Acórdão nº 17359/17.3T8PRT-A.P1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Setembro de 2019

Data10 Setembro 2019
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção): Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), notificada que foi da decisão do relator neste Supremo que julgou improcedente a reclamação que apresentou contra a decisão do relator que, na Relação do Porto, não admitiu o recurso de apelação que ali interpôs, vem requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão.

+ Não se mostra oferecida resposta à reclamação, mas o Autor AA veio dizer “que se revê inteiramente nos fundamentos da douta decisão singular, nada mais tendo a acrescentar”.

+ A decisão do relator neste Supremo é do seguinte teor: «Movemo-nos no âmbito do incidente (como tal qualificado inclusivamente pela lei, art. 135.º, n.ºs 2 e 3 do CPPenal) de escusa em decorrência de sigilo profissional.

Este incidente compõe-se de três momentos processuais: o primeiro consiste na invocação da escusa, o segundo na verificação da legitimidade ou ilegitimidade da escusa e o terceiro (concluindo-se pela legitimidade da escusa) na decisão sobre a dispensa do dever de sigilo. A circunstância do tribunal competente para decidir sobre a quebra do sigilo ser o tribunal superior àquele onde o incidente é suscitado não transforma o incidente numa causa autónoma.

Deste modo, não pode ser subscrita a conveniente tentativa da Reclamante em direcionar o recurso que interpôs para uma apelação, de forma a dar respaldo à admissibilidade do recurso.

Não porque, bem entendido, não possa haver recurso de apelação para o Supremo de um acórdão da Relação (diz bem a Reclamante quando diz que o recurso de apelação é independente da natureza hierárquica do tribunal, tendo por objeto as decisões proferidas em primeira instância, e daqui que se a Relação funciona como tribunal de primeira instância, o recurso para o Supremo é, salvo estipulação da lei em sentido diverso, de apelação e não de revista[1]).

Mas sim, porque se está perante um recurso de decisão proferida no âmbito de um incidente da causa. E não perante uma causa autónoma decidida em primeira instância pela Relação. Logo, a admissibilidade do recurso para o Supremo tem que ser equacionada á luz do art. 671.º do CPCivil (recurso de revista), e não à luz do recurso de apelação.

Ora, a decisão recorrida apreciou uma decisão interlocutória que recaiu sobre a relação processual. Como nos diz, crê-se que também com utilidade para o caso, Abílio Neto (Novo Código de Processo Civil Anotado, 3ª ed., pp. 829 e 830) «A locução “decisões interlocutórias” (…) abarca as decisões judiciais que não põem fim ao processo, ou, dito de outro modo mais rigoroso, que, embora apreciando questões autónomas, não extinguem a instância. Não se trata de decisões finais, mas, antes, de decisões intercaladas, que tanto podem decidir questões de forma como questões de índole material. Em suma, abrange qualquer questão de natureza incidental que surja no decorrer do processo.» Julga-se ser o que se passa na hipótese aqui sujeita.

E, sendo assim, como efetivamente é, aplica-se ao caso o n.º 2 do art. 671.º do CPCivil, não havendo que trazer à colação o que quer que seja que tenha a ver com o recurso de apelação.

É certo que a letra dessa norma aponta para a apreciação de uma decisão interlocutória da 1ª instância, decisão esta que no caso inexiste (a decisão da Relação foi proferida ex novo, e não por via de um recurso sobre uma prévia decisão da 1ª instância).

Porém, é preciso ter presente aquilo que se julga ser o definitivo espírito da lei. A lei entende que em matéria de decisões interlocutórias que recaiam sobre a relação processual não se justifica ir para além do tribunal da Relação, de modo que não é admitida a intervenção do grau superior à Relação (o Supremo).

Note-se que, diferentemente do que parece pensar a Reclamante, irreleva em absoluto para o caso que haja ou não dupla conforme. O n.º 2 do art. 671º parece ser bem claro sobre isso. O que é fundamental não é que tenha havido uma apreciação sucessiva da mesma questão, mas sim que a Relação se tenha pronunciado, sendo definitivo esse pronunciamento (salvas as exceções legais previstas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 671.º, mas que aqui não concorrem e que, de resto, nem sequer foram invocadas pela Recorrente).

E isso cumpre-se no caso vertente.

Mas mesmo que assim se não vejam as coisas, sempre se afigura que o n.º 2 do art. 671.º do CPCivil deve ser interpretado extensivamente, de forma a abranger na sua previsão a hipótese aqui em causa.

É que estamos perante uma hipótese de decisão interlocutória sui generis, proferida no contexto de um incidente compósito (no sentido de participarem nele duas instâncias) suscitado para todos os efeitos na 1ª instância, formado pelos supra citados três momentos, e sobre que recaiu o pronunciamento do tribunal de 2º grau (a Relação). Nestas circunstâncias, a lógica aponta para que aquela norma deva ser interpretada no sentido de abarcar os acórdãos da Relação que decidam o que lhes compete decidir no contexto desse incidente compósito.

Neste Supremo Tribunal de Justiça já se decidiu (acórdão de 5 de julho de 2018, processo n.º 842/11.1TBVNO-B.E1-A.S1, relator Abrantes Geraldes, disponível em www.dgsi.pt) de forma a recusar a admissibilidade de recurso para o Supremo do acórdão da Relação que se pronunciou sobre a quebra do sigilo profissional. Aí se mostra escrito, e subscreve-se, que: “A delimitação do recurso de revista é regulada pelo art. 671º do CPC, norma da qual não deriva a possibilidade de ser impugnada por essa via o acórdão da Relação proferido no âmbito de um qualquer incidente da instância (…).

Não existe motivo algum para excecionar desse...

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