Acórdão nº 927/02.5BTLRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 14 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelANA PINHOL
Data da Resolução14 de Novembro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACÓRDÃO I.

RELATÓRIO A FAZENDA PÚBLICA recorre da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial que a sociedade «E.........., LDA» deduziu contra os actos de liquidação de IRC dos exercícios de 1995 e 1996, na parte que lhe foi desfavorável.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: « I.

Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou a presente impugnação PARCIALMENTE PROCEDENTE, anulando as liquidações de IRC dos exercícios de 1995 e 1996, na parte respeitante às correções referentes às faturas emitidas pelos subempreiteiros, custos suportados por documentos internos e custos com as aulas de condução, absolvendo-se a Fazenda Pública quanto ao restante pedido. Entende a Fazenda Pública que a douta sentença, na subsunção dos factos dados como provados ao direito, promoveu uma errónea aplicação do direito a estes mesmos factos.

II.

No que toca à não dedutibilidade dos custos ínsitos em faturas emitidas por alguns subempreiteiros por não respeitarem o disposto no art.º 35º do CIVA e à não dedutibilidade de custos suportados por documentos internos por não serem contabilisticamente válidos, não se pode olvidar que dos art.ºs 23º e 42º, n.º 1 al. g) do CIRC, na versão em vigor à data dos factos tributários em causa nos autos, estabelecem dois requisitos para que os custos ou perdas das empresas sejam dedutíveis do ponto de vista fiscal: que sejam comprovados com documentos emitidos nos termos legais e que sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou manutenção da fonte produtora.

III.

No que concerne ao IVA, resulta da configuração deste tributo que a sua sistemática impõe a obrigação de emissão de um documento que acompanhe a transação, em regra a fatura ou documento equivalente conforme se extraía, à data dos factos, da alínea b) do nº 1 do art. 28º do CIVA, documentos estes que deveriam conter os requisitos e elementos previstos no nº 5 do art.º 35.º do CIVA. Apesar destes requisitos formais estarem expressamente previstos para o IVA eles devem ainda se referir ao conjunto das relações tributárias por corresponderem às boas práticas contabilísticas, acrescendo que estes requisitos das faturas são os que permitem à escrita da empresa desempenhar todas as funções como instrumento de registo e de informação verificável que é chamada a desempenhar.

IV.

Com efeito, em termos de IRC, não estando cumpridos os requisitos impostos pelo CIVA para efeitos de documentação contabilística dos custos incorridos pela Impugnante, impunha-se a esta um esforço probatório em sede judicial no sentido de comprovar que os gastos, embora indevidamente documentados, foram efetivos e indispensáveis para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora. E dos factos dados como provados na sentença não resulta que os gastos titulados pelos documentos rejeitados pela Administração Fiscal tenham onerado a atividade da Impugnante, ora recorrida. Ou seja, não resultou da actividade probatória qualquer materialidade factual que confirme o teor dos documentos contantes da contabilidade da Impugnante.

V.

Estas considerações também têm aplicação relativamente aos custos com as aulas de condução na medida em que a Administração Fiscal entendeu não serem de aceitar por não se verificar que tais encargos estejam relacionados com a actividade exercida pela Impugnante. Nesta parte, o Tribunal a quo bastou-se com a mera alegação da Impugnante de que as lições de condução pagas aos motoristas fundamentavam-se na inexistência de pessoal habilitado a conduzir uma viatura pesada de passageiros. Mas não consta da matéria de facto dada como provada que tais despesas se tenham destinado a funcionários da Impugnante e que inexistiam no seu quadro funcionários habilitados a conduzir viaturas pesadas de passageiros, ou seja, não foi feita prova da indispensabilidade do gasto.

VI.

A problemática do ónus da prova da indispensabilidade do custo já nada tem a ver com a presunção de veracidade da escrita corretamente organizada (cfr.artº.75, nº.1, da L.G.T.) pois aqui já não está em causa a veracidade (existência e montante) da despesa contabilizada mas a sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, no caso, da sua qualificação como custo dedutível, em sede do citado artº.23, do C.I.R.C.

VII.

Com efeito, a matéria de facto dada como provada é insuficiente para autorizar as conclusões extraídas pelo Tribunal a quo no que toca à indispensabilidade do custo, sendo que o ónus da prova nesta parte cabe ao contribuinte. O Tribunal a quo, bastando-se com a mera alegação de indispensabilidade do referido custo por parte da Impugnante, decidiu mal nesta parte, em clara violação à regra da repartição do ónus da prova ínsita no n.º 1 do art.º 342º do Código Civil, segundo a qual àquele que invoca um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do seu direito, e in casu, cabe ao Impugnante fazer a prova do requisito da indispensabilidade do custo, provando assim o seu direito de deduzir determinado custo em sede de determinação da matéria tributável em IRC.

VIII.

Ponderados estes argumentos, entendemos que mal esteve o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, na medida em que considerou ilegais as correções promovidas pela Administração Fiscal relativamente às faturas emitidas pelos subempreiteiros, custos suportados por documentos internos e custos com aulas de condução, incorrendo assim em erro de julgamento de direito e violando o disposto nos artigos art.ºs 23º e 42º, n.º 1 al. g) do CIRC, bem como o disposto no n.º1 do art.º 342º do Código Civil, motivo pelo qual deve a sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada, e daqui resultar a improcedência total da impugnação apresentada com a consequente manutenção das correções promovidas pela Administração Fiscal na ordem jurídica.

TERMOS EM QUE, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO RECURSO, DEVE A DECISÃO SER REVOGADA E SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE DECLARE A IMPROCEDÊNCIA TOTAL DA IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.

PORÉM, V. EX.AS, DECIDINDO, FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA!».

** Não foram apresentadas contra-alegações.

** Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo, foi dada vista ao MINISTÉRIO PÚBLICO e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso.

** Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

** II.

DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Neste quadro as questões colocadas no presente recurso são as de saber se a sentença recorrida incorre em erro de julgamento ao considerar que: - a exigência de documento comprovativo e justificativo dos custos para feitos do artigo 23.º do CIRC não tem de assumir as formalidades essenciais exigidas para as facturas em sede de IVA; - a correcção que respeita à desconsideração como custo fiscal suportados por documentos internos não pode manter-se em face da fundamentação que a suportou; - a Impugnante logrou provar que a despesa suportada com a aquisição de lições de condução se inseria no interesse societário e, que por isso, constituía verdadeiro custo fiscal.

** III.

FUNDAMENTAÇÃO A. DOS FACTOS Na sentença recorrida o julgamento da matéria de facto foi efectuado nos seguintes termos: «A)A Impugnante era uma sociedade por quotas que exercia como actividade principal “Fabrico e Montagem de tectos falsos”, inscrita com o CAE 45420, estando enquadrada em sede de IVA no regime normal com periocidade mensal e...

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