Acórdão nº 593/14.5TBTNV.E2.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelOLINDO GERALDES
Data da Resolução06 de Junho de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – RELATÓRIO AA e BB, na qualidade de sócios da dissolvida CC, Lda., instauraram, no então … Juízo do Tribunal Judicial de … (Juízo Central Cível de …, Comarca de …), contra DD, S.A., ação declarativa, sob a forma de processo comum, pedindo que a Ré fosse condenada a pagar-lhes a quantia de € 750 602,24, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 27 de outubro de 2007.

Para tanto, alegaram em síntese, que a extinta sociedade foi constituída apenas com o objetivo de participar no capital social da Ré; na sequência de incumprimento da Ré, a Caixa EE vendeu um conjunto de ações daquela, empenhadas a seu favor, incluindo as que a CC detinha no capital social da Ré, em 26 de outubro de 2007; vendidas essas ações, a CC foi dissolvida por deliberação da assembleia geral de 24 de dezembro de 2007, verificando-se depois da liquidação a existência de bens não partilhados, nomeadamente um crédito sobre a Ré, o qual pertence aos sócios em regime de contitularidade.

Contestou a Ré, por exceção, arguindo a ilegitimidade dos Autores e a prescrição, e por impugnação, alegando a inexistência do direito de crédito, fundado no enriquecimento sem causa, e concluiu pela improcedência da ação.

Os Autores responderam à matéria de exceção.

Durante a audiência prévia, realizada em 30 de novembro de 2015, foi proferido despacho saneador-sentença, no qual a ação foi julgada improcedente, decisão que veio a ser revogada por acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 17 de novembro de 2016, confirmado por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de maio de 2017.

Prosseguindo o processo, foi proferido despacho saneador, no qual se julgou improcedente a exceção de prescrição, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida, em 23 de maio de 2018, a sentença, que condenou a Ré a pagar aos Autores a quantia de € 750 602,24, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4 %, desde 11 de março de 2008 até integral e efetivo pagamento.

Inconformada, a Ré apelou para o Tribunal da Relação de Évora, que, por acórdão de 17 de janeiro de 2019, julgou a apelação improcedente e confirmou a sentença.

Mantendo-se inconformada, a Ré recorreu, em revista excecional, para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo formulado essencialmente as conclusões:

  1. O suposto crédito não pôde ser cobrado por outra via, por os sócios da CC não o terem feito valer durante a vida da sociedade e terem decidido dissolver a sociedade, declarando obrigatoriamente que não existiam créditos nem dívidas, sendo que a cobrança do suposto crédito, já na pessoa dos sócios, consubstancia, no mínimo, um abuso do direito (a entender-se que o direito exista).

  2. Em questão está a possibilidade de vir cobrar o crédito por ex-sócios de uma sociedade empobrecida, após decorridos sete anos e a dissolução da sociedade, com a declaração, nesse ato, de que a sociedade não detinha nem créditos nem dívidas.

  3. Tal é atentatório das regras do direito comercial e do princípio da segurança e repugna a cobrança de tal dívida em tais termos.

  4. A situação não se mostra excessiva nem choca um comum sentimento de justiça, face ao desenrolar dos acontecimentos tendentes à dissolução da CC, pelo que não pode ser afastada a regra de que o enriquecimento tenha sido obtido às custas de um empobrecimento daquele que pede a restituição.

  5. Não é o empobrecido quem pede a restituição, mas os seus ex-sócios.

  6. Mostra-se violado o art. 473.º do Código Civil, por falta do requisito que exige que o enriquecimento seja obtido à custa do empobrecimento do requerente.

    Com a revista, a Recorrente pretende a revogação do acórdão recorrido e a sua substituição por decisão que a absolva do pedido.

    Os Réus contra-alegaram, no sentido da improcedência do recurso.

    Por acórdão da Formação a que alude o art. 672.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), de 2 de maio de 2019, foi admitida a revista excecional, ao abrigo do art. 672.º, n.º 1, alínea a), do CPC.

    Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

    Neste recurso, essencialmente, está em causa uma situação de enriquecimento sem causa, resultante do pagamento, à custa do património de sociedade, entretanto liquidada, de dívida de outra sociedade, invocada pelos antigos sócios da primeira.

    II – FUNDAMENTAÇÃO 2.1. No acórdão recorrido, foram dados como provados os seguintes factos: 1.

    Os Autores constituíram, em julho de 1994, a sociedade CC, Lda., com sede na Rua do …, n.º …, em …, concelho de …, com o capital...

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