Acórdão nº 670/19 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução13 de Novembro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 670/2019

Processo n.º 260/2019

3ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam na 3ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Guimarães, em que é recorrente o Ministério Público e recorrido A., foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do despacho daquele Tribunal, de 29 de novembro de 2018.

2. O ora recorrido, na condição de executado nos autos de execução movidos pela B., S.A. (referida adiante pela sigla «B.»), de contrato de empréstimo de consolidação de dívida resultante de operações de crédito pessoal ao consumo, deduziu embargos de executado, inter alia contestando a força executiva do título.

Por sentença datada de 21 de março de 2018, o Tribunal de 1.ª instância julgou a oposição à execução totalmente improcedente e determinou o prosseguimento da instância de ação executiva.

O embargante recorreu de tal sentença para o Tribunal da Relação de Guimarães, que, através do acórdão ora recorrido, «negou força executiva ao título que a exequente deu à execução», recusando a aplicação do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 287/93, de 28 de agosto, na interpretação «segundo a qual se revestem de força executiva os documentos que, titulando acto ou contrato realizado pela B., S.A., prevejam a existência de uma obrigação de que essa entidade bancária seja credora e estejam assinados pelo devedor, sem necessidade de outras formalidades», com fundamento na violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º, n.º 1, da Constituição.

Pode ler-se na fundamentação de tal aresto:

«Assim sendo, é de concluir que nº 4 do artigo 9º do Dec-Lei 287/93, de 20 de agosto, é uma das disposições especiais previstas pela alínea d), do nº1 do artigo 703º, do CPC, que confere força executiva ao contrato de mútuo dado à execução. É o entendimento da jurisprudência das Relações: v.g. Ac. do TRP de 26 de janeiro de 2015, Ac. do TRL de 25 de junho de 2015; e acs do TRC de 16 de fevereiro de 2017, e de 17 de Abril de 2017, e a posição defendida por Lebre de Freitas, in Ação Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013, 6ª ed. pág. 80, e por Marco Carvalho Gonçalves, in Lições de Processo Civil Executivo, 2016, pág. 120.

Mas essa interpretação enferma de inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade ínsito no artigo 13º, nº1, da Constituição da República Portuguesa.

O artigo 2º do Dec-Lei DL nº 48 953, de 05.04.1969 definia a B. como “uma pessoa coletiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira, com património próprio, competindo-lhe o exercício dos funções de instituição de crédito do Estado e a administração das instituições a que se referem os artigos 4º e 6º”, incumbindo-lhe, “como instituto de crédito do Estado”, “colaborar na realização da política de crédito do Governo e, designadamente, no incentivo e mobilização da poupança paro o financiamento do desenvolvimento económico e social, na ação reguladora dos mercados monetário e financeiro e na distribuição seletiva do crédito (Art. 3º).

Em função desse estatuto e interesses públicos que visava prosseguir, tal como refere o citado acórdão do TC nº. 65/2009 não se mostrava “abusivo, arbitrário ou manifestamente desproporcionado, que, simultânea e diferentemente do que se passa relativamente às outras entidades bancárias, o tenho aliviado de certos encargos processuais com a cobrança dos créditos com que, pelo menos em parte, satisfazia essas necessidades públicas. De resto, a atribuição dessas prerrogativas processuais não deixa de constituir, precisamente, uma expressão de afirmação da subordinação constitucional do poder económico ao poder político, no medida em que elas representam uma contrapartida pelo prosseguimento por parte da B. dos interesses públicos que são predeterminadamente definidos pelo legislador, em concretização de valores que a Constituição de 1976 não deixou de igualmente assumir como direitos sociais ou como injunções constitucionais (cf., artºs 65º e 101º, da CRP, na versão atual).”

Com a transformação operada pelo Dec-Lei 287/93, a B. deixou de constituir uma pessoa coletiva de direito público e passou a reger-se pelas regras do direito privado, i.é., não subsistem desde então os fundamentos que justificavam a atribuição à B. de especiais e prerrogativas que as demais instituições de crédito não tinham, como a força executiva conferida aos documentos que, titulando ato ou contrato realizado pela B., prevejam a existência de uma obrigação de que a B. seja credora e estejam assinados pelo devedor, sem necessidade de outras formalidades.

E a força executiva desses atos ou contratos previstos no nº4, do artigo 9º do referido Decreto-Lei 287/93, dispensa o processo declarativo tendo em vista o reconhecimento do direito e permite desde logo medidas coercivas para cobrança dos créditos, v.g. a penhora de bens, ou seja, os devedores são colocados em condições manifestamente mais desfavoráveis relativamente aos devedores doutras instituições de crédito que tenham celebrado contratos da mesma natureza, sem que exista razão objetiva que justifique essa desigualdade de tratamento de situações substancialmente iguais.

Ademais, a revisão do elenco dos títulos executivos operada pelo regime introduzido pela Lei nº. 41 /2013, de 26 de junho, como refere no seu preâmbulo, é precisamente o de reduzir o risco de execuções injustas “risco esse potenciado pela circunstância de as últimas alterações legislativas terem permitido cada vez mais hipóteses de a execução se iniciar pela penhora de bens do executado, postergando-se o contraditório”.»

3. O Ministério Público interpôs recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional.

4. O recorrente produziu alegações, que concluiu do seguinte modo:

«V - Conclusões

51. O Ministério Público interpôs, em 21 de Dezembro de 2018, a fls. 127 e 128 dos autos supra-epigrafados, recurso obrigatório, para este Tribunal Constitucional, do teor do douto Acórdão de fls. 135 a 144, proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no âmbito do Processo n.º 2438/17.5T8GMR-A, “(…) ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 70.º, n.º 1, alínea a), e 72.º, nºs 1, alínea a), e 3 da Lei do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações introduzidas, além do mais, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (…)”.

52. Com a interposição deste recurso, pretende o Ministério Público que o Tribunal Constitucional proceda à apreciação da constitucionalidade da “(…) interpretação do normativo do n.º 4 do artigo 9º do DL nº. 287/93, de 20.08, segundo o qual se revestem de força executiva os documentos que, titulando ato ou contrato realizado pela B. S.A, prevejam a existência de uma obrigação de que essa entidade bancária seja credora e estejam assinados pelo devedor, sem necessidade de outras formalidades (…)”.

53. O parâmetro de constitucionalidade cuja violação é invocada é “o princípio da igualdade do artigo 13º, nº 1, da CRP (Constituição da República Portuguesa”.

54. Conforme tivemos ocasião de observar, a douta decisão impugnada constata a inconstitucionalidade material da interpretação normativa extraível do disposto no n.º 4, do artigo 9.º, do Decreto-Lei n.º 287/93, de 20 de agosto, resultante da violação do princípio da igualdade, da verificação do tratamento discriminatório dos devedores da B. , S.A., face aos devedores “doutras instituições de crédito que tenham celebrado contratos da mesma natureza” dos celebrados por aqueles.

55. Com efeito, conforme também já observáramos, os documentos que, titulando ato ou contrato realizado pela B., S.A., prevejam a existência de uma obrigação de que a B. seja credora e estejam assinados pelo devedor beneficiam, dispensando o processo declarativo, da força executiva que não é reconhecida a idênticos documentos que titulem ato ou contrato celebrado por qualquer outra instituição bancária.

56. Ora este tratamento legislativo discriminatório resulta, para além do mais, de um específico contexto histórico-jurídico, qual seja, o de a B. ter constituído até 1993, ou seja, até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 287/93, uma pessoa coletiva de direito público, o que justificava um tratamento legal especial no confronto com as instituições bancárias de direito privado, tendo passado, desde aquela data, a estar submetida, como estas, a um estatuto de direito privado.

57. Ora, a norma contida no n.º 4, do artigo 9.º, do Decreto-Lei n.º 287/93, de 20 de Agosto, que agora é contestada, parece configurar um resquício legal da anterior natureza jurídica da B., ao atribuir-lhe um privilégio que é negado às restantes instituições bancárias (e, bem assim, à generalidade das pessoas jurídicas) e que se manifesta numa mais intensa oneração dos devedores que com ela...

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