Acórdão nº 678/17.6T8PTG.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelGRAÇA AMARAL
Data da Resolução10 de Setembro de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça, I – relatório 1. AA, S.A. propôs contra BB, CC, DD e EE, acção declarativa com processo comum pedindo que se declare, em relação a si, a ineficácia da doação do imóvel (com reserva do direito de uso e habitação e com dispensa de colação por conta da quota disponível, celebrada por escritura pública em 15-06-2012) efectuada pelos dois primeiros Réus em favor dos seus filhos (os 3.º e 4.º aqui Réus), com a restituição do referido bem na medida do seu interesse por forma a ser paga do crédito que tem sobre os 1.º e 2.º Réus.

Alegou para o efeito e fundamentalmente: - ser credora dos 1.ª e 2.º Réus em resultado de aval prestado pelo 2.º Réu a cinco contratos de abertura de crédito em conta corrente, um contrato de garantia bancária e um contrato de mútuo, celebrados entre a Autora e várias sociedades, bem como do aceite de dois descontos comerciais e da celebração, na qualidade de mutuário, de um contrato de crédito à habitação; - encontrarem-se os referidos contratos em situação de incumprimento, tendo para o efeito intentado acção executiva destinada ao pagamento das quantias em dívida; - não ter conseguido obter a satisfação do seu crédito no âmbito da referida execução; - não terem os 1.ª e 2.º réus procedido ao pagamento dos montantes em dívida, tendo celebrado doação de imóvel a favor dos filhos que seria passível de satisfazer parcialmente as quantias em dívida.

Invocando que da prática do acto de doação resulta a impossibilidade de obter a satisfação do seu crédito face à inexistência de outros bens que possam responder pela dívida, concluiu pela procedência da acção.

  1. Citados os Réus contestaram impugnando a existência dos pressupostos para a procedência da acção, tendo também invocado a litigância de má fá por parte da Autora.

  2. Após convite para aperfeiçoamento da petição inicial (despacho de 21-09-2017 – fls. 388), a Autora apresentou petição inicial aperfeiçoada onde especificou o concreto valor do crédito invocado.

  3. Em resposta os Réus arguiram a ineptidão da petição inicial e sustentaram a não admissão do novo articulado apresentado.

  4. Realizou-se audiência prévia (fls. 489/492 e 502/505) onde foi fixado o valor da causa e proferido despacho saneador que considerou não verificada a ineptidão da petição inicial, relegando para final o conhecimento das excepções de prescrição do crédito da autora, da caducidade do direito de acção, da inexigibilidade do crédito à data do negócio impugnado, da falta de preenchimento das livranças e da falta dos 1.º e 2.º Réus avalistas. Foi identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.

  5. Após julgamento foi proferida sentença (19-05-2018) que julgou a acção improcedente, os Réus absolvidos do pedido e não verificada a invocada litigância de má-fé por parte da Autora.

  6. Apelou a Autora tendo o Tribunal da Relação de Évora proferido acórdão (de 08-11-2018) que julgou a apelação procedente e, em consequência, revogando a sentença, declarou “a ineficácia, em relação à autora AA, S.A., da doação aos réus DD e EE, através de escritura lavrada a 15-06-2012, com reserva do direito de uso e habitação e com dispensa de colação por conta da quota disponível, do prédio urbano sito na Avenida … Lote 1, em ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º …, da referida freguesia, e inscrito na matriz respetiva sob o artigo ..., podendo a autora executar o prédio doado na medida da satisfação do seu crédito”.

  7. Os Réus interpuseram recurso de revista defendendo que o tribunal recorrido efectuou uma incorrecta interpretação e aplicação dos artigos 610.º, e 611.º, do Código Civil. Invocaram para o efeito e essencialmente nas respectivas conclusões: ü não se encontrar demonstrado no processo o valor do crédito da Autora à data do negócio impugnado; ü ainda que se tivesse em consideração o valor inicial dos contratos elencados nos factos provados, está apurado nos autos (pontos 2, alíneas 6) e 7), 8 a 16 dos factos provados) que o obrigado possui bens penhoráveis de valor igual ou maior que o crédito da Autora; ü as obrigações de que os 1.º e 2.º Réus são os únicos obrigados são as que se encontram indicadas nas alíneas 6) e 7) do ponto 2 (aceite de desconto comercial em 30-05-2013, no valor de 40.811,56€ e aceite de desconto comercial em 13-05-2013, no valor de 1.600,00€) e são posteriores ao negócio impugnado, pelo que não se pode inferir que a doação teve como objectivo ou resultado impossibilitar ou agravar a situação de impossibilidade da satisfação do crédito da Autora; ü o obrigado, para efeitos do artigo 611.º, do Código Civil, é aquele que se encontra adstrito ao cumprimento de obrigações, devendo considerar-se que se o obrigado principal, como acontece no caso, possuir bens penhoráveis de igual ou maior valor do que o crédito não pode o credor impugnar negócios (ainda que gratuitos) celebrados pelos garantes; ü porque à data da celebração do acto impugnado ainda não se verificava qualquer situação de incumprimento para com a Autora e resultando provado que nessa altura os devedores dispunham de bens avaliados em 4.568.565,00€, há que concluir que com aquele negócio não resultou a impossibilidade ou o agravamento do crédito da Autora; ü é entendimento pacífico na doutrina e posição unânime na jurisprudência ser a data do negócio a data de referência para se avaliar se o acto impugnado teve efeitos nefastos para a impossibilidade ou agravamento de obtenção da satisfação do crédito por parte do credor; ü a Autora não alegou nem demonstrou a impossibilidade de satisfação do seu crédito com referência à data do acto impugnado porquanto nessa data existiam bens no património dos devedores avalizados de valor amplamente suficiente à satisfação do crédito.

  8. Em contra alegações a Autora defende a improcedência do recurso.

    II – APRECIAÇÃO DO RECURSO De acordo com o teor das conclusões das alegações (que delimitam o âmbito do conhecimento por parte do tribunal, na ausência de questões de conhecimento oficioso – artigos 608.º, n.º2, 635.º, n.4 e 639.º, todos do Código de Processo Civil – doravante CPC) mostra-se submetida à apreciação deste tribunal a seguinte questão: ð Da (in)verificação do requisito da impugnação pauliana: impossibilidade da satisfação do crédito ou o seu agravamento 1. Os factos 1.1 provados 1 - A Autora – AA, S.A. - tem por objecto o exercício da actividade bancária nos mais amplos termos por lei permitidos.

    2 - No âmbito dessa actividade a Autora celebrou com o Réu CC, na qualidade de avalista, aceitante e mutuário dez contratos a saber: 1) Na qualidade de avalista da FF Lda., em 18.12.2007 um contrato de abertura de crédito em conta corrente no valor de € 50.000,00 (cinquenta mil Euros) 2) Na qualidade de avalista da GG Lda., em 23.04.2007 um contrato de abertura de crédito em conta corrente no valor de € 100.000,00 (cem mil Euros) 3) Na qualidade de avalista da HH Lda., em 23.04.2007 um contrato de abertura de crédito em conta corrente no valor de € 50.000,00 (cinquenta mil Euros) 4) Na qualidade de avalista da II Lda., em 23.04.2007 um contrato de abertura de crédito em conta corrente no valor de € 50.000,00 (cinquenta mil Euros) 5) Na qualidade de avalista da FFL da., em 12.05.1995 um contrato de garantia bancária no valor de € 6234,97 (seis mil duzentos e trinta e quatro Euros e noventa e sete cêntimos) 6) Na qualidade de aceitante de um desconto comercial., em 30.05.2013 no valor de €40811,56...

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