conhecer sem quaisquer duvida ou tergiversação, 5. Mas que tal não sucedeu neste caso que nos prende, uma vez que NÃO SE PROVOU - E ESSE ERA ÓNUS DA RÉ - QUE FORAM ENTREGUES AO TOMADOR AS CONDIÇÕES GERAIS E ESPECIAIS DA APÓLICE, E TAMBÉM NÃO SE PROVOU - E ESSE ERA TAMBÉM ÓNUS DA RÉ - QUE O FF FOI ELUCIDADO DO ÂMBITO DAS COBERTURAS E EXCLUSÕES, 6. Porque, ainda que se entenda, sem conceder, que se não aplica o regime das cláusulas contratuais gerias e a questão deva ser dirimida pela aplicação das normas do RJCS é de todo evidente que a ré não cumpriu os deveres de informação exigidos pelo dito regime, uma vez que o tomador se limitou a apor a sua assinatura na proposta, 7. e que conforme se salienta do douto Acórdão da Relação de Lisboa, de 23.10.2014, acessível na íntegra em %2FjJ13, ...não se provando que, num contrato de seguro, a seguradora cumpriu, os deveres legais de comunicação e de informação relativo a determinadas cláusulas gerais contratuais, deverão as mesmas considerar-se excluídas do contrato, não sendo suficiente para obstar a tal exclusão o facto de a tomadora do seguro ter subscrito uma declaração de que foram postas à sua disposição as cláusulas do contrato com a advertência de que delas teve... conhecimento.

  6. Além disso, e mesmo que assim se não entenda, consideram os recorrentes que outra razão se perfila conducente ao mesmo resultado.

  7. Com efeito, conforme consta do ponto 12 da matéria de facto dada como provada o douto Acórdão em crise dá de barato que de acordo com a proposta - veja-se bem, da proposta e não das condições gerais que nem sequer se provou, aliás, terem sido entregues ao tomador, o contrato de seguro em causa nos autos não garante os acidentes decorrentes de ... utilização de veículos motorizados de duas rodas e triciclos.

  8. Para as Instâncias tanto bastou para considerarem, associado ao facto que conforme vem dado como provado - embora mal, a nosso ver e sempre com o devido respeito - de as condições se encontrarem acessíveis ao tomador, que foi cumprido o dever de informação da seguradora aí se esgotando os deveres desta.

  9. Todavia, basta olhar para a dita proposta para se perceber que ela própria é equívoca, confusa e enganadora e, portanto, nula em si mesmo.

  10. Porque, repare-se nos diversos campos que a compõem: em todos eles existem quadrículas assinaladas consoante a informação a eles associada, mas quando se chega ao campo sob a epígrafe "EXCLUSÕES DAS CONDIÇÕES GERAIS DA APÓLICE" verifica-se que todas as quadrículas estão em branco.

  11. Visto isso o que pensará qualquer destinatário normal? que tal como sucede com os campos anteriores só estarão excluídos do âmbito de cobertura do contrato as Exclusões assinaladas como tal e não o contrário.

  12. E por isso a debilidade de tal informação fala por si e a sua formulação em termos dúbios sempre impediriam a sua prevalência com o alcance que o douto Acórdão determinou.

  13. Com efeito, sabido como é que os regras constantes dos arts. 236.° a 238.° do CC constituem directrizes que visam vincular o intérprete a um dos sentidos propiciados pela actividade interpretativa, e o que basicamente se retira do art 236. ° é que, em homenagem aos princípios da protecção da confiança e da segurança do tráfico jurídico, dá-se prioridade, em tese geral, ao ponto de vista do declaratório {receptor); e que embora a lei não se baste com o sentido realmente compreendido pelo declaratório (entendimento subjectivo deste) e, por isso, concede primazia àquele que um declaratório normal, típico, colocado na posição do real declaratório, depreenderia (sentido objectivo para o declaratório) -cfr. Acórdão do STJ, de 12.06.2012, in (…) 16. Não há dúvida que a informação em causa não configura o cumprimento do ónus que incumbe à ré de entregar e explicar ao tomador as condições contratuais quer quanto à sua cobertura quer quanto às exclusões delas constantes.

  14. Ao invés, o teor da proposta - mesmo a admitir-se com válida a exclusão invocada pela ré - dá claramente a entender que a exclusão para que aponta apenas se verifica se os acidentes decorrerem da utilização de veículos motorizados de duas rodas ou triciclos; 18. Isto é, os acidentes que tenham como origem a utilização desses veículos em termos de causalidade adequada; ou seja, acidentes que advenham e sejam atribuíveis à actuação de quem detiver a sua direcção efectiva, mas já não, como parece de todo evidente, aqueles acidentes em que, pese embora o tomador conduza um veículo de duas rodas, em nada contribua para o acidente em que se veja envolvido ou que dele seja uma simples vítima.

  15. Ora, o que a esse respeito vem dado como provado nos autos é o constante dos pontos 7, 8 e 9 dos factos dados como provados na sentença.

  16. À face dos quais é óbvia a conclusão segura e inequívoca de que o acidente que vitimou o malogrado FF se ficou a dever a culpa única e exclusiva de condutor de veículo terceiro que se despistou e foi embater no motociclo dentro da mão de trânsito...

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