Acórdão nº 362/19 de Tribunal Constitucional (Port, 19 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução19 de Junho de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 362/2019

Processo n.º 488/2019

3ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é reclamante A. e reclamados o Ministério Público e B., o primeiro reclamou, ao abrigo do artigo 76.º, n.º 4, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do despacho de 4 de abril de 2019, daquele Tribunal, que não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional.

2. O ora reclamante, na qualidade de arguido em processo-crime, interpôs recurso da sentença do Tribunal de 1.ª instância que o condenou numa pena de um ano e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, e ainda no pagamento de indemnização civil, pela prática de um crime de extorsão na forma tentada.

Por acórdão datado de 15 de novembro de 2018, o Tribunal da Relação do Porto negou provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

O recorrente ainda arguiu a nulidade de tal aresto, interpondo também recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. A arguição de nulidade foi indeferida por acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16 de janeiro de 2019. O recurso não foi admitido por despacho do relator datado de 12 de fevereiro de 2019, com fundamento nos artigos 400.º, n.º 1, alínea f), 414.º, n.º 2 e 432.º, n.º 1, alínea b), todos do Código de Processo Penal.

Inconformado, o arguido reclamou do despacho de não admissão, nos termos do artigo 405.º do Código de Processo Penal.

Por despacho datado de 19 de março de 2019, a Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça indeferiu a reclamação, confirmando a decisão de não admissão do recurso.

Com interesse para os autos, pode ler-se no despacho em apreço:

«4. O arguido reclama da não admissão do recurso ao abrigo do artigo 405.º do CPP, invocando, em síntese, que a decisão da Relação não confirmou a decisão da 1.ª instância, pois não apreciou a matéria de facto impugnada, não se verificando a dupla conforme, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, constituindo a rejeição da apreciação da matéria de facto uma nova decisão criada ex novo que lhe permite recorrer, não sendo também passível de ser incluída em nenhuma alínea do artigo 400.º do CPP.

Mais refere, que sendo no processo cível admissível recurso para o STJ quando o Tribunal de recurso não aprecia a matéria de facto impugnada pelo recorrente, e uma vez que as disposições legais previstas no Código de Processo Civil são de aplicação subsidiária ao processo penal, por força do disposto no artigo 4.º do CPP, nada impede que o recurso seja admitido. E, por outro lado, argumenta que não obstante ter invocado a nulidade do acórdão perante a Relação, esta foi apreciada pela mesma instância o que não lhe garante, na sua plenitude uma apreciação por outra instância.

Suscita ainda a inconstitucionalidade do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, por violação dos artigos 20.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, da CRP.

5. No domínio dos recursos e das normas que disciplinam a competência em razão da hierarquia, a redação do artigo 432.º, n.º 1, alínea b), do CPP dispõe que há recurso para o Supremo Tribunal das decisões que não sejam irrecorríveis proferidas em recurso pelas relações nos termos do artigo 400.º.

E deste preceito destaca-se a alínea f) do n.º 1 do mesmo preceito que estabelece serem irrecorríveis “os acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos”,

E, no caso, o acórdão da Relação, confirmou a decisão da 1.ª instância que condenara o arguido pela prática do crime enunciado, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período.

E havendo conformidade, como resulta diretamente da norma - no caso há conformidade - o recurso só é admissível se for aplicada pena superior a 8 anos de prisão.

Assim sendo, não é admissível recurso do acórdão condenatório ao abrigo dos artigos 432.º, n.º 1, alínea b), e 400.º, n.º 1, alínea f), ambos do CPP.

6. Mas, o recurso não seria admissível ainda por outro fundamento.

Com efeito, o artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, estabelece serem irrecorríveis "os acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações, que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena não superior a 5 anos".

E, no caso, o acórdão da Relação aplicou pena de prisão suspensa na sua execução.

Assim sendo, estamos perante um acórdão que aplicou uma pena de substituição de pena de prisão, isto é uma pena não privativa da liberdade. E, quer pela definição, quer natureza e pelo modo de execução, a pena de substituição (quer seja a substituição por multa, suspensão da execução ou outra pena não privativa da liberdade) não constitui como é óbvio pena privativa da liberdade.

Aliás o conceito tem correspondência com a letra do artigo 43.º, n.º 1, do CP quando refere, “substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável”.

7. No respeitante à alegação de que o recurso deve ser admitido por a Relação não ter apreciado a matéria de facto impugnada, não procede, desde logo por a questão da admissibilidade do recurso, apenas ter por referência os critérios objetivos sobre a pena concretamente aplicada, não tendo as questões apreciadas ou não no recurso pelo Tribunal da Relação, por si, relevância para efeitos de recorribilidade da decisão para o Supremo Tribunal de Justiça.

Adite-se que as normas do processo civil apenas são aplicáveis aos recursos em processo penal, quando o recurso tem em vista o segmento civil, o que não é o caso, sendo, assim, apenas é de aplicar, quanto à respetiva admissibilidade, as regras dos artigos 432.º e 400.º do CPP.

8. Por outro lado, não se conhece, da inconstitucionalidade imputada ao artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP por a sua aplicação constituir um dos fundamentos para o recurso não ser admitido, não tendo, assim, relevância, no caso, uma vez que a inadmissibilidade do recurso sempre resultaria, também da alínea e) do mesmo preceito legal, como atrás se referiu.

Acresce que, dado o carácter instrumental do recurso para o Tribunal Constitucional, este não poderia apreciar a suscitada questão de inconstitucionalidade, dado ela não ter projeção sobre o julgamento da causa.

9. Pelo exposto, indefere-se a reclamação deduzi da por A..»

3. Foi então interposto o presente recurso de constitucionalidade, através de requerimento onde se pode ler o seguinte:

«A., arguido nos autos supra referenciados e aí melhor identificado, notificado da decisão de fls. dos autos, não se conformando com a mesma, vem, mui respeitosamente, interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos dos artigos 70º, n.º 1, al. b). 71º, 72º, n.º 2 e ss. da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC) com as alterações legislativas subsequentes que lhes foram introduzidos.

O presente recurso para o Tribunal Constitucional é restrito às seguintes questões de inconstitucionalidade material - Artigos 280º da CRP e 71º e 75º-A n.º 1 e 2 da LTC:

· do artº 400º nº 1, al. f). do CPP por violação do artigo 32º nº 1 e artigo 20º nº 1 da CRP, quando interpretados e aplicados no sentido em que foram interpretados pelo Tribunal a quo, ou seja, não ser admissível recurso para o ST J, quando suscitada a nulidade do acórdão da Relação, por omissão de pronuncia, pelo facto deste Tribunal não apreciar/rejeitar a impugnação da matéria de facto impugnada pelo arguido atento o não cumprimento das alíneas a) e b) do nº 3 e nº 4 do artº 412 CPP, assim inviabilizando o exercício do direito de defesa e de recurso em violação direta do direito fundamental de acesso ao direito, à justiça, à defesa, ao recurso, garantias processuais, procedimentais e tutela jurisdicional efetiva, estabelecidos e consagrados nos artigos 20º n.º 1 e 32º nº1 da C.R.P.

· do artigo 400º nº 1 al. e) do CPP quando interpretada e aplicada no sentido em que foi interpretada pelo Tribunal a quo, ou seja, não ser admissível recurso para o ST J, quando suscitada a nulidade do acórdão da Relação, por omissão de pronuncia, pelo facto deste Tribunal não apreciar/rejeitar a impugnação da matéria de facto impugnada pelo arguido atento o não cumprimento das alíneas a) e b) do nº 3 e nº 4 do artº 412 CPP, assim inviabilizando o exercício do direito de defesa e de recurso em violação direta do direito fundamental de acesso ao direito, à justiça, à defesa, ao recurso, garantias processuais, procedimentais e tutela jurisdicional efetiva, estabelecidos e consagrados nos artigos 20º n.º 1 e 32º nº1 da C.R.P.

No que se refere à inconstitucionalidade agora suscitada da al. e) do artº 400º nº1 do CPP, só agora se faz, pelo facto de também só agora ser referida/aplicada na decisão proferida pelo ST J ao abrigo da reclamação apresentada pelo arguido nos termos do artº 405 do CPP, estando, assim, perante um novo fundamento de rejeição do recurso interposto pelo arguido para o STJ, consubstanciando esta uma decisão surpresa.

Com efeito, se é certo que para se interpor Recurso com base na alínea b) do citado artigo 70º da LTC é, em princípio, necessário que a inconstitucionalidade tenha sido suscitada no processo, esta regra de suscitação da inconstitucionalidade é dispensável em situações especiais, nomeadamente, naquelas situações de todo excecionais ou anómalas, em que o recorrente não dispôs de oportunidade processual para suscitar a questão da inconstitucionalidade antes de proferida a decisão recorrida, ou que tendo essa oportunidade, não lhe era exigível que suscitasse essa questão de...

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