Acórdão nº 02008/18.0BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 23 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução23 de Outubro de 2019
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso para uniformização de jurisprudência da decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa - CAAD no processo n.º 582/2017-T 1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade acima identificada veio, ao abrigo do disposto no art. 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), tendo apresentado alegações, com conclusões do seguinte teor: «I. Vem o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência interposto da decisão arbitral preterida no Processo n.º 582/2017-T CAAD, que correu termos no Tribunal Arbitral, constituído no âmbito do Centro de Arbitragem Administrativa CAAD que julgou improcedente o pedido de pronúncia arbitral, na parte que aqui nos interessa, nos segmentos respeitantes aos juros de mora, no montante global de € 3.850.037.52. com fundamento na alegada violação do princípio da especialização dos exercícios.

  1. Com efeito, o Acórdão arbitral recorrido colide frontalmente com Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo (Acórdão Fundamento), proferido no âmbito do processo n.º 0716/13, datado de 14 de Março de 2018, já transitado em julgado e que aplica o princípio em causa (princípio da especialização dos exercícios) de forma completamente diversa da decisão recorrida III. Para a questão em apreço, a Decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto: ü No exercício de 2012, a Requerente emitiu notas de débito de juros de mora por atraso no pagamento de facturas em relação a diversos clientes, no montante total de € 3.850.087,52; ü Esses débitos não foram declarados como rendimento tributável referente a esse período, tendo sido incluídos na conta 2829 como constituindo proveitos diferidos; ü A Requerente emite notas de débito como forma de pressão relativamente aos clientes incumpridores e em diversas situações anula os débitos quando em negociações posteriores acorda com os clientes a efectiva cobrança das facturas; ü Em 2012 a Requerente contabilizou como rendimentos tributáveis juros que haviam sido debitados em 2011 e que apenas foram cobrados no decurso daquele ano; ü A Administração Tributário não questionou em relação aos exercícios anteriores a 2012 o procedimento utilizado pelo sujeito passivo de não considerar como rendimentos do exercício os juros de mora facturados, deixando a inclusão no rendimento tributável para o momento ulterior em que o valor dos juros debitados é efectivamente recebido.

  2. Na fundamentação, a decisão proferida refere como fundamento para a liquidação o teor do artigo 18.º do CIRC, que estipula o princípio da especialização do exercício, referindo que “Como antes se anotou, o princípio da periodização dos rendimentos, em IRC pode ser flexibilizado em certas circunstâncias por razões de justiça material. Mas não é essa a situação do caso. Se o sujeito passivo entende que deverá prescindir da cobrança dos juros de mora debitados a certos clientes, os montantes correspondentes poderão ser levados a custos no ano económico em que perdeu a vantagem patrimoniais. Não há aí um qualquer agravamento fiscal ou a desconsideração de proveitos de que o contribuinte deixou de beneficiar. O que sucede é que os rendimentos e os custos são imputados aos anos económicos em que contabilisticamente foram obtidos ou suportados”.

  3. Ou seja, a decisão recorrida afasta claramente a aplicação da jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal Administrativo relativamente à interpretação do aludido princípio da especialização do exercício, por entender que, na situação em apreço, o sujeito passivo poderá levar os custos a anulação desse débito de juros, no ano económico em que perdeu a vantagem patrimonial VI. O que contudo não corresponde à verdade.

  4. Com efeito, a decisão recorrida esquece-se que está a tratar do exercício de 2012 e a maioria dos juros facturados a clientes nesse exercício ou se encontram pagos ou já foram anulados há muito, estando aqui Recorrente impedida de proceder a essas correcções.

  5. Ora, a Jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo vai em sentido completamente oposto ao sustentado na decisão recorrida.

  6. Com efeito, desde logo o sumário do Acórdão revela que o entendimento deste Supremo Tribunal é outro, porquanto do mesmo consta, a este respeito que: “III- O princípio da especialização dos exercícios visa tributar a riqueza gerada em cada exercício a daí que os respectivos proveitos e custos sejam contabilizados à medida que sejam obtidos e suportados, o não à medida que o respectivo recebimento ou pagamento ocorram.

    IV- Contudo esse princípio deve tendencialmente conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, com conformação constitucional e legal (artigos 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT) por forma a permitir a imputação a um exercício de custos referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios”.

  7. Ora, considerando a matéria dada como provado nos autos, não restaria outra conclusão senão a de considerar que a aplicação “cega” do princípio da especialização dos exercícios conduziria a um resultado absolutamente injusto e impõe ao sujeito passivo uma situação claramente violadora do princípio da justiça tributária pois só assim se conformaria com a Jurisprudência e Doutrina do Acórdão Fundamento.

  8. Desde logo, está provado nos autos que a AT não procedeu à “correcção simétrica” referida no acórdão Fundamento e que a aqui Recorrente sempre contabilizou o débito de juros de mora registando as facturas emitidas dos juros debitados no respectivo exercício na conta 2829 como constituindo proveitos diferidos, por entender o débito de juros de mora “como forma de pressão relativamente aos clientes incumpridores e em diversas situações anula os débitos quando em negociações posteriores acorda com os clientes a efectiva cobrança das facturas”.

  9. Ou seja, a decisão recorrida confirma que, atenta a praxis e o histórico da cobrança de juros de mora a clientes, a expectativa de cobrança efectiva desses juros pela Recorrente era muito reduzida.

  10. A NCRF n.º 20 - RÉDITO estabelece no seu parágrafo 28 que “O rédito proveniente do uso por outros de activos da entidade que produzam juros, royalties e dividendos deve ser reconhecido nas bases estabelecidas do parágrafo 30, quando: a) seja provável que os benefícios económicos associados com a transacção fluam para a entidade; e b) a quantia do rédito possa ser fiavelmente mensurada.” XIV. Sendo que, de resto, esta norma está em perfeita coerência com a definição de activo adoptada na ESTRUTURA CONCEPTUAL DO SNC que no seu parágrafo 87 diz que “Um activo é reconhecido no balanço quando for provável que os benefícios económicos futuros fluam para a entidade e o custo tenha um custo ou um valor que possa ser mensurado com fiabilidade”.

  11. Quer dizer que a normalização contabilística teve o cuidado de estabelecer que tanto o reconhecimento do rédito na conta de resultados, como o reconhecimento do correlativo activo (no caso o eventual crédito sobre o devedor) no balanço só devem ocorrer se e quando for provável que ocorram benefícios económicos para a entidade (caso, quando for provável que o saldo de juros do devedor venha a ser recebido).

  12. Ora, sendo o débito dos juros efectuado com o mero propósito, nesse momento, de pressão com visto ao recebimento da dívida inicial (como esta provado na decisão recorrida), certo é que o pressuposto de probabilidade de recebimento dos juros não existe.

  13. Acresce referir que quanto a esta matéria o Código do IRC não contém normas que diferenciem a quantificação do lucro tributável da quantificação do lucro contabilístico, sendo que assim os apuramentos contabilísticos são relevantes para efeitos de IRC, segundo o que dispõe o artigo 17.º do CIRC.

  14. Nunca antes nos exercícios anteriores (desde 2004 a 2011) e não mais nos exercícios seguintes (de 2012 até 2016), a Administração Tributária questionou ou não aceitou a prática seguida pelo sujeito passivo, (só) no exercício do 2012 a AT resolveu corrigir apenas as situações que consubstanciavam um benefício (ilegítimo) para a Administração Tributária.

  15. Além disso, a Administração Tributária não alegou nem provou que a prática do sujeito passivo servisse para manipular resultados entre exercícios, referida no Acórdão Fundamento.

  16. Bem pelo contrário, ficou demonstrado que é uma prática objectiva e reiterada do sujeito passivo, nunca questionada pela Administração Tributária.

  17. A liquidação adicional promovida pela Administração Tributária não corrigiu os movimentos contabilísticos contrários aos seus interesses e que decorriam da sua interpretação cega do princípio da especialização do exercício designadamente não corrigiu: ü Todas as demais facturas referentes a juros de mora respeitantes a exercícios anteriores (também contabilizados nos respectivos exercícios como proveitos diferidos); ü Não anulou os rendimentos declarados pelo sujeito passivo referentes a juros efectivamente recebidos no exercício de 2012 referentes a juros de mora facturados em exercícios anteriores; ü Não anulou os rendimentos declarados pelo sujeito passivo referentes a juros efectivamente recebidos nos exercícios seguintes, designadamente em 2013 referentes a juros de mora facturados no exercício de 2012; XXII. Vale isto por dizer que, a confirmar-se a decisão recorrida, o sujeito passivo passará a pagar em duplicado os juros de mora exercício de 2012, sendo certo que parte desse valor jamais poderá ser recuperada ....

  18. A injustiça assim gerada é tão gritante que a decisão recorrida viu-se na contingência de limitar os efeitos da decisão proferida, decidindo que “a improcedência do pedido de pronúncia arbitral quanto a essa liquidação...

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