Acórdão nº 63/16.7GECUB-K.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelANA BARATA BRITO
Data da Resolução08 de Outubro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora
  1. No processo de inquérito n.º 63/16.7GECUB-K, do DIAP - 2.ª Secção de Évora, a arguida RR, sujeita a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, interpôs recurso do despacho do Sr. Juiz de Instrução Criminal que lhe indeferiu requerimento de autorização de saída para visitar o seu marido (o co-arguido SP), preso preventivamente no Estabelecimento Prisional de ---.

    Apresentou as seguintes conclusões: “1.ª O presente recurso vem interposto da decisão que indeferiu o requerimento, formulado pela arguida, aqui Recorrente (que se encontra sujeita à medida de coação de obrigação de permanência na habitação), para visitar o seu marido, o arguido SP, que encontra preso preventivamente, à ordem dos presentes autos, no Estabelecimento Prisional de ….

    2.ª O Tribunal a quo, secundando, sem qualquer ponderação própria, a posição do Ministério Público, indeferiu o pedido da Recorrente, situação com a qual não pode esta conformar-se, por duas razões essenciais: o seu estatuto coativo (e o do seu marido, de resto) não compreende a proibição de contactos, nem entre coarguidos, nem com quaisquer outras pessoas e; não se vê razão, legal, para que seja negado à Recorrente (e ao seu marido) o direito à visita – tanto mais que, quando se encontravam, ambos, em prisão preventiva, o marido da arguida visitou-a! –, não tendo sido, aliás, considerado o regime legal que o prevê e rege. Assim, 3.ª O primeiro erro de que padece a decisão, é o de considerar poder acrescentar-se, assim, sem mais, ao estatuto coativo da arguida, a proibição de contactos. Como bem se sabe, a proibição de contactos é uma medida passível de integrar o estatuto coativo de um arguido (vide artigos 200, n.º 1, alínea f) e 201, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal), através da qual fica aquele inibido de contactar com pessoas determinadas e/ou, existindo, com os coarguidos. Desta forma, 4.ª Como qualquer medida de coação (que não seja o Termo de Identidade e Residência), a proibição de contactos carece de decisão judicial, a sua aplicação é precedida de audição do arguido (Vide, desde logo, o regime estabelecido no artigo 194 do Código de Processo Penal), e tem que se mostrar justificada à luz dos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, o que se afere por confronto (fundamentado) com as necessidades cautelares que se visam garantir (Vide, designadamente, o disposto nos artigos 193 e 204, ambos do Código de Processo Penal).

    5.ª Ora, in casu, nunca nos autos foi determinada (nem promovida) a medida de proibição de contacto a nenhum dos (inicialmente 6) arguidos, nem na decisão inicial de aplicação das medidas de coação (de 20 de dezembro de 2019) nem posteriormente. Com efeito, o perigo de continuação (de reorganização) da atividade criminosa, anunciado na decisão de que se recorre, tendo sido um perigo apontado nos autos pelo Ministério Público, assim o foi para sustentar a medida de coação que promoveu para aqueles 6 arguidos – a prisão preventiva.

    6.ª Nunca, em momento algum, o Ministério Público promoveu a aplicação da medida de proibição de contactos para acautelar aquele perigo. Ou seja, nunca, em momento algum, o perigo de continuação da atividade criminosa determinou a aplicação judicial de medidas que não a prisão preventiva (sem cumulação com qualquer outra medida) e, posteriormente, no que à Recorrente diz respeito, a medida (também sem cumulação com qualquer outra) de obrigação de permanência na habitação. Com efeito, 7.ª A proibição de contactos não integra a situação processual da Recorrente (nem a do seu marido), pelo que a decisão do Tribunal a quo, porque lhe(s) agrava o estatuto coativo ao acrescentar-lhe(s) a medida de proibição de contactos, é clamorosamente ilegal, por violação, designadamente, dos artigos 191, n.º 1 (princípio da legalidade), 193, 194 e 204 do Código de Processo Penal. Aliás, 8.ª A situação em apreço configura uma nulidade, nos termos do disposto no artigo 194, n.º 1, do Código de Processo Penal, nulidade que aqui se argui para que da mesma se retirem as necessárias consequências legais. Acresce que, 9.ª O que é ainda mais merecedor de censura na decisão recorrida é que a mesma decorre de um requerimento da arguida para visitar, não uma qualquer pessoa, mas o seu marido! Com o devido respeito, a proibição de visitar o marido mostra-se não só processualmente, como se viu, injustificada (ilegal), como revela um total desrespeito pelos valores mais elementares da sociedade e, deverá dizer-se, pela dignidade humana, revelando-se, também por isso, como se verá, ilegal. Repare-se que, 10.ª De acordo com a Constituição da República Portuguesa (Vide artigo 67, n.º 1) [a] família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à proteção da sociedade e do Estado e à efetivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros. O direito à proteção da família é, assim, um direito fundamental, que exige do Estado (ou seja, designadamente, dos Tribunais, enquanto órgão de soberania do Estado) um comportamento ativo no sentido de garantir a sua efetivação (tanto quanto de abstenção, no sentido de não o obstruir).

    11.ª Outrossim, o desenvolvimento de relações afetivas constitui uma das mais importantes dimensões da dignidade da pessoa, sendo, por isso, uma componente da personalidade de cada indivíduo e da sua esfera privada, que Lei Fundamental (Vide artigo 26, n.º1, da CRP) lhe reconhece e garante. Disto fazendo eco, 12.ª O legislador ordinário teve o cuidado de deixar claro que a pendência de um processo criminal não comporta a supressão dos direitos fundamentais do arguido. Assim, desde logo, referindo-se a todas as medidas, o artigo 193, n.º 4, do Código de Processo Penal, prevê-se que [a] execução das medidas de coação e de garantia patrimonial não deve prejudicar o exercício de direitos fundamentais que não forem incompatíveis com as exigências cautelares que o caso requerer. Desta forma, 13.ª Em particular quando aplicadas medidas de coação privativas da liberdade (de obrigação de permanência na habitação ou de prisão preventiva, como é o caso da aqui Recorrente e do seu marido, respetivamente), pese as mesmas terem inerente a compressão de alguns direitos fundamentais, é assegurada aos arguidos a titularidade e o gozo dos seus direitos fundamentais que não se mostrem incompatíveis com o seu estatuto. Ora, 14.ª Não se mostra incompatível com o estatuto processual do arguido obrigado a permanecer na habitação ou preso preventivamente – porque, mostrando-se, sempre se impõe, então, que uma tal incompatibilidade se acautele através de uma medida de coação adequada, judicialmente apreciada e determinada – o contacto com as pessoas com quem tem estabelecidas relações afetivas e, muito menos, com o seu cônjuge.

    15.ª Dito de outra forma, a privação da liberdade não determina, nem autoriza, o corte das relações afetivas e familiares do arguido. Bem pelo contrário! Repare-se que, o Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade deixa muito claro que o recluso preventivo tem o direito de receber visitas, de preferência, todos os...

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