Acórdão nº 361/19 de Tribunal Constitucional (Port, 19 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução19 de Junho de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 361/2019

Processo n.º 459/2019

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que é recorrente A. e recorridos o Ministério Público, B. e C., foi interposto recurso do despacho proferido pelo Presidente da 4.ª secção daquele Tribunal, datado de 04 de fevereiro de 2019.

2. Através da Decisão Sumária n.º 320/2019, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso.

Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«II – Fundamentação

8. O artigo 75.º-A da Lei do Tribunal Constitucional (em seguida, «LTC») define, nos seus n.ºs 1 a 4, os requisitos formais do requerimento de interposição do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade.

Seja qual for a via de recurso em concreto selecionada, o recorrente deve indicar obrigatoriamente a alínea do n.º 1 do artigo 70.º da LTC ao abrigo da qual o recurso é interposto, bem como a norma (ou interpretação normativa) cuja constitucionalidade pretende ver apreciada (cf. n.º 1). Tratando-se de recurso fundado nas alíneas, alíneas b) e/ou f) do n.º 1 do artigo 70.º, do requerimento deve ainda constar a indicação da norma ou princípio constitucional ou legal que se considera violado, bem como da peça processual em que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade (n.º 2).

Ora, conforme decorre da leitura do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, o recorrente não indica a alínea do n.º 1 do artigo 70.º da LTC ao abrigo da qual o mesmo é interposto; apenas refere que recorre «nos termos dos art. 70º/2 e 72º/1-b) da LTC».

Não se justifica, contudo, formular um convite ao aperfeiçoamento nos termos previstos no n.º 5 do artigo 75.º-A da LTC, em ordem a suprir tal omissão. E isto porque, conforme passará a demonstrar-se, a insuprível inobservância de um dos respetivos pressupostos de admissibilidade sempre ditaria a impossibilidade de conhecimento do objeto do recurso.

9. Apesar de não indicar a alínea do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (em seguida, «LTC») em que funda o recurso, o recorrente não deixa de invocar o n.º 2 do mencionado artigo 70.º, preceito que se refere exclusivamente aos recursos previstos nas alíneas b) e f) do respetivo n.º 1.

Ora, considerada a previsão de ambas as referidas alíneas, é manifesto que o recurso apenas poderia revelar-se, em abstrato, viável se reportado à alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, na medida em que, conforme dos autos resulta, não ocorreu, no âmbito da decisão recorrida, a aplicação de norma cuja ilegalidade houvesse sido suscitada durante o processo (alínea f) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC).

Daí que o presente recurso, a ser processualmente admissível, apenas o possa ser com fundamento na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.

10. Dispõe a alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC que cabe recurso para o Tribunal Constitucional «das decisões dos tribunais (…) [q]ue apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo».

Constitui pressuposto de admissibilidade dos recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC que a decisão recorrida haja feito aplicação, como sua ratio decidendi, da norma ou conjunto de normas cuja constitucionalidade é questionada pelo recorrente.

Tal pressuposto decorre do caráter instrumental dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade: não visando tais recursos dirimir questões meramente teóricas ou académicas, um eventual juízo de inconstitucionalidade, formulado nos termos reivindicados pelo recorrente, deverá poder “influir utilmente na decisão da questão de fundo” (cf. Acórdão n.º 169/92), o que apenas sucederá se o critério normativo cuja validade constitucional se questiona corresponder à interpretação feita pelo tribunal a quo dos preceitos legais indicados pelo recorrente, isto é, ao modo como o comando destes extraído foi efetivamente perspetivado e aplicado na composição do litígio. Por essa razão, quando seja requerida a apreciação da constitucionalidade de uma norma segundo uma certa interpretação, esta deverá coincidir, em termos efetivos e estreitos, com o fundamento jurídico do julgado.

De acordo com o requerimento de interposição de recurso, a norma cuja inconstitucionalidade o recorrente pretende ver reconhecida «é a do art. 430°/2 do CPP», por violação do «princípio da presunção da inocência e da celeridade processual».

O recorrente não contesta, assim, uma particular dimensão normativa extraída do artigo 430.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (doravante «CPP»), mas antes a norma coincidente com o sentido objetivamente consagrado no referido preceito legal, cuja consequência prática, segundo para o efeito sustenta, passa por «impor ao arguido que se abstenha de usar um meio de defesa superveniente logo no recurso, obrigando-o a suportar uma eventual condenação para só o poder usar posteriormente em eventual recurso de revisão», o que, na perspetiva seguida, determina a respetiva incompatibilidade com os princípios constantes do artigo 32.º, n.ºs 1 a 3, da Constituição.

Sob a epígrafe «Renovação de prova», dispõe o artigo 430.º do CPP o seguinte:

«1 - Quando deva conhecer de facto e de direito, a relação admite a renovação da prova se se verificarem os vícios referidos nas alíneas do n.º 2 do artigo 410.º e houver razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo.

2 - A decisão que admitir ou recusar a renovação da prova é definitiva e fixa os termos e a extensão com que a prova produzida em 1.ª instância pode ser renovada.

[…]».

Conforme resulta do teor da decisão aqui recorrida, o Tribunal da Relação de Coimbra indeferiu o requerimento probatório apresentado pelo ora recorrente com fundamento no facto de «[a] renovação de prova apenas te[r] lugar, conforme art. 430 do CPP, quando se verifi[que] algum dos vícios referidos nas alíneas do nº 2 do art. 410», devendo, em qualquer caso, «ser requerida no recurso interposto». O que considerou não ter sucedido na situação sub jucide, na medida em que «nenhum vício fo[ra] alegado na motivação ou conclusões» do recurso interposto da decisão condenatória proferida em primeira instância e «o requerimento de renovação da prova» apenas «fora apresentado» após tal interposição.

Uma vez que o fundamento que determinou o indeferimento do requerimento apresentado pelo recorrente não se baseou nem na definitividade da decisão que admite ou recusa a renovação de prova, nem tão pouco na fixação dos termos e extensão da renovação probatória — desde logo porque esta não chegou a ser admitida —, é manifesto que a regra constante do n.º 2 do artigo 430.º do CPP não foi aplicada, expressa ou implicitamente, no despacho recorrido.

Na realidade, o Tribunal da Relação de Coimbra...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT