Acórdão nº 882/13.6TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelPINTO DE ALMEIDA
Data da Resolução10 de Setembro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]: I.

AA e BB são os actuais autores nesta acção comum contra CC, DD e EE.

É pedida a condenação dos réus a reconhecerem que os autores têm servidão de vistas sobre um prédio deles e a não levantarem, como pretendem, edifício ou outra construção sem deixar entre este e cada uma das janelas existentes no 2° e 4° andares direitos o intervalo de metro e meio, nos termos e para os efeitos do artigo 1360º do Código Civil.

Os réus contestaram alegando, além do mais, que a autora age em abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, já que, antes de vir pugnar pela declaração de existência de servidão de vistas, subscreveu projectos de arquitectura para a construção de um edifício no terreno dos réus, de acordo com os quais tais janelas seriam tapadas.

Impugnaram a generalidade da matéria invocada na petição inicial por, em síntese, as aberturas em questão não terem as características de janelas, pelo que não está constituída qualquer servidão de vistas; para além de que tais aberturas têm génese ilegal.

Alegaram, ainda, que submeteram um pedido de informação prévia à Câmara Municipal de Lisboa, cujo projecto prevê a construção de um edifício cuja empena direita encosta integralmente à empena esquerda do edifício dos autores, tendo recebido indicação de que tal projecto tinha condições para ser aceite, tendo sido emitido parecer favorável no final desse processo.

Concluíram pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.

Percorrida a tramitação normal, foi proferida sentença a julgar a acção procedente, nestes termos: Declaro que os autores têm servidão de vistas sobre o prédio sito nos n.ºs ...da Rua ..., freguesia de ..., Lisboa, e condeno os réus a reconhecerem tal servidão e, bem assim, a não levantar edifício ou outra construção sem deixar entre este e cada uma das janelas existentes no 2° e 4° andares direitos o intervalo de metro e meio, nos termos e para os efeitos do art. 1360 do CC.

Inconformados, os réus interpuseram recurso de apelação, que a Relação julgou procedente, revogando a sentença recorrida e julgando a acção improcedente.

Discordando desta decisão, os autores vêm pedir revista, tendo formulado as seguintes conclusões: I. O Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, ao julgar que não foi produzida prova nos autos que permita afirmar que há factos que possam levar à conclusão da usucapião, nos termos do artigo 674.°, n.° 1 alíneas a), b) e c), do CP.C, viola a Lei substantiva, por erro na sua interpretação e aplicação, bem como como viola e aplica erradamente a lei do processo, sendo, ainda, nulo nos termos do artigo 615º, n.º 1, alíneas c), d) e e) do CPC. (…) IV. O douto Tribunal da Relação de Lisboa, por douto acórdão de 10/01/2019, apesar de não dar razão aos ali Recorrentes, Réus na acção, em nada do que por eles foi alegado quanto ao objecto do Recurso, julgou a acção improcedente por não provada, absolvendo aqueles da decisão de 1ª instância. (…) VII. Na Douta Sentença proferida nos autos foi desde logo referido que: "Tendo resultado provado que as janelas existem no edifício, pelo menos, desde princípios do século XX (ponto 12 dos factos provados e alínea c) dos factos não provados) e nenhuma prova tendo os Réus feito sobre qualquer alteração na morfologia deste edifício, é necessária a conclusão de que o prazo máximo tendente à constituição da servidão por usucapião se mostra completo - não havendo, portanto, sequer necessidade de apreciar as características da posse aí em questão. Por outro lado, demonstrou-se, com toda a segurança, que as janelas existentes naquelas fracções têm como principais funções a iluminação e a ventilação (sendo as vistas uma função meramente acessória ou secundária, atentas as particulares características, quer do edifício, quer das janelas e da parede onde estão implantadas) - sendo que, no caso das janelas existentes nas cozinhas, são as únicas existentes nessas divisões e, quanto ao 2° andar, a única fonte de luz natural e ventilação. Pelo que há que reconhecer, sem necessidade de outras considerações, a constituição da servidão de vistas por usucapião, relativa às janelas existentes na empena do edifício dos Autores que confina com o prédio dos Réus, para efeitos do disposto no artigo 1363°, n. ° 2 do Código Civil." VIII. Na verdade, foi nos autos ordenada e realizada a prova requerida pelos Recorridos, Réus na acção, de verificação não judicial qualificada, aos artigos 18, 21, 22, 25 a 27, 31 a 32, 38, 56 da petição inicial; artigos 33 a 50 da contestação; artigos 27 a 33, 47, 79 a 80 da réplica, artigos 35 e 36 de fls. 202 e ss. da qual resultou o relatório constante de fls. 400 e seguintes.

IX. Ao considerar como provado o ponto 12 dos factos provados, i.e., que: "A abertura n.° 3 do 2° direito situa-se na cozinha, a qual contém uma chaminé em pedra lioz, comum a todos os pisos, datada do início do séc. XX ou anterior, e é a única nessa divisão" com base na prova de inspecção judicial, está provado nos autos, conforme alegado pelos Recorrentes, Autores na sua Réplica, que: "... sendo as chaminés nas cozinhas comum a todos os pisos - o que confirma que todas as cozinhas estão localizadas no interior das fracções e não no alçado tardoz e reforça a pré-existência e necessidade de janelas para ventilação e iluminação das mesmas desde sempre." X. Aliás, a Douta Sentença dos autos, fundamenta que está provada a existência das janelas desde pelo menos início século XX, conforme resulta do ponto 12 dos factos provados, tendo em conta o relatório de inspecção não judicial qualificada, nos autos a fls. 400 e seguintes, que forneceu uma descrição detalhada e rigorosa das características das aberturas e do qual foi, possível reconstituir a história das características do edifício, designadamente, a razão da existência das aberturas na empena e não a tardoz, o que explica, também, a pré-existência e necessidade de janelas para ventilação e iluminação das mesmas, concluindo, e bem, que: de que está provada a existência das janelas no edifício, pelo menos, desde princípios do século XX.

XI. A alínea c) dos factos não provados refere-se ao artigo 49.° da Contestação dos Recorridos, Réus na acção.

XII. A Douta Sentença dos autos considerando na alínea c) dos factos não provados, como não provado o alegado no artigo 49.° da Contestação dos Réus, e considerando que "Quanto aos demais pontos, a sua prova resultou, em primeira linha, do relatório de inspecção não judicial qualificada, nos autos a fls. 400 e seguintes ...", tem como provado o que no referido relatório vai dito, nomeadamente que as janelas a que se referem os autos: "Já existiam antes da última intervenção de reabilitação do prédio dos autores realizada no âmbito do programa RECRIA., "As treze aberturas pela própria constituição intrínseca/robustez da parede de alvenaria em que se materializam (empena esquerda do prédio dos autores), terão, muito provavelmente, sido rasgadas de génese, sendo as aberturas 04, 08 e 11 coerentes com o alinhamento da chaminé existente nas respectivas cozinhas.", "Da observação da fotografia constante do processo camarário n.º 6782/DMPGU/B/1973, de 1973, constata-se que a abertura 03 já existia à época." XIII. Ao considerar como provado que as janelas existem no edifício, pelo menos, desde princípios do século XX, tendo em consideração a alínea c) dos factos não provados, a sentença dos autos tem em consideração a resposta dada ao alegado no artigo 49.º da Contestação dos Réus pelo relatório de inspecção não judicial qualificada e não pela via de que a falta de prova da alegação daquele facto equivale à prova do seu contrário.

XIV. O que prova a existência das Janelas desde princípios do século XX é a resposta dada ao alegado no artigo 49.º da Contestação dos Réus pelo relatório de inspecção não judicial qualificada, que determina como não provado o alegado no referido artigo 49.º conforme alínea c) dos factos não provados.

XV. O critério essencial do julgamento é a livre apreciação da prova: o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo o Juiz segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (artigo 607º n.º 5 do CPC).

XVI. Um outro critério essencial é o do ónus da prova: incumbe às partes a prova dos factos que lhes aproveitem, ou seja, ao autor incumbe a prova dos factos constitutivos do seu direito e ao réu a prova dos factos impeditivos, modificativos e extintivos do direito invocado pelo autor.

XVII. Em caso de não superação da dúvida, o Tribunal decide contra a parte a quem o facto aproveite - artigo 342º nº 3 do Código Civil. Pois que, como referem Pires de Lima e Antunes Varela, o significado essencial do ónus da prova não está tanto em saber a quem incumbe fazer a prova do facto como em determinar como deve o tribunal decidir no caso de se não fazer prova do facto.

XVIII. Porém, o tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las - artigo 413º do CPC. O ónus da prova não se confunde com ónus de apresentar prova.

XIX. Agora, convém não esquecer o peculiar objecto das provas periciais e por inspecção judicial: a percepção ou averiguação de factos que reclamem conhecimentos especiais que o julgador comprovadamente não domina (artigo 388º do Código Civil, n.º 1 do artigo 492.º do CPC e n.º 1 do artigo 494.º do CPC).

XX. Assim, porque a inspecção judicial (n.º 1 do artigo 492.º do CPC e n.º 1 do artigo 494.º do CPC) supõe a insuficiência de conhecimentos do magistrado é difícil que este se substitua inteiramente ao perito para refazer, por si, o trabalho analítico e objectivo para o qual não dispõe de meios subjectivos. Isto significa que, a não ser que sobrevenham novos e seguros elementos de prova, nomeadamente, uma nova perícia, a liberdade do Juiz não o autoriza a estabelecer, sem o concurso dos peritos, as razões da sua convicção.

XXI. Deste modo, à prova por inspecção judicial com o recurso ao...

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