Acórdão nº 0296/13.8BEMDL 01073/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelANA PAULA PORTELA
Data da Resolução10 de Outubro de 2019
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo I-RELATÓRIO 1. SUMA DOURO – SERVIÇOS URBANOS E MEIO AMBIENTE LDA. vem, ao abrigo do art.150º do CPTA, interpor recurso jurisdicional de revista do acórdão de 28 de abril de 2017 do TCAN que negou provimento ao recurso jurisdicional por si interposto do acórdão do TAF de Mirandela de 14/10/2016 [que julgou a ação proposta contra o Instituto da Segurança Social, improcedente, condenando a A. ao pagamento das custas].

  1. A Recorrente conclui as alegações da seguinte forma: “a) Quanto ao pedido de admissibilidade do recurso de revista excepcional: 1.º No caso em apreço ocorre uma questão que tem relevância jurídica podendo verificar em plúrimos casos futuros, ultrapassando assim o mero caso concreto, revelando contornos indiciadores de que a solução pode ser um paradigma ou orientação para se apreciarem outros casos, sendo por isso necessária para uma melhor aplicação do direito.

    1. Na verdade no caso em apreço, trata-se de saber se o TCA enquanto Tribunal de recurso, ao exercer o seu poder-dever de reapreciação da matéria de facto, que lhe foi solicitada em sede de Apelação interposta pelo aqui recorrente, se conformou ou não com a lei processual que regula tal matéria, isto é, se utilizou corretamente os poderes que, em matéria de facto, a lei lhe concede, ou se violou qualquer regra de direito probatório material.

    2. Tal matéria tem sido cada vez mais colocada em apreciação em sede de Supremo Tribunal de Justiça uma vez que o CPC, que aqui é aplicável por remissão, instituiu uma efetiva possibilidade de duplo grau de apreciação da matéria de facto, porém, nem sempre os Tribunais de 2.ª instância têm feito uma efetiva reapreciação da matéria de facto de forma crítica, onde fosse feito efetivo novo julgamento da matéria de facto, formulando a sua própria convicção e, assim, se assegurasse o duplo grau de jurisdição em relação à matéria de facto.

    3. No caso em apreço manifestamente assim não se procedeu pelo digno TCA do Norte, não cumpriu com as suas obrigações, ou seja, nenhum exame crítico revela ter feito para decidir, como decidiu, manter a matéria de facto inalterável.

    4. Resulta daí a violação do art. 712º, n.º 2, do CPC (Dever de Reapreciação das Provas pelo Tribunal de Apelação): o Tribunal Central não levou a cabo a reapreciação das provas em que assentou a decisão impugnada, nem fundamentou de facto e de direito a sua própria decisão por referência aos meios de prova considerados.

    5. De facto, uma coisa é a apreciação das provas por parte do TCA e outra será a de saber se este fez uso legal do art. 712º, acrescentado que aquela é uma questão de facto, com a qual o Supremo nada tem a ver, sendo esta uma questão de direito, em relação à qual é legítima a censura por parte do Supremo como Tribunal de revista.

    6. Donde, se entende por isso estarem reunidos os pressupostos necessários para se seja admitida a revista excepcional, o que se requer.

      1. Quanto ao fundamento de recurso de revista: 1.º Como se verifica nos autos a prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento foi, ao abrigo do disposto nos arts 522.°-B e 522.°-C, do Código de Processo Civil, toda ela, registada através de gravação áudio.

    7. O douto acórdão do Tribunal Central que ora se recorre, acabou por julgar improcedente o referido recurso, referindo não haver fundamento para se proceder à alteração da matéria de facto fixada na sentença recorrida. Mas fá-lo, rematando que “o colectivo de juízes do TAF a quo especificou os meios de prova que serviram de suporte à concreta decisão sobre a factualidade dada como assente e, em adição, fundamentou concisa mas correta e adequadamente essa decisão razão pela qual não se bulirá na factualidade levada ao probatório” (sic. pág. 23).

    8. Só que, de concreto, nada evidencia. Não dá um exemplo, um único, que demonstre ter sido apreciada (ouvida) a prova na sua globalidade e explicitada (então) a falta de razão do Recorrente.

    9. Tanto mais que o recorrente perentoriamente afirmou que ao contrário dos fundamentos invocados da matéria de facto dada pelo TAF nele se evidencia que a recorrente não juntou contratos de trabalho onde a autora não fosse empregadora representante, tal não corresponde à verdade, posto que a recorrente juntou os documentos de fls 398 a 401 que correspondem a 4 contratos de trabalho em regime de pluralidade onde a autora não era representante mas sim beneficiária de tais trabalhadores, o que bastava por si, no entender da recorrente, para alterar a resposta da matéria de facto, no ponto n.° 2 e 3 da matéria de facto dada por não provada.

    10. O acórdão recorrido nada refere em relação à documentação invocada pelo recorrente para alicerçar o seu entendimento de alteração da matéria de facto, igual omissão ocorre em relação às evocadas contradições entre a prova testemunhal e os documentos trazidos aos autos pela própria recorrente (vide designadamente as conclusões 3 a 7 da apelação).

    11. Por aqui se vê que o aresto recorrido se absteve de reapreciar a totalidade da prova (designadamente a indicada pelo recorrente), para formar a sua própria convicção, justificando a omissão afirmando as generalidades acima já referidas. A reapreciação da prova que compete ao TCA, deve ultrapassar o mero controlo formal da motivação da decisão da 1ª instância em matéria de facto.

    12. Donde, o TCA do Norte não cumpriu com as suas obrigações, ou seja, nenhum exame crítico revela ter feito para decidir, como decidiu, manter a matéria de facto inalterável. Resulta daí a violação do art. 712º, n.º 2, do CPC (Dever de Reapreciação das Provas pelo Tribunal de Apelação): o Tribunal Central não levou a cabo a reapreciação das provas em que assentou a decisão impugnada, nem fundamentou de facto e de direito a sua própria decisão por referência aos meios de prova considerados.

    13. Tal facto gera a nulidade consignada no art. 668.º, n.º 1, al. b), do CPC — nulidade essa que, para todos os efeitos, desde já se invoca — devendo o processo ser reenviado para o Tribunal Recorrido (art. 729.º, n.º 3, do CPC) 9.º O douto acórdão, ao não respeitar o estipulado no art. 712.º, n.º 2, do CPC, acaba por hipotecar o valor do “efetivo segundo grau de jurisdição” em matéria de facto, afetando, de forma inequívoca, o direito ao recurso e, até mesmo, o direito de defesa consagrado no art. 20.º, n.º 1, da CRP.

    14. O Tribunal Central, ao invés de responder aos pontos paulatinamente sintetizados nas conclusões de recurso nº 3 a 7, optou por transcrever o texto da primeira decisão (cfr., fls. 23) referindo aderir ao mesmo, secundarizando erros na apreciação da matéria de facto.

    15. Entende assim o recorrente que foram violadas as disposições dos arts. 712.º, n.º 2; 668.º, n.º 1 al. b), ambos do C. Processo Civil.

    16. A nosso ver, não será compatível com a exigência da lei, em termos de reapreciação da matéria de facto, o exercício (apenas formal) por parte do TCA de um poder que se fique por afirmações genéricas de não modificação da matéria de facto por não se evidenciarem erros de julgamento ou se contenha numa simples adesão aos fundamentos da decisão, ou numa pura aceitação acrítica das provas, abstendo-se de tomar parte ativa na avaliação dos elementos probatórios indicados pelas partes ou adquiridos oficiosamente pelo Tribunal.

    17. Haverá, pelo contrário, face aos depoimentos indicados e a outros elementos probatórios, formar uma convicção...

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