Acórdão nº 339/19.1BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 30 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelPATRÍCIA MANUEL PIRES
Data da Resolução30 de Setembro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACÓRDÃO I-RELATÓRIO G... - INVESTIMENTOS TURÍSTICOS, JOGOS E LAZER, SA, com os demais sinais dos autos, veio interpor recurso jurisdicional dirigido a este Tribunal tendo por objeto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, através da qual julgou improcedente a reclamação de atos do órgão da execução fiscal deduzida contra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 2, datado de 20 de dezembro de 2018, que indeferiu o pedido de reconhecimento de prescrição da dívida objeto de cobrança coerciva no âmbito do processo de execução fiscal 32472....

A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem: “ERRO DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO A.

Atento o ponto 1 dos factos provados, i.e., celebração do contrato de investimento, e a respectiva justificação [“(…) documentação apresentada pela Reclamante, nomeadamente o contrato (…)”] e considerando que de acordo com a respectiva cláusula 1.10 – Incentivo Financeiro (Cláusula Primeira – Definições) “O incentivo a conceder pelo ESTADO PORTUGUÊS à SOCIEDADE para aplicação na execução do PROJECTO expresso em numerário, nos termos e condições constantes da Portaria n.º130-A/2006, de 14 de Fevereiro, publicada no Diário da República 1ª Série-B, n.º 32, da mesma data, e do presente contrato” consubstancia erro de julgamento da matéria de facto a constatação inserta na segunda parte do ponto 2 da matéria de facto considerada provada segundo a qual (apenas) “(…) o cálculo do incentivo financeiro ser feito ao abrigo da Portaria n.º130-A/2006, de 14 de Fevereiro.” B.

Como decorre dos termos do contrato, a remissão para a Portaria n.º 130-A/2006, de 14 de Fevereiro, foi realizada por referência à concessão do incentivo e não apenas para efeitos de determinação da respectiva fórmula de cálculo. E assim deveria ter sido, porquanto o mesmo foi financiado com recurso a fundos comunitários como adiante melhor se exporá.

C.

Por esta razão deverá o Ilustre Tribunal ad quem rever o juízo sobre a matéria de facto dada como provada no excerto identificado e considerar provado o alegado no artigo 2.º da p.i., ou seja, que “O incentivo financeiro foi concedido nos termos da Portaria n.º 130-A/2006, de 14 de Fevereiro”.

D.

Com relevância para a decisão da presente causa e porque invocado (cfr. artigos 5.º a 9.º da p.i.) e demonstrado (cfr. documento n.º 4 junto à p.i.) pela Reclamante, ora Recorrente, deveria ter sido dado como provado que: a. “Na carta datada de 29.07.2013 dirigida única e exclusivamente à beneficiária dos fundos (C... – Casino Hotel de T..., SA), a AICEP constatou existir um insuficiente grau de cumprimento do contrato no ano de 2009 e no ano de 2011 e um incumprimento definitivo das obrigações pecuniárias do mesmo reportado a julho de 2013, razões que entendia susceptíveis de determinar a resolução do contrato”.

E.

Porque igualmente invocado (artigos 2.º, 3.º, 7.º, 13.º e 17.º da p.i.) e demonstrado (cláusulas 1.10 e 13 e anexo VI – Norma de Pagamentos: Componente FEDER – do contrato de investimento, cfr. documento n.º 3 junto à p.i.) pela Reclamante, ora Recorrente, e não impugnado pela Exequente, deveria também ter sido dado como provado que: b. “O incentivo financeiro concedido pelo Estado Português foi financiado através de fundos provenientes da União Europeia, designadamente do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER)”.

F.

Mais ainda, por merecer relevo para a decisão da presente causa, em adição ao facto constante do ponto 7 da factualidade provada, o Tribunal a quo deveria ter dado como provado que, tal como alegado pela Reclamante, ora Recorrente, no artigo 11.º da p.i., e constante da Resolução do Conselho de Ministros n.º 62/2014 de 04.11., c. “(…) a resolução do contrato [de investimento] foi declarada apenas nos termos e para os efeitos do artigo 13.º do Código Fiscal do Investimento (…)”.

G.

Por fim, deveria ainda ser dado como provado, porque alegado pela Reclamante, ora Recorrente no artigo 15.º da p.i., que: d. “a Reclamante não se reconhece devedora nem aceita qualquer responsabilidade pela dívida exequenda”.

H.

Razões pelas quais entende a Recorrente dever o Tribunal ad quem aditar os factos identificados em D a., E b., F c. e G d. supra à matéria de facto dada como provada.

ERROS DE JULGAMENTO DE DIREITO DO PRAZO DE PRESCRIÇÃO APLICÁVEL À DÍVIDA EXEQUENDA I.

Apesar de extensamente alegado pela Recorrente, então Reclamante, que em virtude de se tratar da reposição de fundos comunitários o regime aplicável seria o previsto no Regulamento (CE EURATOM) 2988/95 do Conselho, de 18 de Dezembro, (cfr. artigos 17.º a 25.º da p.i.) o Tribunal a quo, não aprecia a sua aplicabilidade ao caso concreto. De facto, o Tribunal Recorrido defende a aplicação do regime geral da prescrição previsto no artigo 306.º do Código Civil sem apresentar qualquer tipo de fundamento para afastar a aplicação do referido regulamento comunitário. Tal possibilidade é apenas explorada residual e hipoteticamente, no final da sentença recorrida, para, igualmente em erro de julgamento como adiante melhor se exporá, se concluir não se ter verificado a prescrição à luz de tal quadro normativo. Salvo o devido respeito, a Recorrente entende que o Tribunal Recorrido incorreu em erro na determinação do regime de prescrição aplicável.

Vejamos, pois: J.

Apesar de se tratar, no caso presente, de um contrato celebrado ao abrigo do Decreto-Lei n.º 203/2003, de 10.09, tal facto “não exclui o regime geral de investimento que se rege pela legislação em vigor nomeadamente no que se refere à regulamentação referente aos incentivos atribuídos pelo Estado Português, através de fundos comunitários” (…) cfr. preâmbulo.

K.

Estando em causa um grande projecto de investimento, independentemente do orçamento afecto ao seu financiamento (português ou comunitário), o regime contratual do mesmo haveria de seguir a disciplina do referido decreto-lei, sem prejuízo da demais legislação aplicável, designadamente no caso de grandes projectos de investimento financiados com recurso ao orçamento da União. A aplicação da disciplina do Decreto-Lei n.º 203/2003, de 10.09, não afasta, pois, a aplicação de outros quadros normativos, designadamente de raiz comunitária”.

L.

De acordo com a factualidade provada, no caso em análise estamos perante alegadas irregularidades praticadas pela entidade beneficiária de um incentivo financeiro atribuído, com recurso a fundos comunitários (FEDER), com base num contrato de investimento. Tais irregularidades verificaram-se quer quanto ao grau de cumprimento dos objectivos contratuais, quer quanto ao (in)cumprimento das obrigações pecuniárias. O grau de cumprimento dos objectivos contratuais foi considerado insuficiente em 2009 e 2011 pela AICEP. Esta mesma entidade, em 29.07.2013, considerou existir incumprimento das obrigações pecuniárias constantes do contrato. É este incumprimento que está na base da obrigação de reposição de fundos que integra a dívida exequenda, imputada à Recorrente por alegada responsabilidade solidária.

M.

A situação sub judice é subsumível no regime legal do previsto no Regulamento (CE EURATOM) 2988/95 do Conselho, de 18 de Dezembro. De facto, considerando que estamos perante a obrigação de reposição de fundos comunitários e que os regulamentos comunitários têm aplicação directa no ordenamento jurídico interno, por força do disposto no n.º 4 do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do artigo 288.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, perante a constatada inaplicabilidade do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28.07 (reposição de dinheiros públicos) e da Lei Geral tributária (reposição de benefícios fiscais) ao caso concreto, não poderia o Tribunal a quo ter considerado ser aplicável o regime geral da prescrição previsto no Código Civil.

N.

No sentido da aplicação directamente na ordem jurídica portuguesa do regime previsto no Regulamento (CE EURATOM) 2988/95 do Conselho, de 18 de Dezembro, e em concreto do respectivo prazo de prescrição, pronuncia-se inequívoca e unanimemente a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, disponível em www.dgsi.pt, inter alia:  Acórdão de 04.10.2018 no Processo n.º 1473/17; · Acórdão de 07.06.2018 no Processo n.º 912/15; · Acórdão de 14.06.2018 no Processo n.º 220/16; · Acórdão de 17.05.2018 no Processo n.º 914/17; · Acórdão de 26.02.2015 no Processo n.º 173/13 (uniformização de jurisprudência); · Acórdão de 30.10.2014 no Processo n.º 92/17.

O.

No quadro do Direito da União, o Regulamento (CE/EURATOM) n.º 2988/95 prevê, no §1 do n.º 1 do seu artigo 1.º, que para efeitos da protecção dos interesses financeiros da União, é adoptada uma regulamentação geral em matéria de controlos homogéneos e de medidas e sanções administrativas relativamente a irregularidades no domínio do direito da União, constituindo para estes efeitos irregularidade qualquer violação de uma disposição de direito da União que resulte de um acto ou omissão de um agente económico que tenha ou possa ter por efeito lesar o orçamento geral da União ou orçamentos por esta geridos, quer pela diminuição ou supressão de receitas provenientes de recursos próprios cobradas directamente por conta da União, quer por uma despesa indevida, cfr. §2 do n.º 1 da mesma norma.

P.

Nos termos do §3 do n.º 1 do artigo 3.º do Regulamento referido “O prazo de prescrição do procedimento é de quatro anos a contar da data em que foi praticada a irregularidade referida no nº 1 do artigo 1º. Todavia, as regulamentações sectoriais podem prever um prazo mais reduzido, que não pode ser inferior a três anos.” Q. Pelo exposto, haverá que concluir que, ao considerar aplicável o regime de prescrição previsto no artigo 306.º do Código Civil, o Tribunal a quo violou os referidos n.º 4 do artigo 8.º da CRP e artigo 288.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, incorrendo, pois, em erro de julgamento.

Sem prescindir, R.

Admitindo, sem conceder...

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