Acórdão nº 22244/16.3T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução30 de Maio de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. AA, BB e CC intentaram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Banco DD, S.A.

, pedindo que: a) Seja o contrato de intermediação financeira julgado nulo por falta de forma e, assim, seja o R. condenado a restituir às AA. o valor de €100.000,00; b) Seja o R. condenado ainda a pagar às AA. os juros legais que se vencerem à taxa legal desde a data da sua citação e até integral e efectivo pagamento; c) Subsidiariamente seja o R. condenado a pagar às AA. o valor de €100.000,00 por violação dos deveres de informação do intermediário financeiro, mais os juros, à taxa legal, que se vencerem desde a data da citação até integral e efectivo pagamento.

Para tanto alegam, em síntese, que: - No início do ano de 2014, e na sequência da morte do marido da 1.ª A. e pai das 2.ª e 3.ª AA., as AA. decidiram aplicar, em nome das três, o valor total de €100.000,00 (€80.000,00 da herança propriamente dita e €20.000,00 de uma aplicação pessoal da 2.ª A.) numa aplicação bancária que pudesse ter uma rentabilidade atractiva; - Por intermédio de EE, familiar das AA., foi FF, personal financial advisor junto do R., encarregado de estudar a melhor aplicação bancária para servir os interesses das AA., tendo-lhe sido dito que a aplicação não poderia ter que ver com o BANCO GG, com o Grupo BANCO GG ou com empresas relacionadas com o Grupo HH no Brasil (relação HH/II), que não poderia ter um elevado risco associado e que deveria ser feita por um prazo relativamente curto, no máximo de reembolso a seis meses; - Entre Fevereiro e Março de 2014, o referido FF subscreveu, em nome das AA., papel comercial da sociedade JJ Investments, S.A., pertencente ao universo/grupo BANCO GG, no montante de €100.000,00; - Só passados oito meses as AA. se aperceberam de que a aplicação feita não correspondia ao por si pretendido e solicitado; - A aplicação foi feita sem que às AA. tenha sido dado qualquer documento para assinar e sem que lhes tenham sido prestadas quaisquer informações sobre a mesma; - Até à data, as AA. estão privadas da quantia referida, da qual nunca mais passarão a dispor, uma vez que a sociedade JJ foi declarada insolvente.

O R. contestou, pronunciando-se pela sua absolvição do pedido, uma vez que, em síntese: - O contrato de abertura de conta assinado pelas AA. habilitava o R. a actuar na qualidade de seu intermediário financeiro; - A operação em causa foi executada pelo R. a solicitação das AA., que assinaram a ordem de subscrição e respectiva documentação informativa, declarando ter conhecimento das características e riscos associados; - À data da subscrição foram explicadas às AA. as características, condições e factores de risco do instrumento financeiro em causa e entregue a nota informativa respectiva; - O R. não é parte na emissão ou na tomada de dívida da sociedade JJ, pelo que não lhe compete a obrigação de reembolso do papel comercial adquirido pelas AA.

Por sentença de fls. 233 foi proferida decisão com o seguinte teor: “a) julgar o pedido principal totalmente improcedente, por não provado, dele absolvendo o R.; b) julgar o pedido subsidiário totalmente procedente, por provado, e, em consequência, condeno o R. a pagar às AA. a quantia de € 100.000,00 (cem mil euros), acrescida de juros de mora vencidos desde 15.09.2016 e até integral pagamento, às taxas legais que vigoraram e vierem a vigorar.” Inconformado, o R. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito.

Por acórdão de fls. 393 foi concedido provimento ao recurso, sendo modificada a matéria de facto e, em consequência, sendo revogada a decisão recorrida, com absolvição do R. do pedido.

  1. As AA. vêm interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões: “I. Vêm as Recorrentes interpor, nos termos do artigo 674°, n.°s 1 e 2, do CPC, recurso do acórdão proferido pelo Tribunal Recorrido versando, o mesmo, sobre matéria de direito (erro de julgamento); II. Foi cometida nulidade processual pelo Tribunal da Relação de Lisboa ao não ter dado oportunidade às Recorrentes para se pronunciarem sobre a solução jurídica encontrada no acórdão recorrido, o que determina a nulidade de todos os atos processuais praticados depois de ter sido subtraída essa oportunidade às Recorrentes, incluindo a própria decisão recorrida; III. As Recorrentes não se conformam com o sentido da decisão do Tribunal recorrido, sobretudo porque inculca numa errada interpretação da norma aplicável; IV. É ilegítima a interpretação que o Tribunal recorrido faz do artigo 376° do Código Civil; V. A interpretação do artigo 376° do Código Civil determina a possibilidade de o "autor" (ou autora) dos documentos em causa nos factos assentes 12 e 13 demonstrar, como logrou demonstrar, que as declarações nos mesmos constantes não correspondiam à verdade dos factos, que o Recorrido não cumpriu com o ónus probatório que sobre si impendia enquanto intermediário financeiro, pelo que tiveram-se por assentes os factos 27 e 28; VI. Ao contrário do entendimento do Tribunal recorrido, o âmbito da força probatória daqueles documentos é bem mais restrito do que aquele que se pretende no acórdão recorrido através da interpretação do artigo 376° do Código Civil; VII. A força probatória do documento particular circunscreve-se no âmbito das declarações que nela constam como feitas pelo respetivo subscritor; tal como no documento autêntico, a prova plena estabelecida pelo documento respeita ao plano da formação da declaração, não ao da sua validade ou eficácia; mas, diferentemente do documento autêntico, que provém de uma entidade dotada de fé pública, o documento particular não prova plenamente os factos que nele sejam narrados como praticados pelo seu autor ou como objeto da sua perceção direta; VIII. Ao Tribunal Recorrido está vedada a possibilidade de retirar dos citados documentos a força probatória que pretende retirar porque os mesmos legalmente não a têm; IX. As Recorrentes fizeram, e com total clareza, prova no sentido da demonstração da realidade subjacente aos factos assentes 27 e 28, pelo que a errada interpretação do disposto no artigo 376° do Código Civil leva a que estejamos perante erro de julgamento por violação de lei, devendo repor os pontos 27 e 28 dos factos assentes; X. O Tribunal recorrido violou o princípio que determina que lei especial prevalece sobre lei geral (citério da especialidade); XI. Tanto o CVM (artigo 312°) como o diploma referente às CCG são especiais relativamente ao artigo 376° do Código Civil; XII. Não basta assinar-se expressamente que se reconhece ter-se lido as cláusulas de um determinado contrato para que tais cláusulas se tenham por devida e legalmente comunicadas: há normas especiais em matéria de proteção dos consumidores a sobreporem-se às normas gerais do Código Civil; XIII. O Recorrido não cumpriu o ónus que sobre si recaía de dar cumprimento ao disposto naqueles diplomas, pelo que viola assim o Tribunal Recorrido a interpretação decorrente do citado diploma que faz recair sobre o Recorrido o ónus de cumprimento dos deveres de informação e de esclarecimento; XIV. Fazendo com que, também desta forma, haja, por parte do Tribunal Recorrido, erro de interpretação e, consequentemente, de julgamento; XV. O Tribunal recorrido desconsiderou, de forma total, as circunstâncias em que os ditos documentos foram outorgados, que contrariavam, e contrariam, todas as indicações dadas ao Recorrido para efeitos da pretendida operação bancária, o que, naturalmente, é decisivo para se concluir pela violação, pelo Recorrido, quer do Decreto-Lei n.° 466/85, de 25 de outubro (na sua redação atual), quer do artigo 312° do CVM; XVI. O Recorrido violou todas as indicações que lhe foram dadas para se ter feito a operação bancária dos autos, o que se impunha tivesse sido valorizado pelo Tribunal recorrido, o que não sucedeu; XVII. Não o fazendo o Tribunal recorrido violou o artigo 607° do CPC (operação de subsunção jurídica); XVIII. Submete-se, desta forma, o presente à apreciação dos Colendos Senhores Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça relativamente ao erro de julgamento cometido pelo Tribunal recorrido.

    Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa substituído por outro que o revogue e considere procedente o pedido das Recorrentes deduzido na PI, condenando-se o Recorrido” O Recorrido contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão do acórdão recorrido e, subsidiariamente, requerendo a ampliação do objecto do recurso, pedindo que este Supremo Tribunal se pronuncie sobre as demais questões que o Recorrido suscitou no recurso de apelação, ou, em alternativa, que seja determinada a baixa do processo ao Tribunal da Relação para conhecimento das mesmas.

    As Recorrentes responderam ao pedido de ampliação do objecto do recurso, pedindo que, caso este Supremo Tribunal entenda dever pronunciar-se sobre as questões que o integram, as pretensões do Recorrido sejam julgadas improcedentes, revogando-se a decisão do acórdão recorrido e repristinando-se a decisão da 1ª instância.

    Cumpre decidir.

  2. Vem provado o seguinte (mantêm-se a identificação e a redacção das instâncias): 1. EE é familiar das AA.

  3. KK era Personal Financial Advisor junto do R.

  4. O referido EE passou a, pontualmente, relacionar-se com o R., numa ou noutra aplicação financeira.

  5. Tais operações financeiras foram resultando sempre favoravelmente.

  6. As AA. pretendiam uma aplicação bancária que pudesse ser remunerada acima de um normal depósito a prazo.

  7. Para que tal aplicação fosse constituída, teriam as AA. que abrir urna conta de depósitos à ordem junto do R., o que fizeram em Janeiro de 2014, tornando-se, assim, clientes do R.

  8. À data de 1.2.2014, tal conta, que tinha o nº …, estava já provisionada com o valor de € 101.000.

  9. A JJ Investments...

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