Acórdão nº 1191/16.4PCLSB-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelISABEL SÃO MARCOS
Data da Resolução27 de Junho de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

* I. Relatório 1.

No Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa e no âmbito do Processo Sumário n.º 1191/16.4PCLSB, o arguido AA foi condenado, por sentença de 29.12.2016, pela prática de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com regime de prova a ser elaborado pelos Serviços de Reinserção Social.

Decisão que, na procedência reconhecida ao recurso interposto pelo Ministério Público, o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 06.06.2017, transitado em julgado em 22.06.2017, revogou tão-só no que concerne à suspensão da referida pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão que passou a ser efectiva.

  1. Invocando como fundamento o previsto na alínea d), do número 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal, o condenado AA veio, em 08.04.2019, interpor o presente recurso extraordinário de revisão do aludido acórdão condenatório de 06.06.2017.

    São as seguintes as conclusões que o requerente entendeu extrair da sua motivação: “1. O recorrente foi condenado na sua ausência a uma pena de prisão suspensa na sua execução; 2. O MP recorreu dessa decisão; 3. O Recorrente não foi notificado, na sua pessoa, da interposição desse recurso; 4. O Recorrente reclama que [o] mandatário que lhe foi nomeado não lhe prestou uma assistência jurídica concreta e efectiva, conforme determina o artigo 6.º, n.º 3, alínea c), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem; 5. Alegando-se expressamente a inconstitucionalidade, por omissão, do artigo 113.º, n.º 10, do CPP, na redacção em vigor à data de interposição do presente recurso, ao não consagrar a obrigatoriedade da notificação ao arguido, na sua pessoa, da interposição de recurso cujo pedido consista na revogação da suspensão da execução da pena aplicada em 1.ª instância, por violação do artigo 32.º, n.º 7, da CRP; 6. Por esse motivo, não pôde aduzir factos novos que permitissem o Tribunal a quo apreciar o recurso tendo como fundamento as condições pessoais do Recorrente.

  2. Ora, caso o Recorrente tivesse tido oportunidade de apresentar esses factos novos, se lhe tivesse sido assegurado através de um efectivo contraditório material, estes seriam susceptíveis de criar graves dúvidas acerca da justiça levada a cabo pela decisão do Tribunal a quo que o privou da liberdade, ao revogar a suspensão da execução da pena de prisão a que foi condenado.

  3. Por fim, o âmbito do recurso de revisão interposto ao abrigo do n.º 1, alínea d), desse artigo, do CPP, não exclui a correcção quanto à escolha da pena.

    Termos em que requer, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exa., que seja dado provimento ao presente recurso e consequentemente: - Autorizar a revisão do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa – 5.ª Secção Criminal e transitada em julgado, nos termos do artigo 449.º, n.º 1, alínea d), do CPP; - Determinar a suspensão da execução da pena de prisão do Recorrente, sendo o Recorrente restituído à Liberdade, nos termos do artigo 457.º, n.º 2, do CPP; - Autorizar a produção de prova, rol de testemunhas que se junta, atinente às condições pessoais em que o Recorrente se encontrava à data dos factos que determinaram a sua condenação, nos termos do artigo 453.º, n.º 2, do CPP, pois não teve oportunidade de o fazer, uma vez que não foi notificado, na sua pessoa, da interposição do recurso do MP que veio a determinar a revogação da suspensão da execução da pena de prisão a que foi condenado”.

  4. Pronunciando-se sobre os requeridos meios de prova, o Senhor Juiz do processo indeferiu, por despacho de 09.04.2019, a inquirição das sete testemunhas arroladas pelo requerente na consideração de que não se tratavam de novos meios de prova.

  5. Por sua vez, o Ministério Público na 1.ª instância, pronunciando-se sobre o mérito do recurso, concluiu no sentido da sua improcedência.

    E isto já porque o requerente não indica de que sorte os depoimentos das testemunhas que ora arrolou e que não foram ouvidas no processo, em conjugação com as demais provas no mesmo produzidas, poderão suscitar sérias dúvidas sobre a justiça da condenação, já porque não alega que não ignorava a existência das referidas testemunhas aquando do julgamento ou que elas estiveram então impossibilitadas de depor, como impõe o número 2 do artigo 453.º do Código de Processo Penal, a que acresce que o novo facto relativo aos antecedentes criminais do requerente e atinentes ao tipo legal de crime e sanção em que foi condenado no âmbito do Processo n.º 101/13.5JALRA não se revela de molde a suscitar graves dúvidas acerca da sua condenação na mencionada pena de prisão efectiva.

    E no mesmo sentido pronunciou-se o Ministério Público no Supremo Tribunal de Justiça na oportunidade conferida pelo número 1 do artigo 455.º do Código de Processo Penal.

  6. Quanto ao pedido de revisão deduzido pelo requerente AA o Senhor Juiz prestou a seguinte informação: “Interpôs o arguido recurso extraordinário de revisão, nos termos do artigo 448.º e 449.º, n.º1, al. d), do CPP, alegando que não foi notificado pessoalmente da interposição de recurso pelo Ministério Público, o que constitui uma violação dos seus direitos de defesa, tanto mais que foi assistido por mandatário que não escolheu, em violação do disposto no artigo 32.º, n.º2, da CRP.

    Mais invoca a inconstitucionalidade por omissão do artigo 113.º, n.º 10, do CPP, porque violadora do disposto no art.º 32.º, n.º 7, da CRP, ao não prever expressamente a obrigatoriedade de tal notificação e que lhe vedou a possibilidade de apresentar os meios de prova necessários a sustentar a suspensão da execução da pena perante o tribunal de recurso, fundado num juízo de prognose favorável de que se julga ser merecedor.

    Juízo de prognose favorável assente em factos atinentes à sua situação económica e pessoal, e sustentado em meios de prova, que ora deste modo invoca e apresenta, qualificando-os, em consequência, como novos para efeitos da aplicação do disposto no art.º 449.º, n.º 1, al. d), do CPP.

    Finalmente, invoca que a decisão recorrida é, em consequência, desproporcional e injusta, devendo ser corrigida, uma vez que está em causa a escolha da pena e não a sua medida concreta, pelo que não é aplicável o disposto no art.º 449.º, n.º 3, do CPP.

    Vejamos então.

    Nos termos do disposto no art.º 449.º, n.º 1 do CPP, a revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando: a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão; b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo; c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação; d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

    e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º; f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação; g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça.

    Acrescenta o n.º3 que o recurso sustentado nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 não é admissível quando tenha por único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.

    Revertendo ao objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões apresentadas, temos que o mesmo se fundamenta na invocação da descoberta de novos factos ou de meios prova que de per si, ou conjugados com os apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação (artigo 449.º, n.º 1, al. d),do CPP).

    Para sustentar a qualificação de tais factos como novos, argumenta o recorrente que estes não foram oportunamente apreciados sem culpa sua, uma vez que os não pode alegar por não ter sido notificado do recurso interposto pelo Ministério Público e por não ter sido cabalmente defendido, tanto mais que foi representado por mandatário que não escolheu.

    Assim, a obrigatoriedade ou não da notificação da interposição de recurso e a conformidade do disposto no artigo 113.º, n.º 10 do CPP com o artigo 32.º, n.º 7, da CRP, constitui questão prévia à apreciação do fundamento do recurso, sobre a qual cumpre dar informação.

    Vejamos.

    Nos termos do disposto no art.º 113.º, n.º 10, do CPP, as notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença[1]1, bem como as relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou ao defensor nomeado.

    A obrigatoriedade de notificação pessoal do arguido destes actos prende-se com a necessidade de garantir o exercício cabal dos seus direitos de defesa, consagrados no art.º 61.º do CPP, em particular, o direito de conhecer os factos que lhe são imputados, bem como os meios de prova em que assentam, para que os possa contraditar, o direito a estar presente e a ser ouvido, querendo, e o direito de recorrer (artigo 61.º, n.º 1, al. a), b), c), do CPP) e que constituem uma concretização do disposto no art.º 32.º, n.º 1, 5 e 7, da Constituição da República Portuguesa.

    Mas tais direitos não se encontram tolhidos com a não obrigatoriedade de...

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