Acórdão nº 367/19 de Tribunal Constitucional (Port, 19 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução19 de Junho de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 367/2019

Processo n.º 1037/18

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Guimarães, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, a primeira veio interpor recurso de constitucionalidade ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), da decisão proferida por aquele Tribunal no dia 24 de setembro de 2018, que negou provimento ao recurso interposto pela recorrente da decisão do Tribunal Judicial da Comarca de Braga datada de 7 de fevereiro de 2018 (a fls. 87 a 97) que, em processo apenso a procedimento cautelar de arresto preventivo, não admitiu o embargo de terceiro deduzido pela ora recorrente.

2. A decisão recorrida – o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24 de setembro de 2018 (a fls. 243 a 265) – apresenta, para o que aqui releva, o seguinte teor:

«O arresto em causa foi decretado nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 10.º, por referência aos artigos 7.º e 1.º, al, i), todos da Lei nº 5/2001, de 11 de janeiro.

Este diploma, que se insere no âmbito do combate à criminalidade económico-financeira, estabelece regimes especiais em determinadas matérias, designadamente - e na parte que ora nos interessa - no que respeita à perda de bens a favor do Estado, para os crimes catalogados no seu artigo 1.º

Sem derrogar o regime geral do Código Penal quanto à perda clássica dos instrumentos, produto e vantagens provenientes do crime", que mantém a sua aplicação também nesses crimes de catálogo, o que a Lei n.º 5/2001 prevê é, paralelamente, uma perda do valor correspondente ao património incongruente com o rendimento lícito, presumindo-se, para efeitos de confisco, que a diferença entre o valor do património detetado e aquele que seria congruente com o rendimento lícito do arguido provém de atividade criminosa.

Podendo o arguido ilidir essa presunção com a prova de que não há incongruência no seu património, demonstrando que os bens resultam de rendimentos lícitos, que estavam na sua titularidade há pelo menos cinco anos a contar da data de constituição de arguido ou, ainda, que os adquiriu com rendimentos obtidos há mais de cinco anos, a contar da mesma data.

No caso em apreço nos autos procedeu-se à quantificação da vantagem correspondente ao património incongruente do arguido, inicialmente fixada em € 549.996,00 e depois reduzida para € 527.996,16. É pois este valor que, por se presumir constituir vantagem da atividade criminosa, virá a ser declarado perdido a favor do Estado, em caso de condenação.

Para garantia da obrigação do arguido proceder ao pagamento desse valor, foi decretado nos autos arresto cautelar da efetivação do confisco e arrestados determinados bens.

Entre esses bens estão alguns imóveis que a recorrente identifica e prova terem-lhe sido atribuídos em partilha subsequente ao divórcio, que na altura do seu arresto eram bens comuns do casal, tendo-se também apurado que tais bens haviam sido adquiridos há mais de cinco anos relativamente à data da constituição como arguido do então cônjuge marido.

Este circunstancialismo enquadra efetivamente a previsão da alínea b), do n.º 3, do artigo 9.º. Contudo, ao contrário do que pretende a recorrente, tal tem como único efeito legalmente admissível a exclusão dos referidos imóveis do cômputo do valor da vantagem criminosa. O que significa que estando esses bens «na titularidade do arguido há pelo menos cinco anos no momento da constituição como arguido» não são contabilizados na identificação do seu património para efeitos de determinação da diferença entre o valor desse seu património e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito.

Uma vez determinado o valor dessa vantagem, ou seja, do património incongruente com o rendimento lícito, aquela exclusão já não impede que esses mesmos imóveis, na medida em que pertencem ao arguido, venham depois a garantir a sua obrigação legal de pagamento do valor correspondente ao património incongruente, podendo como tal ser arrestados para esse efeito, nos termos do artigo 10.º.

Como se pode ler, precisamente neste sentido, no acórdão deste TRG de 19.06.2017, proc. 928/08.0TAVNF-AD.G1, relatado por Teresa Baltazar' «Não é a equação que sustenta a incongruência patrimonial do arguido (ou seja, a concreta operação de contabilizar no património do arguido determinados bens incluídos nas condições do artigo 7.º da Lei 5/2002, de 11 de janeiro) nem o juízo de ilicitude de determinados bens que fundamenta e legitima a aplicação da medida cautelar de arresto do artigo 10.º da Lei 5/2002, de 11 de janeiro.

Pelo contrário, o que fundamenta a aplicação do arresto é precisamente a necessidade de garantir a eficácia do confisco do valor do património incongruente.

Isto não significa que apenas possam ser arrestados os bens que foram considerados nesse cálculo, uma vez que, tal como ocorre no regime da perda clássica (nos termos do artigo 111.º n.º 4 do CP) para garantia do pagamento do valor das vantagens do crime poderá ser arrestado qualquer bem que integre o património lícito do arguido (apenas o património lícito poderá ser arrestado, uma vez que o património comprovadamente ilícito não é arrestado, mas apreendido).»

Vemos, assim, que a razão de ser da exclusão do cômputo da vantagem criminosa do valor dos bens que estejam na titularidade do arguido há mais de cinco anos contados da respetiva constituição como arguido, a que se refere a al. b) do nº do artigo 9.º, não apresenta qualquer similitude ou paralelo com a pretendida exclusão desses mesmos bens do subsequente arresto cautelar da efetivação do confisco. Naquela primeira operação o que se visa é unicamente determinar o valor do património incongruente; já o arresto - quer neste caso quer em qualquer outro - é o procedimento cautelar que afetação provisória de bens à garantia de um crédito, o que configura uma de natureza e âmbito absolutamente diversos.

Caindo consequentemente pela base a sugerida interpretação extensiva daquela norma da al. b) do nº 3 do artigo 9.º relativamente aos bens sobre que pode incidir o arresto, já que nada nos permite concluir que a lei diz aí menos do que deveria dizer.

Por outro lado, a circunstância de a embargante não ser arguida e de os bens imóveis em causa serem agora sua pertença, por entretanto lhe terem sido atribuídos na partilha subsequente ao divórcio do casal constituído por si e pelo arguido, também não obsta à manutenção do respetivo arresto.

Note-se que o arresto foi decretado e realizado quando eles ainda pertenciam em comum ao extinto casal, pois que a sentença homologatória da partilha apenas foi proferida a 24.11.2017, o que os inclui manifestamente entre aqueles que podem ser objeto do arresto cautelar

É o artigo 10.º, n.º 1 que remete expressamente para o artigo 7.º n.º 1, onde se delimita a amplitude que pode assumir a declaração de perda por referência ao património do arguido. Sendo que, na letra da própria lei, o que deve entender-se por património do arguido «para efeitos dessa lei» - e não apenas para o efeito da declaração de perda prevista no artigo 7.º - é com concretizado no n.º 2 do mesmo preceito. A remissão feita para o n.º 1 do artigo 7.º abrange assim necessariamente o conceito de património tal como delimitado no n.º 2 deste artigo, pelo que todos os bens que o integrem são considerados como sendo «bens do arguido», sobre os quais pode incidir o arresto.

O que legitima o arresto não só dos bens de que o arguido seja proprietário, mas também daqueles sobre os quais tenha o domínio e benefício, independentemente de, uns e outros, terem ou não sido adquiridos há mais de cinco anos contados da data da constituição como arguido.

Acresce que, em conformidade com o nº 3 do artigo 11.º, o arresto se mantém até que seja proferida decisão...

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