Acórdão nº 00968/10.9BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 12 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelRog
Data da Resolução12 de Julho de 2019
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: CHDV, E.P.E.

, veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença de 10.05.2017 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, pela qual foi julgada procedente a acção administrativa especial que EMAA intentou contra o Recorrente, com vista à anulação da deliberação de 10.02.2010, do Conselho de Administração do Recorrente, que lhe aplicou, na sequência de processo disciplinar, uma pena de demissão, nos termos da alínea o) do artigo 18º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas.

Invocou para tanto e em síntese que o processo disciplinar não enferma de nenhuma irregularidade ou nulidade, não se verificando o vício de violação de lei em que se funda a decisão recorrida para anular a deliberação impugnada.

*A Recorrida não apresentou contra-alegações.

*O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

*Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.

*I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: 1. O processo disciplinar não enferma de nenhuma irregularidade ou nulidade, ao contrário do que entendeu a sentença recorrida.

  1. A acusação movida contra a recorrida cumpre com o preceituado no artigo 48º/3 do ED, possuindo em si todos os elementos essenciais aí exigidos, nomeadamente a indicação dos factos integrantes da mesma, as circunstancias de tempo, modo e lugar da prática das infracções e das que integram atenuantes e agravantes, fazendo também referência aos preceitos legais respectivos e às penas aplicáveis.

  2. Para além disso, a acusação cumpre com a sua função principal, conforme é jurisprudencialmente referido, que é a de dar a conhecer à arguida os factos que lhe são imputados de modo a que esta possa reagir contra tais imputações e exercer esclarecidamente o seu direito à defesa.

  3. O que a recorrida fez, pois exerceu cabalmente esse direito, demonstrando ter compreendido perfeitamente o teor da acusação e o que se discutia no seu âmbito.

  4. E fê-lo sem que houvesse alguma vez suscitado qualquer tipo de nulidade da acusação até à deliberação final, o que, por força do preceituado no artigo 37º/2 do ED, leva a que, a existir a alegada nulidade, a mesma se teria que dar como suprida, pelo que a sentença violou o indicado artigo.

  5. Por sua vez, a acusação e o Relatório Final realizado pela Sra. Instrutora nomeada está em perfeito cumprimento com o disposto no artigo 18º do ED, nomeadamente no que se refere à demonstração da inviabilização da manutenção da relação funcional, porquanto é a mesma manifesta.

  6. Com efeito, dos factos transcritos nos referidos articulados e de toda a prova produzida no processo disciplinar em crise, é notório que a referida relação se encontra impossibilitada de subsistir, e o elemento subjectivo da inviabilidade da manutenção da relação funcional, que funciona como pressuposto da aplicação da medida da pena de demissão, encontra-se devidamente ponderado pela Sra. Instrutora.

  7. A conduta ímproba da recorrida não só abalou a relação de confiança com a entidade patronal, como também a existente com os seus colegas de trabalho.

  8. Está aqui efectivamente posto em causa o interesse público da administração de cuidados de saúde, pois não haverá ninguém que compreenda como é que, mormente numa área tão sensível e universal como é a da saúde, e perante a gravidade do comportamento da recorrida, possa a mesma se manter a trabalhar no CHEDV, por o processo disciplinar de que foi alvo não ser válido por meras questões de interpretação de formalismo exacerbadas, não obstante o processo disciplinar estar de acordo com a lei.

  9. Como é jurisprudencialmente inculcado, neste tipo de processos disciplinares haver uma maior flexibilidade formalística e menor exigência de rigor, e, por via disso, em relação a determinadas infracções, por serem muito graves, o que é o caso, não é exigível que a demonstração do indicado elemento seja feita de forma elevada, mas sim mais ligeira ou quase inexistente, através, também, de juízos implícitos.

  10. Pelo que carece a sentença de razão ao afirmar que não se encontra demonstrado no processo disciplinar em crise que a relação funcional não é mais viável.

  11. Resulta ainda provado no processo disciplinar que a recorrida se apropriou do medicamento psicotrópico Petidina.

  12. Com efeito, quer no processo de inquérito quer no subsequente processo disciplinar, constam diversos elementos de prova dos factos imputados à recorrida e que aparecem mencionados quer no relatório do instrutor do Processo de Inquérito, quer no Relatório Final da Sra. Instrutora do Processo Disciplinar.

  13. Aliás foi confessado pela recorrida que nos dias 28, 29 e 30 de Setembro de 2009 retirou três unidades do estupefaciente Petidina e que assinou em nome dos seus colegas, sem conhecimento destes e sem as suas autorizações, criando depois uma estória na tentativa de disfarçar e encobrir a situação, a qual notoriamente não corresponde à verdade.

  14. Analisada toda prova de acordo com o princípio da livre apreciação da prova e segundo as regras da razoabilidade, experiência e razão, o juízo feito pela Sra. Instrutora traduz-se na única leitura possível face à matéria factual existente, pelo que o mesmo não deve ser alvo de censura, carecendo, também aqui, a sentença de razão.

  15. Pelo exposto, impõe-se a revogação da sentença recorrida, julgando válida a deliberação impugnada quanto aos indicados vícios.

  16. Em conformidade com o artigo 149º do CPTA, cumpre ainda abordar os restantes vícios apontados pela recorrida na petição inicial.

  17. Não tem razão a recorrida ao dizer que no processo disciplinar ocorreu uma omissão de diligências por parte da Sra. Instrutora que não teria requerido exames às faculdades mentais da arguida nos termos do art. 50º/4 do ED.

  18. Com efeito, esse preceito dispõe que «Quando o instrutor tenha dúvidas sobre se o estado mental do arguido o inibe de organizar a sua defesa, solicita uma perícia psiquiátrica nos termos do n.º 6 do artigo 159.º do Código de Processo Penal, aplicável com as necessárias adaptações.» 20. Ou seja, os pressupostos da realização da diligência em causa por iniciativa do instrutor do processo disciplinar são a existência de dúvidas sobre se o estado mental do arguido o inibe de organizar a sua defesa, o que manifestamente não é o caso, pois a recorrida prontamente constitui advogado após ser notificada da acusação, que consultou o processo e apresentou a sua defesa, pelo que não há qualquer indício ou conduta por parte da recorrida indiciadora de o seu estado mental a inibir de organizar a sua defesa, pois comportou-se como pessoa com plena capacidade jurídica.

  19. A recorrida invoca ainda que no Relatório Final é feita menção a circunstância agravante não mencionada na acusação, e, por isso, não lhe foi dada oportunidade de se pronunciar na defesa sobre tal circunstância agravante.

  20. Não é porém verdade, pois da acusação emanam factos que integram a circunstância da recorrida ter o dever de prever a produção efectiva de resultados prejudiciais ao serviço como consequência necessária da sua conduta, nomeadamente ao nela se fazer expressa menção (itens 1º, 14º e 15º) de que a arguida exercia funções de enfermeira, sabia que a Petidina é um estupefaciente propriedade do CHEDV pelo que não lhe pertencia e não podia dispor dela e que, apesar disso, a recorrida de forma deliberada, livre e consciente, valendo-se das suas funções e da confiança que nela era depositada, apropriou-se daqueles estupefacientes em seu benefício, como se fossem seus, prejudicando o recorrente, pelo que a mesma teve oportunidade de versar sobre os mesmos.

  21. Ademais, refira-se que o enquadramento jurídico advindo da indicada circunstância agravante não foi relevante para chegar à conclusão de demissão da recorrida, pois antes de se ter em conta o mesmo, já se concluíra pela impossibilidade da manutenção da relação funcional, pois foram os comportamentos da arguida e a circunstância de lhe ter já sido aplicada a pena de suspensão que levaram, por si só, à decisão expulsiva.

  22. A recorrida diz também no item 78 da petição inicial que há mais matéria nova no Relatório Final relativamente à acusação, sobre a qual não teve oportunidade de se pronunciar na defesa, pelo que houve violação de lei por falta de audiência da recorrida, o que, salvo melhor opinião, não se verifica.

  23. Assim, quanto à violação do dever de isenção, todos os factos referidos na acusação em que se imputa à recorrida a apropriação do estupefaciente Petidina e em especial nos art. da acusação nos quais se refere as funções de enfermeira exercidas pela recorrida (item 1 da acusação), por virtude das quais tinha acesso àquele estupefaciente (item 6) e que dele se apropriou em seu benefício, sabendo que não lhe pertencia (itens 6, 9, 13, 14), com isso prejudicando o recorrente (item 15), são factos concretos constantes da acusação que integram comportamentos violadores do indicado dever de isenção, dos quais resulta suficientemente identificado, nomeadamente, o dever profissional de isenção pela recorrida, factos sobre os quais, como é visível, teve a mesma oportunidade de se pronunciar, pelo que não há violação do direito de audiência e de defesa da recorrida.

  24. Quanto ao facto de a recorrida ter demonstrado incumprimento de normas essenciais reguladoras do serviço, tendo da sua actuação resultado prejuízo...

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