Acórdão nº 144/07.8BECTB de Tribunal Central Administrativo Sul, 30 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelPATRÍCIA MANUEL PIRES
Data da Resolução30 de Setembro de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACÓRDÃO I-RELATÓRIO O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (DRFP) veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por LUÍS ..........

tendo por objeto a liquidação de IRS nº 2006 .........., respeitante ao ano de 2002, no montante de €2.259,01.

A Recorrente apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem: “

  1. Foi violado pela douta sentença o artigo 38/1 da LGT.

  2. Nos termos do artigo 38/1 da LGT “a ineficácia dos negócios jurídicos não obsta à tributação, no momento em que esta deva legalmente ocorrer, caso já se tenham produzido os efeitos económicos pretendidos pelas partes”.

  3. Na presente impugnação [ponto J) da fundamentação de facto da douta sentença], foi junto aos autos o “termo de transação”, lavrado no âmbito do processo nº 124/05.8TBVLF, acordado entre o ora impugnante e os intervenientes no contrato de compra e venda que teve por objeto o imóvel em causa nos presentes autos, Arminda .........., na qualidade de procuradora do impugnante e da sua então mulher Maria .........., e José .........., o adquirente do imóvel em apreço através da escritura celebrada em 04/07/2002, junta aos autos, o facto tributário que está na origem da liquidação adicional de IRS/2002, do ora impugnante e da sua ex-mulher.

  4. Consta nomeadamente do referido “termo de transação” que: “[…] Autores e Réus vêm consignar, nos termos e para os efeitos dos artigos 1248.º e 1250.º do Código Civil e 300º do CPC, o acordo a que chegaram sobre o litígio em causa na presente acção, ao qual, por este meio, pretendem pôr fim. O acordo a que chegaram rege-se pelas seguintes cláusulas: CLÁUSULA PRIMEIRA: Os Réus confessam que é nulo, por simulação, o contrato de compra e venda celebrado entre ARMINDA .......... (na qualidade de representante do A. e da sua mulher) e JOSÉ .........., em 4 de Julho de 2002, no Cartório Notarial de Vila Nova de Foz, do prédio urbano sito no .........., Freguesia e Concelho de Vila Nova de Foz Côa, inscrito na matriz sob o art.º .....º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Foz Côa sob o n.º ..... da dita Freguesia. CLÁUSULA SEGUNDA: O A. com o trânsito em Julgado da homologação da presente transacção, renunciará, sem necessidade de qualquer ulterior declaração nesse sentido, a qualquer direito de indemnização que, considerando os factos alegados na p.i., eventualmente pudesse exercer contra os ora RR.

    CLÁUSULA TERCEIRA: A mulher do A. Maria ....., intervém igualmente na presente transacção, com a qual concorda, declarando expressamente nela consentir. […]”.

  5. Também conforme explicitado no ponto K) da fundamentação de facto da douta sentença, “a transacção referida na alínea anterior foi objecto de homologação por sentença proferida em 13/06/2007, transitada em julgado, da qual se extrai o seguinte: “A transacção atrás expressa é válida, quer quanto ao objecto sobre o qual incide, quer quanto à qualidade das pessoas que nela intervieram, pelo que a homologo por sentença, condenando ambas as partes a cumpri-la nos seus precisos, nos termos do disposto nos artºs 293.º, nº 2 e 299.º, n.º 1, e 300.º, do Código de Processo Civil, e em consequência declaro extinta a presente instância nos termos do artº 287.º, al. d), do mesmo diploma legal”.

  6. O termo de transação supra, contratado entre os litigantes, foi, pois, homologado por sentença no âmbito do processo nº 124/05.8TBVLF, o qual deu entrada no Tribunal Judicial de Vila Nova de Foz Côa em 04/07/2005, sob a forma “de ação declarativa, em processo comum e na forma ordinária, intentada pelo aqui impugnante contra Arminda .......... e José .........., no âmbito da qual pediu a declaração de nulidade, por simulação, do contrato de compra e venda a que se alude na alínea que antecede e, subsidiariamente, a declaração de ineficácia do referido negócio em relação ao aqui impugnante e à sua mulher Maria ..........” – cfr. ponto C) da matéria de facto da douta sentença.

  7. Ora, embora no processo nº 124/05.8TBVLF, entrado no Tribunal Judicial de Vila Nova de Foz Côa em 04/07/2005, o autor aqui impugnante tenha pedido a declaração de nulidade, por simulação, do contrato de compra e venda do imóvel em apreço nos presentes autos, e, subsidiariamente, a declaração de ineficácia do referido negócio, nele foi enxertado um contrato de transação nos termos dos artigos 1248.º e 1250.º do Código Civil – tal como consignado pelos intervenientes no “termo de transação” –, um dos “contratos em especial” previstos no Título II do Livro II do Código Civil.

  8. Estatui o artigo 1248/1 do Código Civil que “transação é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões”, podendo as concessões “envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido” (nº 2 do mesmo artigo). Prevendo depois o artigo 1250º, também do Código Civil, que “a transação preventiva ou extrajudicial constará de escritura pública quando dela possa derivar algum efeito para o qual a escritura possa ser exigida, e constará de documento escrito nos casos restantes”.

  9. Assim, em virtude do “termo de transação” ter a natureza de contrato de direito privado, encontrando-se na livre disponibilidade das partes, para além da sentença homologatória obviar à celebração de nova escritura pública, tal como previsto no artigo 1250º in fine do Código Civil [e artigo 290.º do Código de Processo Civil (anterior artigo 300º)], uma vez estar em causa um contrato de transação sobre um imóvel, a mesma limitar-se-á a certificar a capacidade das partes e a legalidade do resultado do ato de vontade das partes, tal como previsto no atual artigo 290/3 do Código de Processo Civil (anterior artigo 300º, expressamente mencionado na sentença homologatória), nos termos do qual “lavrado o termo ou junto o documento, examina-se, se, pelo seu objeto e pela qualidade das pessoas que nela intervieram, a confissão, a desistência ou a transação é válida, e, no caso afirmativo, assim é declarado por sentença, condenando-se ou absolvendo-se nos seus precisos termos”.

  10. Assim, tal como explicitado no ponto K) da fundamentação de facto da douta sentença, na sentença que homologou o contrato de transação é expressamente mencionado que “a transacção atrás expressa é válida, quer quanto ao objecto sobre o qual incide, quer quanto à qualidade das pessoas que nela intervieram, pelo que a homologo por sentença, condenando ambas as partes a cumpri-la nos seus precisos, nos termos do disposto nos artºs 293º, nº 2 e 299º, n.º 1, e 300º, do Código de Processo Civil, e em consequência declaro extinta a presente instância nos termos do artº 287º, al. d), do mesmo diploma legal”.

  11. E é em virtude do “termo de transação” ter a natureza de contrato de direito privado (e estar em causa um imóvel, sendo o impugnante casado), que o mesmo careceu, para produzir um dos efeitos pretendidos pelas partes – regresso do imóvel à propriedade do impugnante e da sua mulher –, da intervenção e consentimento da mulher do impugnante, tal como consta da cláusula terceira do termo de transação: “A mulher do A. Maria ....., intervém igualmente na presente transacção, com a qual concorda, declarando expressamente nela consentir […].” l) E tal como salientado na douta sentença na transcrição efetuada do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 02/05/2016, processo nº 58/12.0TTVLG.1.P1: “Como salienta o Prof. Alberto dos Reis, «[o] conflito de interesses, traduzido na lide ou na relação substancial em litígio, fica resolvido e arrumado mediante qualquer desses actos [desistência do pedido, confissão e transacção]. Sob este aspecto, a desistência do pedido a confissão e a transacção exercem a mesma função que a sentença de mérito: como esta põem termo à causa, compondo-a»… E continua o mesmo Professor, desta feita citando Redenti, «[a] transacção diz ele, implicará, em regra, a substituição do novo acordo, como fonte ou como acto constitutivo ou regulador de direitos ou de obrigações (certas e pacíficas), aos actos ou factos precedentes, de que surgiam pretensões diversas e contrastantes» … No caso da transacção, a lide não é decidida por sentença, mas composta por acordo das partes. A função da decisão que certifica a capacidade das partes e a legalidade do resultado da conciliação, no processo laboral, ou da sentença homologatória que incide sobre a transacção judicial, no processo civil, actos judiciais estes sem os quais o acto de vontade das partes não produz efeito, não é decidir a controvérsia substancial mas, unicamente, fiscalizar os aspectos que a lei (respectivamente o artigo 52.º, n.º 2 do CPT e o artigo 290.º, n.º 3 do CPC) comete ao juiz. Por isso, a verdadeira fonte da solução do litígio é o acto de vontade das partes e não a decisão do juiz que lhe sucede. Mas, em consequência da transacção, a relação jurídica substancial fica com a mesma estabilidade e a mesma certeza que uma relação jurídica definida por sentença transitada em julgado” (sublinhado nosso).

  12. Ou ainda, de acordo com o Acórdão da RG 24-05-2007/Proc. 953/07-1 (António Gonçalves), embora concernente à figura da desistência mas transponível para a situação em apreço: “Ao homologar tal declaração de desistência da instância o Juiz, nos termos do disposto no art. 300.º, n.º 3 do C.P.Civil, limita-se a fiscalizar a legalidade e a verificar a qualidade do objeto desse negócio jurídico e a averiguar a qualidade da pessoa que fez tal declaração. (…) Não toma, porém, o Juiz posição acerca deste negócio, ficando de fora do sentido e alcance desta declaração assim feita. Quer isto dizer que quando a acção termina por desistência da instância, porque a lide atingiu o seu termo por ato único de quem propôs a acção, claramente que não estamos perante uma sentença a solucionar o diferendo trazido a juízo por demandante e demandado; e, se é...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT