Acórdão nº 68/19.6TNLSB.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 03 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelLUÍS GOMINHO
Data da Resolução03 de Dezembro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na Secção Criminal (5.ª) da Relação de Lisboa: I - Relatório: I - 1.) Inconformada com a decisão aqui melhor constante de fls. 30 a 35, em que o Mm.º Juiz da Secção Única do Tribunal Marítimo de Lisboa, não aceitou o recurso de impugnação interposto pela Arguida “HR, Ld.ª” da decisão da Autoridade Marítima Nacional, Capitania do Porto de Cascais, que pela prática de uma contra-ordenação resultante da conjugação da al. a) do art. 9.º do Plano de Ordenamento da Orla Costeira Sintra-Sado, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 86/2003, de 25/06, com a al. d) do n.º 1, do art. 60.º da Lei n.º 58/2005, de 29/12, e da al. i) do n.º 2, do art. 3.º do DL n.º 96/A/2006, de 02/06, a condenou na coima de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), recorreu a mesma para a presente Relação, deixando exaradas, no remate da sua motivação, as seguintes conclusões: 1.ª - A interposição do recurso de impugnação da decisão que aplicou a coima integra-se ainda na fase administrativa do processo de contraordenação, pois o feito só é introduzido em juízo quando o MP apresenta os autos ao juiz.

  1. - Não sendo a impugnação da decisão administrativa um acto judicial, não lhe são aplicáveis subsidiariamente, nem o processo penal, nem o processo civil.

  2. - Nem, consequentemente, o disposto na Portaria n.º 642/2004 ou no Dec.Lei n.º 28/92.

  3. - A lei prevê expressamente a admissibilidade de apresentação de requerimentos a órgãos administrativos através do seu envio por correio electrónico simples, cfr. art. 104.º/d do CPA, norma aplicável ao caso vertente.

  4. - E por conseguinte o meio utilizado pelo mandatário da recorrente - envio do recurso de impugnação pelo seu e-mail da ordem dos advogados sem aposição da assinatura electrónica certificada - é legalmente admissível.

  5. - Ao decidir em contrário, não aceitando o recurso interposto, a douta sentença em crise fez errada interpretação da lei, maxime do art. 41.º do RGCO, e do disposto na Portaria n.º 642/2004 e do Dec. Lei n.º 28/92.

Nestes termos nos melhores de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a douta sentença recorrida e operando-se a sua substituição por decisão de admissão do recurso de impugnação.

I - 2.) Respondendo ao recurso interposto, a Digna Procuradora da República junto do tribunal a quo, teve a oportunidade de expor as razões pelas quais, no seu entendimento, o recurso deverá ser considerado improcedente e mantida a decisão proferida.

II - Subidos os autos a esta Relação, a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta teve vista do processo.

* Seguiram-se aqueles outros previstos no art. 418.º do Cód. Proc. Penal.

* Tendo lugar a conferência.

Cumpre apreciar e decidir: III - 1.) Conforme resulta das conclusões apresentadas, consensualmente tidas como definidoras do respectivo objecto, a questão essencial colocada no recurso interposto pelos “HR, Ld.ª” nos presentes autos, traduz-se em saber se o recurso de impugnação que apresentaram, remetido para a Capitania do Porto de Cascais, através de correio electrónico simples, sem aposição da assinatura certificada do seu Ilustre Mandatário, mostra-se legalmente admissível, e como tal, deve ser admitido.

III - 2.) Como temos por habitual, vamos conferir primeiro o teor da decisão de que se recorre, na parte que aqui releva: “Exame preliminar da impugnação.

(…) 1.

Extemporaneidade do recurso de impugnação apresentado por HR, Lda..

O art. 41.º, n.º 1, do RGCOC, epigrafado de «direito subsidiário», estabelece que, sempre que o contrário não resulte de tal compêndio normativo, «são aplicáveis, devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo criminal».

Partido do citado normativo é possível retirar a conclusão de que o Código de Processo Penal constitui direito adjectivo subsidiário relativamente ao processo das contra-ordenações, o que pressupõe o recurso às soluções normativas daquela codificação sempre que se constate a inexistência de solução própria nos quadros do regime específico da disciplina do ilícito de mera ordenação social.

É de notar, porém, que a importação das soluções da principal codificação processual penal não é directa, antes devendo passar - sempre que necessário - por um esquema de adaptação aos princípios e às soluções processuais próprias do Direito das Contra-ordenações, de forma a salvaguardar a harmonia do processo e a afastar divisões que podem atingir a aplicação coerente do direito.

Assim, e perante a constatação da necessidade de recorrer às soluções do direito subsidiário, impõe-se ao intérprete/aplicador o cuidado de avaliar previamente as soluções do processo penal e a sua articulação com as especificidades do processo das contra-ordenações, de forma a respeitar os valores acima referidos, em conformidade com o comando legal «devidamente adaptados», constante daquela norma.

Importa atentar ainda que o art. 41.º do RGCOC tem uma eficácia transversal, na medida em que se aplica a todas as fases do processo das contra-ordenações, independentemente do facto de os autos correrem termos perante a autoridade administrativa ou num tribunal. Com efeito, o processo das contra-ordenações não pode ser considerado como um procedimento administrativo especial para efeitos do disposto no art. 2.º, n.º 5, do CPA, pelo que está excluída a aplicação subsidiária, em primeira linha, deste Código à fase organicamente administrativa daqueloutro. Daí que, muito embora o procedimento das contra-ordenações integre, na sua fase pré-judicial, uma actuação materialmente administrativa, o certo é que esta forma de actuar obedece sempre a um procedimento próprio de natureza sancionatória, moldado a partir do processo penal, que é expressamente assumido como direito subsidiário[1].

* Fixado o principal regime adjectivo subsidiário aplicável processo contra-ordenacional, importa agora cuidar da tempestividade da impugnação deduzida nos autos, tendo por assente que esta foi remetida pelo Ilustre Defensor da Recorrente à Autoridade recorrida por correio electrónico simples (cf. fls. 214-240) e que aquele, não obstante ter sido convidado para tanto, não demonstrou a aposição da sua assinatura electrónica certificada na minuta recursiva, a qual não se deduz do facto de ter sido utilizado o e-mail fornecido pela Ordem dos Advogados.

Ora, o art. 59.º, n.º 3 do RGCOC, na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 244/95, de 14-09, prescreve que o recurso de impugnação da decisão da autoridade administrativa «(...) é feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido (...)». A contagem desta dilação é concretizada pelo art. 60.º do RGCOC, também na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 244/95, do seguinte modo: o prazo para a impugnação da decisão da autoridade administrativa suspende-se aos sábados, domingos e feriados (n.º 1), mas não durante as férias judiciais, dado que não tem natureza judicial[2]; o termo do prazo que caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso transfere-se para o primeiro dia útil normal (n.º 2).

Sucede, porém, que o regime geral das contra-ordenações e coimas é omisso a respeito da forma de entrega ou remessa do recurso de impugnação judicial à autoridade administrativa por parte do arguido, pelo que importa recorrer às normas processuais penais, em obediência ao sobredito art. 41.º, n.º 1, do RGCOC.

Ora, não existe no Código de Processo Penal norma específica que regule a remessa a juízo de todas as peças processuais nele previstas. Com efeito, o Título IV - Da comunicação dos actos e da convocação para eles - do Livro II - Dos actos processuais -, do Código de Processo Penal, integrado pelos arts. 111.º a 117.º, rege apenas sobre a comunicação dos actos e da convocação para eles, nada estabelecendo relativamente a remessa a juízo de peças processuais.

Ademais, a Portaria n.º 280/2013, de 26-08[3], que veio regulamentar a tramitação electrónica dos processos nos tribunais judiciais e, designadamente, a apresentação de peças processuais e documentos por transmissão electrónica de dados, não se aplica a todas as fases do processo penal ou do processo contra-ordenacional.

Com efeito, e no que diz respeito à tramitação electrónica dos processos penais, o regime previsto na Portaria n.º 280/2013 apenas é aplicável a partir da recepção dos autos em tribunal a que se referem o n.º 1 do art. 311.º e os arts. 386.º, 391.º-C e 396.º do CPP (art. 1.º, n.º 2, da Portaria n.º 280/2013). Por seu turno, o processamento electrónico nos tribunais judiciais das impugnações judiciais das decisões e das demais medidas das autoridades administrativas tomadas em processo de contra-ordenação, somente está sujeito à disciplina da Portaria n.º 280/2013 a partir do momento em que os autos são presentes ao juiz» (art. 1.º, n.º 3, da Portaria n.º 280/2013).

Tal significa que, quer no processo penal, quer no processo contra-ordenacional, queda sem regulação a apresentação de peças processuais realizada a montante das ocasiões acima delimitadas ou sem que nela intervenha qualquer Defensor.

Donde, e tendo em conta o disposto no art. 4.º do CPP, «[n]os casos omissos, quando as disposições deste Código não puderem aplicar-se por analogia, observam-se as normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal e, na falta delas, aplicam-se os princípios gerais do processo penal.» São, pois, aplicáveis ao processo penal e, consequentemente, ao processo contra- ordenacional, as...

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