Acórdão nº 622/19 de Tribunal Constitucional (Port, 23 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução23 de Outubro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 622/2019

Processo n.º 915/2018

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. “A., Lda.” requereu, junto do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) a constituição de tribunal arbitral, tendo em vista declaração de ilegalidade de despachos de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente e, consequentemente, declaração de ilegalidade anulação de atos tributários de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), no valor global de €9.514,06.

1.1. Foi constituído tribunal arbitral singular. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta e, a final, foi proferida decisão, datada de 26/09/2018 – trata-se da decisão recorrida –, no sentido da procedência do pedido de pronúncia arbitral, decretando-se a pretendida anulação das liquidações. Da respetiva fundamentação consta, designadamente, o seguinte:

“[…]

10. A primeira questão solucionar é a de saber se, de acordo com o alegado pela Requerente, os atos tributários de liquidação objeto do presente processo são ilegais por desconsideração da isenção fiscal prevista no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro.

Para solucionar a questão é necessário averiguar se tal disposição se encontra em vigor e se, em caso afirmativo, é aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional, criados pelo artigo 1.º, c da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro.

Como se considerou na decisão arbitral proferida no processo 544/2016-T cujo entendimento se acompanha:

«(…) dúvidas não subjazem de que a isenção de Sisa prevista o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, e que passou a reportar-se ao IMT, nos termos dos artigos 28.º e 31.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, que aprovou o CIMT, se mantém, ainda, em vigor, pelo que, estão isentas de IMT as aquisições de bens imóveis efetuadas para um fundo de investimento imobiliário pela sua respetiva sociedade gestora, ou seja, levadas a cabo com o intuito de as mesmas passarem a integrar o próprio fundo

Conclui-se, pelos razões mencionado neste aresto, para que se remete, que a isenção em causa se encontra em vigor.

Cabe agora averiguar se a mesma é aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional.

A resposta a esta questão não pode deixar de ser negativa.

Como escreve Paulo Câmara:

«O regime consagrado prevê que os FIIAH e as SIIAH constituídos entre 1 de janeiro de 2009 e 31 de dezembro de 2013, bem como os imóveis por aqueles adquiridos durante este período, possam beneficiar de um regime especial em sede fiscal.

(…)

De forma a incentivar a constituição de FIIAH, foi criado um regime fiscal mais favorável, assente numa ampla série de benefício fiscais. Este regime fiscal vigorará até 31 de dezembro de 2020, data a partir da qual é aplicável o regime geral dos fundos de investimento imobiliário.»

Na verdade, como se estabelece no artigo 102.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro:

«É aprovado o regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH) e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH), que faz parte integrante da presente lei, e que consta dos artigos seguintes».

Por outro lado, consta do artigo 8.º do regime fiscal especial destes de fundos, na sua redação originária, o seguinte:

(…)

Assim, no caso de as aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos as mesmas estão isentas desde que “destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente”, o que constitui norma especial relativamente à isenção. prevista no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, de 3 de janeiro, que é, assim, inaplicável ao caso que nos ocupa, improcedendo, pois, a argumentação da Requerente.

11. Apreciemos então a questão da constitucionalidade da Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro, no que se refere ao regime transitório consagrado no seu artigo 236.º, n.º 2.

A Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, aprovou o regime especial aplicável aos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional.

No seu artigo 8.º estabeleceu-se o regime tributário aplicável aos fundos de investimento imobiliário. No que se refere ao Imposto Municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis, foi estabelecido no n.º 7 do mencionado artigo 8.º, o seguinte:

«7 – Ficam isentos do IMT:

a) As aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1;

b) As aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra a que se refere o n.º 3 do artigo 5.º pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1.»

Por sua vez, a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, aditou ao referido artigo 8.º os números 14.º a 16.º com a seguinte redação:

«14 – Para efeitos do disposto nos n.os 6 a 8, considera-se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo, devendo o sujeito passivo comunicar e fazer prova junto da AT do respetivo arrendamento efetivo, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo.

15 – Quando os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos n.os 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto.

16 – Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos no artigo 5.º, ou caso o FIIAH seja objeto de liquidação, antes de decorrido o prazo previsto no n.º 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do número anterior.»

A Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, veio, ainda, consagrar no seu artigo 236.º o seguinte regime transitório:

«1 – O disposto nos n.os 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH a partir de 1 de janeiro de 2014.

2 – Sem prejuízo do previsto no número anterior, o disposto nos n.os 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando -se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014.»

12. Face a este quadro legislativo a questão jurídica que cumpre solucionar é a de saber se, à luz do n.º 2 do artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, e dos n.os 14.º, 15.º e 16.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, na redação conferida por aquele diploma, a aquisição do imóvel em causa, ocorrida antes de 1 de janeiro de 2014, pode ser tributada por o imóvel ter sido vendido antes de decorrido o prazo de três anos contados a partir de 1 de janeiro de 2014 e, por outro lado, em caso afirmativo, se tal solução legal é conforme com o artigo 103.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, que determina que “ninguém pode ser obrigado a pagar impostos (…) que tenham natureza retroativa (…)”.

13. É indubitável que, face às normas ordinárias transcritas, um Fundo de investimento imobiliário para arrendamento habitacional que, a partir de 01.01.2014, venda um imóvel adquirido em ano anterior, que tenha beneficiado de isenção por o imóvel ter como destino o arrendamento para habitação permanente e que o venda antes de decorridos 3 anos após 01.01.2014, fica sujeito a imposto por força da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro.

No nosso entendimento, no caso sub judice, o facto tributário em causa (a aquisição da propriedade por parte do Requerente) verificou-se inteiramente ao abrigo da lei antiga.

É também indubitável que o facto tributário em causa é sujeito a tributação face à Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, mas não o era face à Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, na sua redação originária.

14. Na doutrina, diz-nos Ana Paula Dourado que “nos casos dos impostos de obrigação única (por exemplo, a compra e venda de um imóvel, sujeito a IMT) a proibição da retroatividade implica o respeito pelos factos tributários passados, ou seja, a não aplicação da lei nova a esses factos, pois a obrigação tributária nasceu e está concluída”.

Pode também ler-se no acórdão n.º 617/2012, de 19 de dezembro de 2012, processo n.º 150/12, do Tribunal Constitucional:

«Com efeito, o facto gerador da obrigação fiscal (…) ocorre indubitavelmente antes da publicação da lei nova, não sendo possível entender que se está perante um facto jurídico-fiscal complexo de formação sucessiva.

A aplicação da nova lei a este facto ocorrido anteriormente à sua aprovação envolve, pois, uma retroatividade autêntica.

O que releva, face aos princípios constitucionais enunciados, não é o momento de liquidação de um imposto, mas sim o momento em que ocorre o ato que determina o pagamento desse imposto....

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