Acórdão nº 454/19 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Agosto de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução27 de Agosto de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 454/2019

Processo n.º 745/19

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que são recorrentes A., B. e C. e é recorrido o Ministério Público, os primeiros vieram interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), da decisão proferida por aquele Tribunal no dia 19 de junho de 2019, que, concedendo provimento parcial ao recurso interposto pelos arguidos de acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, decidiu condenar:

a) O arguido A. na pena única de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão pela autoria de um crime de corrupção passiva, p. e p. pelo disposto no artigo 373.º, n.º 1, do Código Penal (CP), de um crime de violação de segredo de justiça, p. e p. pelo disposto no artigo 371.º, n.º 1, do CP, e de um crime de recebimento indevido de vantagem, p. e p. pelo disposto no artigo 372.º, n.º 2, do CP, bem como por cumplicidade na prática de um crime de lenocínio, p. e p. pelo disposto no artigo 169.º, n.º 1, do CP, e de um crime de auxílio à emigração ilegal, p. e p. pelo disposto no n.º 2 do artigo 183.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho.

b) O arguido B. na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática, em coautoria, de um crime de lenocínio, p. e p. pelo disposto no artigo 169.º, n.º 1, do CP, de um crime de auxílio à imigração ilegal, p. e p. pelo disposto no artigo 183.º, n.º 2, da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, e de um crime de corrupção ativa, p. e p. pelo disposto no artigo 374.º, n.º 1, do CP, bem como pela autoria de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo disposto no artigo 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro;

c) O arguido C. na pena única de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão pela prática de pela prática, em coautoria, de um crime de lenocínio, p. e p. pelo disposto no artigo 169.º, n.º 1, do CP, de um crime de auxílio à imigração ilegal, p. e p. pelo disposto no artigo 183.º, n.º 2, da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, e de um crime de corrupção ativa, p. e p. pelo disposto no artigo 374.º, n.º 1, do CP.

2. Os arguidos recorreram separadamente do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, mas os seus recursos são absolutamente idênticos, como pode concluir-se a partir de uma análise das fls. 3878 a 3890, 3905 a 3913 e 3928 a 3935 dos autos, de que constam as conclusões de tais recursos.

Tomando como referência as conclusões do recurso do arguido A. – em razão de um critério neutro que atende à ordem por que se apresentam nos autos aquelas três peças –, o conteúdo que para aqui releva é o seguinte:

«1 - «Constituem limites ao principio da livre apreciação da prova não só as regras da experiência comum, como também as disposições que estabeleçam, designadamente, uma valor probatório especial, para cenas, provas ou, simplesmente, condicionam ou proíbam a sua produção e/ou valoração, como é, v.g., o caso dos art.s 163º nº l, 129º e 355º do C.P.P..

Se o tribunal valorar a prova contra todos os ensinamentos da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados ou apresar de proibições legais, incorre, inquestionavelmente, em erro na apreciação da prova.

Logo, se esse erro for notório e resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, consubstanciará vício da matéria de facto que, podendo ser invocado como fundamento do recurso mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal «ad quem» á matéria de direito, e, também, do conhecimento oficioso.

Assim sendo, torna-se já evidente que ao valorar prova contra proibição legal da sua valoração e ao alicerçar nela no essencial, a sua convicção sobre a verdade dos factos, tudo como inequivocamente resulta do texto da decisão recorrida, o tribunal «a quo» incorreu em erro notório na apreciação da prova que determina a anulação do acórdão recorrido e o reenvio do processo para novo julgamento sobre a totalidade do seu objeto – 426º,410 n.º 2 c) e 436º do C.P.P ..» - Ac. STJ de 02.10.1996, In BMJ, 460,540.

2 - Dão-se como provados fados que face ás regras da experiência comum e á lógica de um homem médio, não se poderiam ter verificado.

3 -Por tudo o que ficou dito se pode concluir que até o principio in dúbio pro reo foi violado, uma vez que, em caso de dúvida, o tribunal optou por condenar o arguido A..

4 - Com efeito, da prova produzida, no mínimo subsistiam dúvidas razoáveis quanto à sua verificação.

5 - Impunha-se ao tribunal «a quo», quer quanto à decisão sobre a matéria de facto, quer quanto ao direito a aplicar, socorrer-se do «princípio in dubio pro reo».

6 - «... Nesta perspetiva, a violação do principio In Dúbio pro reo pode e deve ser tratado como um erro notório na apreciação da prova, quando do texto recorrido, decorra, por forma mais que evidente, que o coletivo, na dúvida, optou por decidir contra o arguido» - Ac. STJ de 15.04.1998, In BMJ, 476, 82.

7 - Desta forma, o Douto Acórdão recorrido enferma de Erro Notório na apreciação da prova, devendo ser declarada a nulidade, nos termos do art.º 379º do C.P.P.

8 - Quanto às interseções telefónicas, nomeadamente à conversa entre presentes, a Defesa só teve acesso e ouviu o CD em causa, aquando do decurso do prazo para responder ao Recurso do Ilustre Representante do Ministério Publico, tendo logo, nessa resposta invocado a nulidade, uma vez que chegou à conclusão que a transcrição não está fiel ao que foi realmente dito, até deturpando o seu real sentido.

9 - Senão vejamos:

No Auto de Transcrição de Conversações efetuado pelo Insp. Helder Fonseca a 24.01.2017, por referência a uma conversa entre partes entre os arguidos A./ C. , em 23.01.2017 pelas 16H02, refere-se:

M - Foi Sábado o serviço ao D.?

A - O D.?

M - E ... na terça foi à esquadra, por isso segunda e terça não saiu e disse que eu estava no atendimento e eu agora queria saber ...

10 - Este trecho, ouvida a gravação pela Defesa, não existe, não se conseguiu ouvir em lado nenhum.

11- E continua,

A - Mas isso não é envolvido porquê?

12 - Ora esta expressão do arguido C. vem na sequência do que refere o arguido A. e que não foi sequer transcrito:

M: Isto é assim. Foi a advogada, por isso foram ver se me conheciam ou não conheciam e ela diz que um deles, o E., o D. e diz que eu estava envolvido. E agora, eu queria saber.

13 - E continua a transcrição:

M: Eu sinceramente ...

14 - Quando na realidade é dito:

M - Eu sinceramente até me passo.

15 - E continua:

A: O F. é que te ofereceu ... o telemóvel que eu te dei. Ele o F., ofereceu-te

M - Mas não me ofereceu. E para descontar na minha ...

16 - Na realidade o que foi dito:

A-Agora, não era o F. que te ofereceu o telemóvel que te dei

M: Ele, o F. ofereceu-me (. .. )

A: O F. ofereceu.

M: Pois ofereceu-me, mas era para descontar na dívida.

17 - Como se conclui é bem diferente!

18 - E continua:

A: Claro e não só ... e por azar pediu-me a mim pra to comprar com o meu cartão.

M: Ai foi? Ui ... já está tudo [adido, então, já está tudo fodido ...

A: Não ... o problema é que todos os telefones que o F. comprou, pediu-me a mim, que eu tenho o cartão [umbo, estás a perceber? Tenho o cartão J…

19 - Até aqui tudo bem, mas continua:

M: já está. Puta que pariu ...

A - O problema é que o que eu vi ali isto ... não tem um baixo ... não tem.

M - E comigo tem, à conta do outro gajo.

20 - O que se ouve na gravação é bem diferente:

M: Ui ... já está ... ui ui, eles agora vão fazer um filme. Já vi.

A: O problema é que o que eu vi ali, não tem nenhuma lógica, não tem.

M: E comigo tem? ... há quanto tempo eu não te vejo?

21- E continua:

A: O F. não, o F. teve uma má postura, pronto. Imagina, eu tenho, devo ao

G., o mecânico.

M: Não estou a ver quem é.

A: Lá de …. Óh pá e eu (impercetível) da minha Ex-Mulher, ó pá, passei-lhe um

cheque, pus lá, apontamento, G. 500€, mas foi o cheque passado e que eu dei a ele,

isso já para aí há 2 anos. Claro, qualquer coisa G. vai logo ter a ti. E não tem nada a

ver. É complicado isto .. .foda-se.

22 - Na realidade referem:

A: Lá de …. Óh pá e eu quando tinha a minha Ex-MuI11er, óh pá, passei-lhe um cheque, pus

lá apontamento, G. 500€, mas eu tenho o cheque passado e tudo que dei a ele. Óhz pá, isto já para aí há 2 anos.

M: G.?

A: Claro, qualquer coisa G., vai logo para ti e não tem nada a ver. É complicado isto ... fodase.

23 - Terminando:

M: Isto dá para ficar em prisão preventiva, prisão preventiva. E entretanto o tempo passa. E estava muito preocupado, fiquei mais lixado com a minha mulher me disse um dia ainda te vou mandar dar, recebeu um choque (…) e devem-me tirar os trefungos.

24 - Na realidade foi dito:

M: Isto é uma coisa para ficar em prisão preventiva, a indicação é prisão preventiva. Eu até me passo. Eu estava muito preocupado, fiquei mais relaxado quando a minha Mulher me disse que não havia problema, íamos dar a volta, isto é um choque (…) para a Mulher e devem-me tirar de funções.

25 - Como se pode concluir, a transcrição não corresponde a maior parte das vezes ao que foi dito, deturpando inclusive o seu sentido, o que implica a nulidade.

26 - Aqui chegados, não resta senão ponderar as consequências do desrespeito das formalidades consagradas no artigo 188.º do Código de Processo Penal. Preceitua-se no artigo 190.º do mesmo compêndio legal que «Os requisitos e condições referidos nos artigos 187.º, 188.º e 189.º são...

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