Acórdão nº 0401/15.0BEAVR de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 25 de Setembro de 2019
Magistrado Responsável | ASCENSÃO LOPES |
Data da Resolução | 25 de Setembro de 2019 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1 – RELATÓRIO Inconformada vem Autoridade Tributária e Aduaneira, recorrer para este Supremo Tribunal do despacho do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro julgou procedente a impugnação deduzida por A……., melhor identificado nos autos, contra as liquidações de IRS e juros compensatórios, respeitantes aos anos de 2010 e 2011.
Inconformada com o assim decidido, apresentou as respectivas alegações que resumiu nas seguintes conclusões: «1) O Tribunal a quo considerou que a “bolsa de formação” atribuída ao médico interno nos termos do Regulamento anexo à Portaria nº 61/1998 de 27 de Agosto não cai no âmbito da tributação ao abrigo do artigo 2º nº 3 alínea b) do CIRS, por não se tratar de uma remuneração acessória.
2) O tribunal a quo considerou que a questão que se discute nos presentes autos é a de saber se os valores recebidos pelo impugnante a título de “bolsa de formação”, enquanto médico em período de formação especializada, tem ou não natureza remuneratória.
3) E em resposta à referida questão o tribunal parte do entendimento de que a “bolsa de formação” não tem natureza remuneratória, tendo, antes, natureza compensatória.
4) E na medida em que defende que a quantia em causa não tem a natureza remuneratória, decide que é inaplicável o disposto no artigo 2º nº 3, alínea b) do CIRS, e como tal que é ilegal a liquidação por se basear em tal norma.
5) Ora, pensamos salvo melhor opinião, que outra deveria ter sido a decisão sobre a natureza da quantia atribuída ao impugnante a título de “bolsa de formação”, isto porque não se concorda com as ilações de facto que o tribunal a quo retira dos factos provados, nem com a interpretação que foi dada ao artº 2º nº 3 al. b) do CIRS.
6) A douta sentença, deu como provado como ressalta do ponto 7) do probatório que a “bolsa de formação” aqui em causa foi concedida ao abrigo do artº 12º A, aditado ao DL nº 203/2004 de 18 de Agosto, pelo DL nº 45/2009 de 13 de Fevereiro.
7) É ainda dado como provado que o impugnante exerceu funções no Hospital do Divino Espírito Santo de Ponta Delgada, EPE, como médico interno da especialidade de ginecologia/obstetrícia, nos anos de 2010 e 2011, e recebeu uma “bolsa de formação”, por ocupar uma vaga preferencial. (Cfr. pontos 1), 2) e 7) do probatório) 8) As vagas preferenciais, destinadas a suprir a carência de médicos de determinadas especialidades, foram introduzidas, no âmbito do internato médico, pelo Decreto-Lei n.º 45/2009, de 13 de fevereiro, diploma que alterou o regime jurídico daquele internato, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 203/2004, de 18 de agosto.
9) O preenchimento de uma vaga preferencial confere o direito a uma Bolsa de Formação, que acresce à remuneração do médico interno, sendo o pagamento da referida bolsa assegurado pela Administração Regional de Saúde ou pela Região Autónoma de vinculação.
10) Quanto ao primeiro argumento que é apontado pelo Tribunal para não sujeitar a tributação a “bolsa de formação”, que consiste em que referida atribuição não se insere em nenhuma das situações previstas no artº 2º nº 3 alínea b) do CIRS, é o próprio tribunal que lhe retira valor, ao considerar que tal preceito legal não contém uma lista de situações exaustiva, o que conduz a que a forma de remuneração em análise pode não estar lá prevista, e mesmo assim ser tributada.
11) Como segundo argumento, o Meritíssimo Juiz a quo refere na douta sentença sob recurso que a “bolsa de formação” não pode ser subsumida na previsão normativa de remuneração acessória prevista no artigo 2º nº 3 al. b) do CIRS, porque não se encontra preenchido o requisito de a “bolsa de formação” ser auferida devido a prestação de trabalho ou em conexão com esta.
12) Posição com a qual não concordamos, uma vez existe um nexo de causalidade entre o pagamento da “bolsa de formação” e o contrato de trabalho, de tal modo que se pode dizer que essa quantia paga é contrapartida desse contrato e depende da ocupação da vaga preferencial.
13) A atribuição da “bolsa de formação” ao médico interno ocorre por força do contrato de trabalho celebrado com a Direção Regional da Saúde da Região Autónoma dos Açores.
14) A existência e o conteúdo da obrigação de entrega de um valor monetário a título de “bolsa de formação” surge como uma condição de ocupar uma vaga preferencial.
15) Mas a atribuição desse montante ao médico interno ocorre como efeito do contrato de trabalho e configura uma das prestações recíprocas estabelecidas nele pelas partes, ainda que sujeita a uma determinada condição (a ocupação de uma vaga preferencial).
16) O facto de a atribuição da “bolsa de formação” estar dependente do preenchimento de uma vaga preferencial, não tem a virtualidade de converter aquele pagamento numa compensação, ou de lhe retirar a natureza jurídica de prestação devida por força do contrato de trabalho.
17) A bolsa de formação em causa constitui, uma remuneração acessória derivada de uma prestação de trabalho dependente.
18) Logo, é evidente que ao contrário do entendido pelo Tribunal a quo, não está em causa o pagamento de uma compensação que não deriva da prestação de trabalho ou em conexão com esta, nem se aceita que o nexo de casualidade seja entre a prestação pecuniária e a ocupação da vaga preferencial, pois não se pode excluir que a relação jurídica que titula tal atribuição pecuniária é o contrato de trabalho, e não outro qualquer.
19) O entendimento defendido pelo Tribunal a quo, também não tem apoio na doutrina.
20) Relativamente à definição de “remuneração acessória” diz José Guilherme Xavier de Basto, in IRS, Coimbra Editora, pág. 65, “ Na linha de uma recomendação específica da Comissão para o Desenvolvimento da Reforma Fiscal, deu-se uma definição geral de “remuneração acessória” como sendo “todos os direitos, benefícios ou regalias não incluídos na remuneração principal que sejam auferidos devidos à prestação de trabalho ou em conexão com esta e constituam para o respetivo beneficiário uma vantagem económica”.
21) E explica que esta formulação geral de vantagem acessória, tem a virtualidade de excluir da tributação alguns bens que sejam consumidos ou utilizados pelo trabalhador apenas ou predominantemente no interesse da entidade patronal: eles não constituirão vantagem económica para o titular, embora recebidos devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta.
22) Se aplicarmos esta definição ao caso em apreço, constatamos que a remuneração em causa é uma vantagem do trabalhador, porque não se trata de qualquer bem que é fornecido pela entidade patronal para uso produtivo, portanto em conexão com as funções por ele exercidas, e como tal é uma vantagem acessória que deve ser tributada.
23) O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo invoca o acórdão do STA de 31/01/2018 proferido no processo nº 01331/16, para justificar o entendimento de que a “bolsa de formação” não tem natureza remuneratória, mas antes compensatória.
24) Mas com o devido respeito, o acórdão invocado não decidiu sobre as questões de natureza remuneratória ou meramente compensatória da referida prestação, conforme resulta de forma evidente do ponto II do seu sumário.
25) O invocado acórdão debruçou-se sobre a questão de saber se a “bolsa de formação” atribuída ao médico interno, está excluída da incidência de IRS, por estar contemplada na exceção do artº 2º nº 8 al. d) do CIRS.
26) E a resposta encontrada foi negativa, pois entendeu-se conforme passamos a citar “ Afigura-se-nos, pois, duvidoso que, apesar da designação que o legislador lhe atribui, a bolsa adicional paga aos médicos internos em regime de vaga preferencial deve ser considerada como uma prestação relacionada exclusivamente com ações de formação profissional dos trabalhadores e como tal excluída de tributação em IRS, (…)” 27) Face ao atrás exposto, e partindo da tese que aqui se defende devidamente apoiada nos factos provados, de que a importância atribuída ao impugnante foi paga a título de remuneração, deverá manter-se a liquidação de IRS impugnada pois a esfera patrimonial do impugnante sofreu um incremento patrimonial, e como tal deve ser tributada.
28) A douta sentença recorrida violou o artigo, artigo 2º nº 3 al. b) do CIRS.
TERMOS EM QUE, deve ordenar-se a revogação da douta sentença recorrida, como é de LEI E JUSTIÇA.» Foram apresentadas contra alegações com o seguinte quadro conclusivo: «1.º Deverá ser mantida a sentença proferida pelo Mm. Juiz a quo; 2.º A “bolsa de formação” em causa de natureza remuneratória deve ser considerada compensatória, pelo desiderato último que subjaz à sua criação – a supressão de necessidades de recursos humanos em zonas de maior carência; 3.º A “bolsa de formação” não integra o conceito de rendimento para efeitos de IRS pelo que não é sujeita a tributação; 4.º Admitindo por mera defesa de patrocínio que a “bolsa de formação” é considerada rendimento, ainda assim, perfilhar-se do entendimento que jamais poderá - em circunstância alguma – ocorrer a tributação, posto o reembolso de todas as quantias/valores obtidos.» O Ministério Público, neste STA, a fls. 159 dos autos, emitiu parecer com o seguinte conteúdo: «1 – AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA vem recorrer da douta sentença proferida nos autos, a fls.124 a 131, que julgou procedente a presente impugnação considerando que o montante auferido pelo impugnante a título de bolsa de formação e aqui em causa não integra o conceito de rendimento para efeitos de IRS. Decisão com a qual a recorrente se não conforma.
Para tanto, alega nos termos conclusivos que constam de fls. 141 a 143 vº, e, em síntese, entende que a decisão “a quo” peca por de erro de...
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