Acórdão nº 362/17.0T9VVD.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelJORGE BISPO
Data da Resolução11 de Novembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I.

RELATÓRIO 1.

No processo de instrução com o NUIPC 362/17.0T9VVD, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, no Juízo de Instrução Criminal de Braga - Juiz 1, foi proferido despacho, em 22-05-2019, a indeferir o pedido de constituição de assistente formulado por A. S., por não ter a qualidade de ofendido nos autos, e, em consequência, a não admitir o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo mesmo, por não ser assistente.

  1. Nesse seguimento, apresentou-se a recorrer de tal despacho a sociedade comercial “X Tuning, Lda.”, na qualidade de ofendida nos autos, concluindo a respetiva motivação nos termos que a seguir se transcrevem:[1] «CONCLUSÕES I. Cumpre, antes de tudo, aclarar que a aqui Recorrente, através do seu sócio gerente e legal representante, A. S., apresentou requerimento de constituição de assistente, bem como requerimento de abertura de instrução por não se conformar com as razões que levaram à prolação do despacho de arquivamento nos presentes autos, II. Pois, salvo o devido respeito, a factualidade constante dos mesmos e a prova carreada impunham decisão diversa.

    III.

    Sucede, porém, que, veio, aqui e agora, a Meritíssima Juiz, indeferir o pedido de constituição de assistente formulado por A. S. e, consequentemente, rejeitar tal requerimento de abertura de instrução, IV. Porquanto a ofendida, conforme resulta da queixa, é uma entidade comercial, X Tuning, de cujas quantias o Arguido se terá apropriado.

    V.

    No entanto, não pode, nem deve a aqui Recorrente aceitar tal decisão, por desprovida de qualquer fundamento factual ou legal.

    VI. Isto porque, tal como consta, aliás, de modo expresso e claro, do despacho de arquivamento do Ministério Público: “Os presentes autos tiveram origem na denúncia apresentada por A. S. – na qualidade de sócio-gerente e legal representante da sociedade comercial X Tuning, Lda.

    ” (sublinhado nosso) VII. O que, além do mais e a todos os títulos, revela que o requerimento de constituição de assistente e de abertura de instrução foi apresentado por aquele, na supra referida qualidade, VIII. Sendo, até salientado, no artigo 8.º da al. A) do mesmo que o Arguido, J. C., teve intenção de enganar o sócio gerente e legal representante da sociedade “X Tuning, Lda.”.

    IX. Tudo isto a significar, desde logo, que a interpretação adotada no Despacho de indeferimento do pedido de constituição de Assistente peca por, inexplicável e insustentável, purismo de caráter linear e levando à letra o que foi escrito, sem tomar, porém, em consideração todo o circunstancialismo existente e provado.

    X. Nessa conformidade, não se pode, nem se deve, interpretar cada Lei, quer qualquer facto, do modo como consta no Despacho recorrido.

    XI. Na verdade e como ensina o Prof. Castanheira Neves, quem tem de proferir um Despacho em processo-crime (ou em qualquer outro) tem de realizar uma interpretação no sentido judicativo decisório XII. Ou seja, não se prendendo a uma literalidade sem espírito, sendo, assim, possível realizar-se Justiça material e não, tão só, uma Justiça formal baseada numa errónea interpretação à letra, XIII. Em suma, a Lei tem de ser considerada sempre como fazendo parte integrante de um sistema jurídico, tal como o requerimento de constituição de assistente e de abertura de instrução apresentados e o Despacho, que sobre eles recaiu, XIV. Isto é, tem de ser considerado dentro de todo o sistema de um processo, tal como o presente, e não de forma desgarrada que sucedeu no caso sub judice, com manifesto prejuízo da Sociedade queixosa.

    XV. Tudo isto a revelar à saciedade que, só por mero lapso material, lapso esse que desde já a aqui Recorrente se penitencia, XVI. E, por sua vez, foque-se, perfeitamente corrigível, se para tal a Juiz de Instrução tivesse ordenado a devida notificação, XVII. É que a mesma terá apresentado ambos os requerimentos na pessoa do seu legal representante, A. S.

    .

    XVIII. E lapso esse que resulta claro de todo o conteúdo do requerimento efetuado e de todo o processo na sua globalidade, XIX. No qual A. S.

    sempre agiu na qualidade de sócio-gerente e legal representante da Recorrente, XX. Como se torna evidente, ou seja, como é facto notório que nem sequer carece de alegação ou de prova.

    XXI. Tudo isto a revelar e a fazer chegar à inelutável conclusão de que nem sequer, verdadeiramente, se pode dizer que houve um erro material no requerimento, podendo apenas afirmar-se que houve uma menor explicitação, que se julgou até desnecessária face a tudo o que já constava dos presentes autos.

    XXII. Para além de tudo isso e de forma conclusiva, cumpre alegar que o indeferimento constante do Despacho recorrido, quanto à constituição de assistente, importa graves consequências para a sociedade Recorrente, pois, também foi, no mesmo despacho, indeferido o seu pedido de abertura de instrução.

    XXIII. Graves consequências essas que são mais que notórias na medida em que, para além de se encontrar em juízo a prática, pelo Arguido, J. C., de um crime de burla e de um crime de abuso de confiança, p. e. p pelos artigos 217.º, n.º1, e 205.º, n.º1, ambos do Código Penal, XXIV. Ao ser indeferido o requerimento de abertura de instrução apresentado pela Recorrente, fica a mesma coartada no seu legítimo acesso à Justiça e aos Tribunais, XXV. Direito e garantia essencial esses, constitucionalmente consagrados nos termos do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.

    XXVI. Ora, como bem se sabe, as garantias fundamentais encontram-se no campo da proteção dos direitos dos cidadãos e do proporcionar dos meios adequados a essa proteção.

    XXVII.

    E foi nessa conformidade e tendo em consideração tudo o supra exposto, que urgiu, na aqui Recorrente, forte necessidade de promover a abertura de Instrução, XXVIII. Abertura de instrução essa que, por sua vez, não foi admitida, pelo facto do requerimento de constituição de assistente ter sido apresentado pelo Sr.

    1. S.

      , alegadamente, a título pessoal, XXIX.

      E com a qual a mesma não se conforma, porquanto, antes de proferida tal abrupta decisão, deveria a Julgadora da 1.ª Instância ter dado oportunidade à aqui Recorrente de proceder à correção formal, XXX.

      Ou seja, de proceder à elaboração do requerimento de constituição de assistente, constando, clara e evidentemente, a intervenção do Sr.

    2. S.

      não como sendo a título pessoal, mas, ao invés, assumindo a qualidade de sócio-gerente e legal representante da mesma e que não se vislumbrou no caso sub judice.

      XXXI.

      E diz-se que deveria a Julgadora da 1.ª Instância ter dado oportunidade à aqui Recorrente de proceder à correção formal, uma vez que a decisão recorrida vedou e limitou o acesso da mesma à Justiça, impedindo-a de fazer valer os seus direitos, XXXII.

      E na sequência de tudo isso, não há qualquer motivo para o indeferimento do requerimento de constituição de assistente e, consequente, rejeição da abertura de instrução apresentados pela aqui Recorrente, XXXIII. Como V/Exas., com toda a certeza, julgarão, revogando o Despacho recorrido, e, consequentemente, deferindo o requerimento de constituição de assistente e admitindo o requerimento de abertura de instrução apresentados pela mesma.

      Termos em que e nos melhores de Direito deverão V/Exas., Venerandos Desembargadores, proferir decisão que nessa conformidade: a) Julgue o presente recurso procedente e revogue o Despacho recorrido, deferindo o requerimento de constituição de assistente apresentado, e, nessa conformidade, dar como admitido o requerimento de abertura de instrução deduzidos, com o que farão inteira Justiça.» 3.

      O Exmo. Procurador da República junto da primeira instância, em bem fundamentada resposta, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, pelas razões que sintetizou na conclusões que a seguir se transcrevem: «Concluindo diremos que: A) O presente recurso não devia ter sido admitido, uma vez que a recorrente “X Tuning” não foi afetada pela decisão recorrida; B) E também porque o ilustre advogado subscritor do recurso não tem procuração da recorrente; Ainda assim, e por mera cautela, C) A correção de erros de cálculo ou de escrita ou o suprimento ou a correção de vícios ou omissões puramente formais de atos praticados pelos sujeitos processuais, em processo penal, afigura-se possível, por aplicação do disposto no art. 146.º do CPC, ex vi art. 4.º do CPP; D) Sucede que, no caso, não estamos perante um erro material ou mero lapso de escrita, pois não houve qualquer errada representação da realidade, nem qualquer divergência entre a declaração e a vontade, na elaboração do requerimento de fls. 251; E) Nem perante um vício puramente formal, uma vez que o ato teve consequências processuais imediatas; F) Mas sim perante um erro técnico, derivado de uma errada aplicação de conceitos técnicos ao caso dos autos, por parte do ilustre mandatário; G) Esse erro técnico vem já desde a data em que foi lavrada a procuração de fls. 38 (02MAR2018) e resulta da falta de consciência do ilustre mandatário sobre a distinção entre a pessoa coletiva queixosa e a pessoa singular seu gerente, incluindo os reflexos processuais dessa distinção; H) O erro técnico está fora das hipóteses em que é permitida a correção de peças processuais; I) Não se trata de um mero purismo de interpretação, mas antes da correta aplicação da lei; J) Quando a lei é corretamente aplicada, não fica coartado o direito de acesso à justiça de ninguém; K) Por conseguinte, a decisão recorrida não merece qualquer censura.» 4.

      Também o arguido respondeu ao recurso, terminando a respetiva contra motivação nos seguintes...

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