Acórdão nº 1550/13.4BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 10 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelANA CELESTE CARVALHO
Data da Resolução10 de Dezembro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO O Ministério Público veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 11/02/2019, que julgou improcedente a ação administrativa de oposição à aquisição de nacionalidade portuguesa, por si intentada contra S........

, de nacionalidade brasileira, com residência em Bruxelas, Bélgica.

O Relator do processo, por decisão singular, negou provimento ao recurso e confirmou a decisão recorrida.

Inconformado com tal decisão o Autor e Recorrente, veio reclamar para a conferência da decisão singular do relator, em que formulou as seguintes conclusões que infra e na íntegra se reproduzem: “A. A Douta Decisão Sumária de que se reclama limita-se, com todo o respeito, no âmbito da respectiva fundamentação, a uma (quase) mera transcrição do Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo no âmbito do Processo nº0210/16, de 16 Junho 2016, omitindo a apreciação de relevantes questões jurídicas suscitadas pela Exma. Magistrada do Ministério Público na motivação de recurso que subscreveu para este Tribunal Central Administrativo; B. Tais questões, como referido, evidenciam manifesto interesse para a apreciação da causa, como bem decorre da respectiva motivação de recurso, não construindo, sequer opiniões ou considerações colaterais à discussão jurídica da causa, razão pela qual sempre deveriam ter sido objecto de apreciação por este Tribunal; C. A mera invocação do citado Acórdão do Pleno do STA, impondo ao Ministério Público a produção de prova diabólica, conduz a situações como a dos presentes Autos em que o Requerido, nada tendo intervindo nos Autos, acaba por, de forma automática, beneficiar de uma presunção que, manifestamente, viola princípios basilares de direito, ao elementar arrepio daquilo que foi a intenção do legislador; D. Este Tribunal ao limitar-se a apreciar e decidir a presente acção por mera referência ao citado Acórdão do STA, violou claramente o disposto no artigo 6º da Declaração Europeia dos Direitos do Homem, na justa medida em que não garantiu a ambas as partes um processo justo e equitativo, sendo certo que a actividade desenvolvida pelos Tribunais Administrativos se encontra abrangida pela citada Convenção; E. O apontado Acórdão do Pleno do STA carece, necessariamente, face às recentes alterações à Lei da Nacionalidade e respectivo Regulamento, de uma interpretação actualista ou mesmo de uma reformulação do seu conteúdo;”.

Pede que seja proferido acórdão em conferência.

* O ora Reclamado, notificado, pronunciou-se.

Pede que a sentença recorrida se mantenha, por não merecer censura.

* O processo vai, com vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II – DOS FUNDAMENTOS O regime da decisão singular de mérito apenas proferida pelo Relator foi introduzido pelo D.L. n.º 329-A/95, de 12/12, podendo a parte afetada pela decisão reclamar desta para a conferência conforme as disposições conjugadas, à data, dos artigos 705.º e 700.º, n.º 3, do CPC, hoje previstas nos artigos 652.º, n.ºs 1, c) e 3 e 656.º, do CPC, aplicáveis por força do artigo 1.º do CPTA.

Conforme decidido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 23/02/2015, Processo n.º RP201502231403/04.7TBAMT-H.P1, deduzida reclamação para a conferência “(...) o colectivo de juízes reaprecia as questões que foram objecto da decisão singular do Relator e, nesse sentido, caso se esteja perante a decisão sumária do recurso, reaprecia novamente o recurso, naturalmente sem qualquer vinculação ao anteriormente decidido.

No entanto, se assim é, ou seja, se normalmente a intervenção da conferência, no caso em que se reclama de uma decisão sumária, faz retroagir o conhecimento do mérito da apelação ao momento anterior àquela decisão, importa ter presente que, nos termos gerais, no recurso ou na reclamação, o Recorrente ou o Reclamante podem restringir o seu objecto, isto é, o requerimento para a conferência (mesmo resultante de convolação do requerimento de interposição de recurso de revista) pode restringir o objecto próprio da reclamação, concretamente identificando a parte da decisão sumária de que discorda (da qual se sente prejudicado) (...)”.

Na senda do citado Acórdão e no que respeita à possibilidade de, em sede de reclamação da decisão singular do Relator, pode o Recorrente restringir o objeto do recurso, “(...) identificando os segmentos decisórios sobre os quais demonstra o seu inconformismo. Trata-se, na prática, de uma solução que se encaixa na possibilidade de desistência do recurso, nos termos que constam do art º 632° nº 5, com a especificidade de a extinção da instância ser, aqui, parcial (...).” – Cfr. Abrantes Geraldes, “Recursos no novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2013, pp. 85.

A delimitação objetiva do recurso é dada pelas conclusões, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2 e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC, na medida em que “(...) A motivação do recurso é de geometria variável, dependendo tanto do teor da decisão recorrida como do objectivo procurado pelo recorrente, devendo este tomar em consideração a necessidade de aí sustentar os efeitos jurídicos que proclamara, de forma sintética, nas conclusões. (...) Mas, independentemente do âmbito definido pelo recorrente no requerimento de interposição, é legítimo restringir o objecto do recurso nas alegações, ou, mais correctamente, nas respectivas conclusões, indicando qual a decisão (ou parte da decisã o) visa da pela impugnação. (...) A restrição pode ser tácita em resultado da falta de correspondência entre a motivação e as alegações, isto é, quando, apesar da maior amplitude decorrente do requerimento de interposição de recurso, o recorrente restrinja o seu âmbito através das questões que identifica nas conclusões. (...)”, cfr. artigo 635.º, n.º 4, do CPC (cfr. Abrantes Geraldes, “Recursos no novo Código de Processo Civil”, pp. 115 e 84-85).

No tocante à ampliação do objeto do recurso, o artigo 636.º, n.º 1 do CPC permite que, embora a decisão seja favorável à parte e a parte vencida interponha recurso, caso no Tribunal a quo não tenha acolhido todos ou alguns dos fundamentos da ação (de facto ou de direito) suscitados pela parte vencedora, essas questões serão reapreciadas pelo Tribunal ad quem a requerimento do Recorrido em alegações complementares, isto é, o Tribunal de recurso reapreciará os fundamentos do segmento da sentença recorrida em que a parte vencedora tenha decaído.

O ato processual de convocação da conferência no regime dos artigos 652.º, n.ºs 1, c) e 3 e 656º, do CPC, não é configurado como meio adjetivo próprio para alterar as conclusões de recurso, ressalvada a hipótese já mencionada de limitação do objeto (artigo 635.º, n.º 4 do CPC), nem para desistir do recurso (artigo 632.º, n.º 5 do CPC), posto que “(...) a desistência do recurso apenas é possível até à pro/ação da decisão, tornando-se agora inequívoca a solução que já anteriormente se defendia. Representa uma medida que que valoriza o papel do tribunal superior, evitando que o recorrente accione o mecanismo da desistência depois de ter sido confrontado com o resultado do recurso. Aliás, o momento que releva para o efeito nem sequer é o da notificação da decisão, mas antes o da sua prolação (...)” – cfr. Abrantes Geraldes, “Recursos no novo Código de Processo Civil”, pp. 71-72.

Neste sentido, junta aos autos a decisão singular de mérito sobre o objeto do recurso proferida pelo relator, nos termos do citado regime previsto nos artigos 652.º, n.ºs 1 c) e 3 e 656.º, do CPC, ocorre nessa data a preclusão de exercício do direito de desistência por parte do recorrente, segundo o artigo 632.º, n.º 5 do CPC.

A reclamação para a conferência constitui o meio adjetivo próprio ao dispor da parte que se sinta prejudicada pela decisão individual e sumária do relator sobre o objeto do recurso, podendo o recorrente/reclamante, nessa reclamação, restringir o objeto do recurso no uso do direito conferido pelo artigo 635.º, n.º 4 do CPC, mas não pode ampliar o seu objeto, faculdade limitada ao recorrido nos termos do artigo 636.º, n.º l do CPC, isto é, limitada à parte vencedora que tendo decaído em alguns dos fundamentos da ação, apesar disso, obteve vencimento no resultado final.

Como decidido nos Acórdãos da Relação do Porto e deste TCA supra citados, no regime do artigo 652.º, n.ºs 1, c) e 3 e 656.º, do CPC, a reclamação para a conferência da decisão sumária proferida apenas pelo relator faz retroagir o conhecimento em conferência do mérito da apelação ao momento anterior àquela decisão sumária, conhecimento limitado às questões especificadas pelo recorrente nas conclusões de recurso, sem prejuízo de o recorrente, ora reclamante, restringir na reclamação o objeto recursório anteriormente definido nos termos do artigo 635.º, n.º 4 do CPC.

A propósito do artigo 656.º do...

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