Acórdão nº 418/19 de Tribunal Constitucional (Port, 09 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução09 de Julho de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 418/2019

Processo n.º 180/19

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e são recorridas B., S.A., e C., o primeiro veio interpor recurso de constitucionalidade ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), da decisão daquele Tribunal datada de 19 de dezembro de 2018 que não admitiu o recurso de revista excecional por ele interposto da decisão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19 de abril de 2018, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil (CPC), preceito que admite aquele recurso quando esteja em causa uma «questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

2. Inconformado com a referida decisão do Tribunal da Relação de Guimarães (vd. as fls. 337 a 370 dos autos), que julgou totalmente improcedente a sua apelação, o recorrente interpôs recurso de revista excecional para o Supremo Tribunal de Justiça, onde apresentou as seguintes conclusões (vd. as fls. 385-388 dos autos):

«1º No articulado da reclamação de créditos o Recorrente alegou a tradição da fração dos promitentes vendedores para si.

2º Juntou aos autos o contrato promessa no qual ele enquanto promitente comprador assumiu o encargo de pagar as despesas de condomínio assim como a prestação mensal ao Banco.

3º Até à data em que foi efetuada a escritura de venda pela agente execução não foi contestada a posse do Recorrente.

4º Tendo, no âmbito da ação executiva, lavrado protesto pela reivindicação.

5º Manteve a posse por período superior a um ano (posse de ano e dia).

6º A sua posse só poderia ceder a favor de quem tivesse melhor posse. O que não aconteceu no período que mediou entre a data do contrato promessa (04/10/2006) e a data da escritura efetuada pela Agente de Execução à Exequente D. em 2016.

7º A tradição da coisa no ato do contrato promessa de compra e venda sobre imóvel ou fração destinada a habitação confere ao promitente comprador o direito de retenção e o de ser indemnizado nos termos do artigo 442º nº 2 do Código Civil.

8º Em anterior decisão da Relação de Guimarães (Decisão Singular de 02/05/2016) foi referido que: "os factos concretizados, levados ao processo pelo Reclamante, e apesar de não terem sido alegados na petição, podem e devem, ao abrigo do artigo 5º nº 2. alínea b) do CPC ser considerados pelo Juiz em ordem a decidir a ação segundo as diversas soluções plausíveis de direito.

9º Essa decisão transitou em julgado, constituindo caso julgado formal.

10º No depoimento de C., quando questionada sobre o assunto a promitente vendedora e executada nos autos - conquanto fosse facto que a prejudicava - declarou que o seu pai lhe entregara (ao promitente comprador) as chaves e ele ficava responsável pelo pagamento das despesas de condomínio e das prestações do empréstimo.

11º O Tribunal recorrido desconsiderou esse facto, o qual conjuntamente com os demais elementos de prova, designadamente o protesto pela reivindicação e o contrato de fornecimento de água, permitem concluir, de acordo com as regras da experiência, que o Reclamante/Recorrente foi possuidor da fração até dela ser desapossado, através da escritura de 2016.

12º Operada a tradição da coisa, goza o promitente comprador do direito de retenção oponível e com preferência sobre os demais credores.

Temos em que deve o presente recurso ser julgado procedente; revogada a decisão recorrida e substituída por outra que confira ao Reclamante o direito de retenção e a graduação do seu crédito no lugar que lhe competir.

O presente Recurso respeita a matéria que, pela sua relevância jurídica, uniformidade de decisões e prestígio dos tribunais deve ser apreciada e decidida por este Venerando Supremo Tribunal.

Normas jurídicas violadas: artigo 9º nº 1 e 2; 442º nº 2; 755º nº 1 alínea f) do Código Civil e artigo 615º nº 1 alínea b) e d) do CPC.»

3. É o seguinte, na íntegra, o teor da decisão recorrida, proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça (vd. as fls. 452 a 454 dos autos):

«1. Por apenso aos autos de execução para pagamento de quantia certa, que D., S.A., instaurou contra E. e outros, veio A., residente na Rua …., n.º …, Porto, reclamar o seu crédito, pugnando pelo reconhecimento do mesmo, no valor de 49.918,00 euros, e requerendo que seja graduado no lugar que lhe competir.

Para tanto alega, em síntese, ter celebrado com os executados C. e E., contrato-promessa de compra e venda do imóvel penhorado, sendo que esse contrato foi celebrado com tradição da fração a favor do reclamante. Como os executados não cumpriram o contrato-promessa, instaurou ação, a qual correu termos pela Instância Local Cível de Arcos de Valdevez sob o Proc. n.º 231/12.0TBPTB, cujo pedido consistia na restituição ao Autor da quantia de 49.918,00 euros. Nessa ação foi outorgada transação, homologada por sentença, em que os executados reconheceram o incumprimento do contratopromessa, pelo que o crédito do reclamante é de 49.918,00 euros.

2- Admitida liminarmente a reclamação, notificados a exequente e os executados para deduzirem, oposição, querendo, a exequente D., S.A., apresentou oposição, impugnando parte da factualidade alegada pelo reclamante. Mais sustentou que o reclamante não alega qualquer materialidade constitutiva de eventual e atual direito de retenção sobre o imóvel, sequer o podia fazer, uma vez que o agente de execução tomou posse daquela fração em 11/09/2012. Sustentou, ainda, que o caso julgado operado pela sentença homologatória da transação lavrada no Proc. 231/12.0TBPTB, não lhe é oponível, dado ser terceira juridicamente interessada e não ter sido chamada àquele processo.

Conclui pedindo que se julgue improcedente a reclamação.

3- O reclamante respondeu, alegando que a exequente D. apresentou a reclamação fora de prazo e sustentou que não era exigível ao reclamante fazer intervir a D. naquele processo onde foi lavrada e homologada a transação que celebrou com os executados.

4- Dispensou-se a realização de audiência prévia e após proferiu-se decisão julgando improcedente a reclamação, com fundamento na circunstância do reclamante não possuir qualquer garantia real sobre o imóvel penhorado e não ter alegado qualquer materialidade constitutiva de eventual e atual direito de retenção sobre esse imóvel.

5- Inconformado com o decidido, o reclamante interpôs recurso de apelação para a Relação de Guimarães, que por decisão sumária revogou a decisão recorrida, ordenando o prosseguimento dos autos.

6- Convidou-se depois o reclamante a concretizar os...

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