Acórdão nº 23189/15.0T8LSB.L1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Julho de 2019
Magistrado Responsável | OLINDO GERALDES |
Data da Resolução | 11 de Julho de 2019 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – RELATÓRIO AA, S.A., instaurou no Juízo Central … de Lisboa, Comarca de Lisboa, contra BB - Fundo de Investimento Imobiliário Fechado, representado por CC - Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, S.A.
, ação declarativa, sob a forma de processo comum, pedindo que o Réu fosse condenado a pagar-lhe a quantia de € 6 650 389,41, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral e efetivo pagamento.
Para tanto, alegou em síntese, que o R. não lhe pagou, como estava acordado, o preço final acordado pelo fundo, no montante de € 6 650 389,41, não obstante ter sido solicitado.
Contestou o Réu, por exceção, arguindo a sua ilegitimidade, e por impugnação, alegando a inexigibilidade do direito de crédito, nomeadamente por ainda não se ter logrado a venda de todas as frações, e concluiu pela improcedência da ação.
A A. respondeu à matéria de exceção.
Foi proferido o despacho saneador, julgando-se improcedente a exceção de ilegitimidade, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova, de que reclamou, com parcial êxito, a A.
Depois de realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida, em 20 de julho de 2017, a sentença que, julgando a ação improcedente, absolveu o Réu do pedido.
Inconformada, a Autora apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 12 de abril de 2018, julgou a apelação improcedente e confirmou a sentença.
Ainda inconformada, a Autora recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo formulado essencialmente as conclusões:
-
O acórdão em crise é nulo à luz da alínea c) do n.º 1 do art. 615.º do CPC.
-
Mal andou a Relação ao afastar, perante os factos, o conhecimento do R. de que o preço de venda, constante da escritura a que se reporta o facto 27, corresponde apenas a 30 % do valor que, àquela data, era considerado o valor de referência do imóvel, sendo que tal valor seria ajustado, uma vez que fossem alienadas todas as frações construídas no imóvel Parque ….
-
O acórdão mal decidiu ao aplicar as normas que conformam o regime da simulação – artigos 240.º e seguintes do CC.
-
O acórdão recorrido permite um ganho para o R., não apenas injustificado mas, sobretudo, injusto, que não deve ser tolerado à luz dos princípios da tutela da confiança (que proíbe o venire contra factum proprium) e da materialidade subjacente, nos termos e para os efeitos do previsto no art. 334.º do CC.
-
O R. ficou vinculado a todo o teor da cláusula 7.ª do Protocolo de Investimento desde a sua constituição e ulterior venda do imóvel Parque … pela A.
-
É incorreta a interpretação e aplicação dos artigos 232.º e 233.º do CC, os quais corretamente aplicados e interpretados, tendo em consideração o artigo 217.º do mesmo Código e a matéria de facto assente, conduzem à conclusão de que o R. aceitou e vinculou-se perante a A. ao cumprimento dos n.º s 2 e 3 da cláusula 7.ª do Protocolo de Investimento, acordado entre os seus participantes e implementado pela sociedade gestora.
Com a revista, a Recorrente pretende a revogação do acórdão recorrido.
O Réu contra-alegou, no sentido da improcedência do recurso.
Por acórdão de 12 de julho de 2018, a Relação concluiu pela improcedência da nulidade do acórdão.
Por despacho do primitivo relator, de 10 de abril de 2019, não foi admitida a revista normal.
Depois, por acórdão da Formação a que alude o art. 672.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), de 6 de junho de 2019, foi admitida a revista excecional, ao abrigo do art. 672.º, n.º 1, alínea a), do CPC.
Redistribuído o processo e corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
Nesta revista, para além da nulidade do acórdão recorrido, está em discussão, essencialmente, a falta de uso de presunção judicial, a simulação e o abuso do direito.
II – FUNDAMENTAÇÃO 2.1. No acórdão recorrido, foram dados como provados os seguintes factos: 1.
A A. dedica-se à construção e exploração de hotéis, termas, casinos, parques, jardins e jogos desportivos, praticando em geral todos os atos tendentes ao desenvolvimento do turismo em Portugal, podendo também dedicar-se à gestão de empreendimentos imobiliários ou de participações financeiras noutras empresas, à exploração e administração de bens móveis ou imóveis, próprios ou alheios, e exploração de jogos de fortuna ou de azar.
-
O R. é um Fundo de Investimento Imobiliário Fechado, autorizado pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários em 14 de dezembro de 2006 e constituído em 20 dezembro de 2006.
-
Nos termos do artigo 2.º, n.º 1, do regulamento de gestão, o R. é administrado, gerido e representado pela CC - Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, S.A.
-
A CC tem como objeto social a “administração, gestão e representação de fundos de investimento imobiliário”.
-
O R. foi constituído com um capital inicial de € 10 500 000,00, a que correspondiam 10 500 unidades de participação (UP's).
-
No dia 17.01.2014 foi comunicada à CMVM a redução do capital do Fundo no montante de € 2 814 614,88, correspondente a 2 800 UP's, passando o capital do Fundo a ser de € 7 740 191,21.
-
No dia 07.07.2014 foi comunicada à CMVM a redução do capital do Fundo, representado por 7 700 unidades de participação, para o montante de € 6 391 614,59, representado por 5 700 unidades de participação, por extinção de 2 000 unidades de participação, na proporção das participações detidas pelas duas participantes do Fundo, mantendo estas as mesmas proporções nas suas participações no novo capital.
-
A A. é uma das participantes no Fundo e é titular de UP's correspondentes a 55 % do capital.
-
Aquando da constituição do Fundo, a A. subscreveu 5 775 UP's, as quais manteve até à redução de capital referida em 6.
-
Atualmente, fruto das aludidas reduções, a A. detém 3 135 UP's no atual capital do Fundo, correspondentes a 55 % do capital.
-
Para além da A., o Fundo sempre teve apenas um outro participante, detentor de UP's correspondentes a 45 % do capital.
-
Aquando da constituição do fundo e até dezembro de 2010, o outro participante do Fundo era a DD - Sociedade de Gestão Imobiliária, Lda, que subscreveu 4 725 UP's no capital.
-
Em 30.04.2008, a DD foi redenominada EE - Imobiliária, S.A.
-
Desde pelo menos fevereiro de 2006, a EE é maioritariamente detida (95,42 %) pela FF, S.A.
-
A FF foi posteriormente redenominada, por deliberação registada em 02.01.2008, EE – Engenharia, S.A.
-
Apesar da A. ter acordado inicialmente com a FF (em sede de Protocolo de Investimento assinado em 14.11.2005) que esta seria coparticipante no Fundo a constituir, as 4 725 UP's que lhe caberiam no Fundo acabaram por ser inicialmente subscritas pela EE (então DD), por indicação da própria FF (e nos termos admitidos no mencionado Protocolo).
-
Por contrato celebrado em 23.12.2010, entre a EE e a GG Investments, S.A., com sede no …, a primeira transmitiu à segunda as 4 725 UP'S que detinha no R.
-
No que respeita à administração, gestão e representação do Fundo, foi nomeada, aquando da sua constituição, a HH, S.A..
-
Em 31.01.2011, os participantes do Fundo aprovaram a substituição da HH pela CC e a alteração, em 14.07.2011, do regulamento em conformidade.
-
Na origem da criação do R. esteve um projeto de investimento conjunto da A. e da FF, que decidiram implementar através da criação de um Fundo de Investimento Imobiliário Fechado, a conselho e sob as diretrizes técnicas da ESAF.
-
Com data de 14.11.2005, a A. e a FF subscreveram o denominado “Protocolo de Investimento”, cuja cópia consta a fls. 174/182 dos autos, onde consta, para além do mais, “(...) Considerando que:
-
A primeira contraente é dono e legítima proprietária dos seguintes imóveis: a) Prédio sito na freguesia do … (...) identificado por “….” (...); b) Prédio sito na freguesia do …, concelho de …, identificado por “Parque BB”, com área de 6 070 m2 (...), relativamente ao qual foi apresentado Projeto de construção de um edifício, destinado a habitação, comércio e parque de estacionamento, sendo 8 177 m2 referentes a habitação, 177,10 m2 referentes a comércio, 421,15 m2 para equipamento, com área bruta de construção referentes a parque de estacionamento subterrâneo e arrecadações, o qual foi aprovado em 11.03.05 pela Câmara Municipal de …, estando a respetiva licença de construção a pagamento; (...) D) Dada a dimensão dos empreendimentos, as contraentes consideram ser do seu mútuo e recíproco interesse agruparem-se com vista à prática de actos, materiais e jurídicos, inerentes ao desenvolvimento destes; foi ajustado e pelo presente documento levado a efeito o contrato que se rege pelas cláusulas e condições seguintes: Cláusula 1.ª (Objeto do contrato): Pelo presente contrato, as contraentes acordam em agrupar-se com vista à realização dos atos, materiais e jurídicos, inerentes ao desenvolvimento dos empreendimentos identificados nas alíneas a) e b) do Considerando A). Cláusula 2.ª (Concretização do Objeto do Contrato): O objeto do contrato será concretizado: a) Pela constituição de fundo de investimento imobiliário fechado de subscrição particular, denominado "BB - Fundo de Investimento Imobiliário Fechado", adiante designado apenas por BB, o qual será o proprietário dos imóveis identificados nas alíneas a) e b) do Considerando A), para neles promover a aprovação de projetos, construção, gestão, coordenação, fiscalização, comercialização e/ou exploração dos empreendimentos; b) Pela gestão do BB, que ficará a cargo de sociedade gestora de fundos imobiliários, sociedade gestora esta que será escolhida por acordo de ambas as contraentes; c) Pela constituição de uma sociedade de prestação de serviços, adiante designada apenas promotora, a qual prestará ao BB serviços nas áreas de promoção, gestão, coordenação e fiscalização de obras (...).
Cláusula 3.ª (Participação de cada contraente): 1: As contraentes participam no presente contrato, bem como no BB em que este se concretiza, nas seguintes proporções: a 1.ª contraente, em 55 %; a 2.ª...
-
-
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO