Acórdão nº 18/18.7YFLSB de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Julho de 2019

Data04 Julho 2019
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório 1. AA, Juíza ..., veio impugnar a deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM), de 06/02/2018, que julgou improcedente a reclamação por aquela deduzida contra a deliberação do respetivo Conselho Permanente, de 19/09/2017, tomada no âmbito do processo de inspeção extraordinária n.º 2016-438/IE, nos termos da qual foi atribuída à demandante a classificação de Suficiente pela sua prestação funcional, entre 07/09/2012 e 31/01/2017, realizada nos seguintes tribunais e datas: na 1.ª Vara Cível do ..., de 07/09/2012 a 31/08/2014; na Comarca do ... – Instância Central de ... - Secção de Família e Menores – J2, de 01/09/2014 a 28/03/2016; na Comarca de ... - Instância Central de ... – Secção Criminal, de 29/03/2016 a 15/07/2016; na Comarca do ... – Juí-zo Local Cível – J7, de 01/09/2016 a 31/01/2017. Para tanto, alegou, em síntese, que: .

A demandante, ao ser notificada da proposta do Senhor Inspetor Judicial, formulada no âmbito do processo de inspeção extraordinária acima indicado, no sentido de lhe ser atribuída a classificação de Suficiente, pronunciou-se a sustentar que esta classificação não se adequava ao seu desempenho profissional no período considerado e a pugnar pela atribuição da classificação de Bom com Distinção ou, pelo menos, de Bom.

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Porém, tal entendimento não foi acolhido nem pelo Senhor Inspetor nem pelo Conselho Permanente do CSM, que deliberou, em 19/09/2017, atribuir-lhe a classificação de Suficiente.

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A demandante reclamou então dessa deliberação para o Plenário do CSM, que manteve aquela classificação de Suficiente através da deliberação de 06/02/2018 ora impugnada.

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Nessa reclamação, a demandante sustentou que não tinham sido valorizadas as razões de ordem pessoal e profissional por ela dantes invocadas a explicar os aspetos do serviço prestado tidos por menos positivos, não tendo sido consideradas nem ponderadas as circunstâncias em que decorreu o exercício de funções em causa, nem os restantes critérios de avaliação, e que, em qualquer caso, não se justificava a descida da anterior classificação de Bom com Distinção para Suficiente.

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Não tendo sido aceite tal argumentação pela deliberação impugnada, o certo é que, na falta de parâmetros de avaliação predefinidos, a mesma se traduz em clara arbitrariedade, padecendo ainda de invalidade por deficit de instrução e por falta de fundamentação quanto à descida excecional de dois graus classificativos.

Concluiu a demandante pedindo que a deliberação impugnada fosse anulada com base em deficit de instrução e nos alegados vícios de fundamentação.

2.

O CSM deduziu resposta a sustentar que: .

Neste meio contencioso, não cabe ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ) reapreciar o mérito do ato administrativo impugnado, mas tão só ajuizar sobre os vícios de invalidade invocados em termos de cumprimento ou não pela Administração (aqui o CSM) das normas e princípios jurídicos que a vinculam, que não da conveniência ou oportunidade da sua atuação.

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Para além de a demandante não concretizar o alegado deficit de instrução, o demandado realizou as diligências instrutórias complementares requeridas pela demandante, conforme consta do respetivo processo inspetivo.

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No respeitante aos aspetos por ela suscitados, o relatório inspetivo, a informação final e a deliberação impugnada não só tiveram em conta os concretos atrasos em questão, como indagaram e apuraram exaustiva e detalhadamente as causas de tais atrasos, não se vislumbrando que diligências possam ter sido preteridas.

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Na fundamentação da deliberação impugnada, mormente sobre a descida de classificação, foram analisados e ponderados todos os elementos obtidos no processo inspetivo, tendo sido suficientemente exteriorizada a apreciação de todas as razões de ordem pessoal e profissional da demandante suscetíveis de determinar uma menor produtividade do seu trabalho, considerando-se, não obstante isso, que não eram suficientes para abalar a convicção objetivada que conduziu à avaliação do serviço e à atribuição da classificação de Suficiente. Concluiu assim o demandado pela total improcedência da impugnação deduzida.

  1. Posteriormente, a demandante apresentou alegações, em que, para além da questão prévia sobre a natureza do presente meio impugnatório, reitera, no essencial, os fundamentos e a argumentação inicialmente aduzidos, rematando com o seguinte quadro conclusivo: 1.ª - A tramitação do recurso dos autos tem de ser a da ação administrativa (de impugnação de atos) regulada no CPTA com as especificidades constantes dos artigos 168.º a 178.º do EMJ; 2.ª - Outra interpretação traduzir-se-ia, por um lado, num “privilégio” (inconstitucional) do CSM relativamente a outros altos órgãos da Administração Pública e até dos órgãos de soberania do Estado, designadamente Presidente da República, Assembleia da República e seu Presidente, Conselho de Ministros, Primeiro-Ministro, Tribunal Constitucional e seu Presidente, Presidente do STA, Tribunal de Contas e seu Presidente, além de outros [cfr. artigo 24.º, n.º 1, alínea a, do ETAF]; 3.ª - Por outro lado, os magistrados judiciais e outros eventuais interessados deixariam de ter tutela jurisdicional efetiva quanto aos atos do CSM; 4.ª - Ou seja, tal interpretação, além do mais, violaria, por um lado, o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva constitucionalmente consagrados e, por outro lado, o direito a um processo equitativo, consagrado no n.º 1 do artigo 6.º da Constituição Europeia dos Direitos do Homem; 5.ª – A deliberação aqui impugnada que atribuiu à A. a classificação de “Suficiente” enferma de invalidades várias, devendo ser anulada nos termos e para os efeitos do artigo 163.º, n.º 1, do CPA; 6.ª – Desde logo, não teve em consideração os factos invocados e provados pela A.; 7.ª – Não obstante a deliberação impugnada o ter ignorado, existem circunstâncias e factos externos à A. que condicionaram o desenvolvimento do seu trabalho, os quais não foram devidamente ponderados nem valorados pelo R. na notação atribuída, mas que, caso tivessem sido considerados, tal como impõe o artigo 12.º do Regulamento dos Serviços de Inspeção do CSM, a atribuição de notação da A. seria superior, de pelo menos “Bom”; 8.ª - De facto, os atrasados não se ficaram a dever a uma eventual e hipotética incapacidade de organização e gestão de tempo da A. conforme lhe é imputada pela deliberação impugnada, e muito menos são sequer culpa sua; 9.ª - Resultaram, isso sim, (i) de problemas de saúde, (ii) de ter estado 16 anos na magistratura administrativa, (iii) de ter transitado, no mesmo período, entre diferentes serviços, (iv) de ter sido confrontada com um elevado número de processos, entre os quais vários processos executivos que não foram contabilizados nem considerados pelo Sr. Inspetor judicial para o número de intervenções e diligências realizadas pela A, (v) de não correta consideração da carga processual da Secção de Família e Menores, J2 da Comarca de ..., (vi) de não consideração do tempo despendido pela A, a corrigir atas e (vii) de não consideração de que a A. conseguiu diminuir as pendências neste serviço; 10.ª - Todavia, do Relatório de Inspeção e da deliberação impugnada resulta, inequivocamente, que apenas foram tidos em conta os problemas de saúde da A. e o facto de a mesma ter estado 16 anos na magistratura administrativa, em clara violação do disposto no citado artigo 12.º do Regulamento dos Serviços de Inspeção do CSM; 11.ª - Em consequência e, por outro lado, a deliberação impugnada, ao desconsiderar e não ponderar as circunstâncias trazidas aos autos e provadas pela A., padece, também, de deficit de instrução, o que viola o disposto no artigo 115.º do CPA, pelo que deve ser anulada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 163.º, n.º 1, do CPA; 12.ª - Por outro lado, a deliberação impugnada, ao fundamentar a notação da A. de "Suficiente" com base apenas numa parte dos factos que verdadeiramente ocorreram, não tendo por isso em consideração todas as circunstâncias e factos trazidos à colação pela A., que nortearam o exercício das suas funções no período inspetivo em causa, ou não fundamentar quais os factos concretos e objetivos da alegada incapacidade da A. organizar e gerir o serviço a seu cargo, assim como ao não fundamentar a descida em dois graus da notação atribuída à A. quando vista e enquadrada no conjunto com o desempenho anterior, viola o dever de fundamentação ínsito no artigo 152.º e 153.º do CPA, pelo que também, por esta via, deve ser anulada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 163.º, n.º 1, do mesmo Código.

4.

Por sua vez, o CSM também apresentou alegações, em que, além de equacionar o âmbito do presente meio impugnatório como circunscrito à apreciação da mera legalidade das deliberações do CSM com vista à sua anulação ou declaração de nulidade, sem haver lugar à reapreciação da matéria de facto nem à produção de prova, salvo a prova documental, reeditou, no essencial, os fundamentos e argumentário anteriormente aduzidos, concluindo, de igual modo, pela improcedência da impugnação deduzida.

5.

Por fim, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu o parecer de fls. 86 a 87, no qual, além de subscrever, na sua generalidade, a argumentação do CSM, acrescenta que, de qualquer modo, o deficit de instrução e a violação do princípio do inquisitório talvez nem possam relevar a se como causas de invalidação do ato, mas apenas na medida em que, projetando-se naquele, tiverem dado azo a erro nos pressupostos de facto respetivos, concluindo pela improcedência da presente ação impugnatória. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – Delimitação do objeto impugnatório Como emerge do quadro conclusivo com que o demandante rematou as respetivas alegações, as questões a equacionar e resolver são seguintes: i) – A questão prévia respeitante à caracterização do presente meio impugnativo; ii – Os invocados...

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