Acórdão nº 270/19 de Tribunal Constitucional (Port, 15 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução15 de Maio de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 270/2019

Processo n.º 1109/2018

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I – RELATÓRIO

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, em que é recorrente o MINISTÉRIO PÚBLICO e recorrido A., foi interposto recurso, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (em seguida, «LTC»), do despacho saneador-sentença proferido por aquele Tribunal, em 20 de novembro de 2018, que recusou a aplicação, com fundamento na sua inconstitucionalidade, da norma constante do artigo 2.º, n.º 8, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial (doravante, «NRFGS»), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, na interpretação segundo a qual «o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão», por violação do disposto nos artigos 13.º e 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa.

2. O aqui recorrido interpôs junto do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa uma ação administrativa de impugnação, requerendo a invalidação do despacho proferido pelo Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, que indeferira o requerimento para pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho que aquele apresentara ao abrigo do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial (doravante, «NRFGS»).

Por decisão proferida em 20 de novembro de 2018, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa julgou totalmente procedente a ação e, em consequência, anulou o despacho do Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial, datado de 04.01.2017, que indeferira o requerimento apresentado pelo aqui recorrente, em 08.08.2016, para pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho condenando simultaneamente a entidade então demandada a reapreciar a pretensão que este havia formulado, sem fazer aplicação do disposto no artigo 2.º, 11.º 8, do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril.

3. Na parte que aqui releva, pode ler-se em tal decisão o seguinte:

«FACTOS PROVADOS

Tendo em atenção a posição das partes expressas nos articulados e o acervo documental junto aos autos, consideramos provada, com relevância para a decisão a proferir e de acordo com as várias soluções de direito possíveis, a seguinte matéria de facto, a qual se passa a subordinar aos seguintes números:

1.1) O autor exerceu funções, ao abrigo do contrato de trabalho celebrado com a sociedade «B., S.A.», entre 01-09-2013 e 06.08.2015 (cf. doc. 3 junto à petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido).

1.2) A 03.03.2015 deu entrada na Comarca de Lisboa Oeste – Sintra – Instância Local – Secção de Comércio – Juízo 1 uma petição inicial de processo especial de revitalização (PER) da sociedade referida em 1.1), correndo aí termos sob o n.º 19084/15.0TBSNT (cf. fls. 4, 5 e 12 a 15 do processo administrativo a que aludem os artigos 1.º, n.º 2, do Código de Procedimento Administrativo e 84.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, doravante designado abreviadamente por processo administrativo instrutor, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

1.3) (…) insolvência, que viria a ser decretada por sentença datada de 27.08.2015 (idem)

1.4) A 06.08.2015 o aqui autor rescindiu unilateralmente o contrato de trabalho referido em 1.1) por salários em atraso (cf. doc. 2 junto à petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido).

1.5) A 08.08.2016 o aqui autor apresentou junto do Serviço Local de Oeiras/Paço de Arcos do Instituto da Segurança Social, IP, requerimento para pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho (cf. doc. 4 junto à petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido).

1.6) A 06.01.2017 a entidade demandada expediu ofício, datado de 04.01.2017 e endereçado ao aqui autor, notificando-o do projeto da decisão de indeferimento do requerimento referido em 1.5), mais fazendo consignar como fundamento da proposta de indeferimento o seguinte: «O requerimento não foi apresentado no prazo de 1 ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, nos termos do n.º 8 do art.º 2.º do Dec.-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril»

[…]

IV. DA APRECIAÇÃO CRÍTICA DOS FACTOS E SUA SUBSUNÇÃO AO DIREITO APLICÁVEL

Em causa nos presentes autos está a impugnação do ato da entidade demandada datado de 04.01.2017, que indeferiu o requerimento do autor ara pagamento de créditos salariais, tendo por único e decisivo fundamento o seguinte: «O requerimento não foi apresentado no prazo de 1 ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, nos termos do n.º 8 do art.º 2.º do Dec.-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril».

Por conseguinte, mais do que propriamente ser relevante para o caso dos autos discorrer sobre o regime normativo cogente de acesso ao Fundo de Garantia Salarial ou sobre o mérito da pretensão impugnatória e/ou condenatória do autor, o que aqui releva é apurar se a entidade demandada podia ou não usar o pressuposto legal do citado n.º 8 do artigo 2.º do novo regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, para indeferir o requerimento do aqui demandante.

Desde já se diga, atalhando caminho, que a entidade demandada não poderia ter utilizado aquela previsão normativa para indeferir a pretensão do autor. Como tem sido reconhecido por diversos tribunais de 1ª instância desta jurisdição e foi recentemente reconhecido pelo próprio Tribunal Constitucional, o citado n.º 8 do artigo 2.º do novo regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, padece de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da igualdade. Certo é que, se, de facto, se prefigurar essa inconstitucionalidade, terá o tribunal de conhecê-la e daí retirar os devidos corolários.

[…]

Pois bem, sobre a questão da suposta inconstitucionalidade do artigo 2.º, n.º 8, do novo regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, já se pronunciou recente e reiteradamente o Tribunal Constitucional. Assim, a título de exemplo, veja-se o que se deixou estabelecido:

i) No acórdão n.º 328/2018, proferido a 27.06.2018 no âmbito do processo que correu termos na 1ª secção daquele Venerando tribunal sob o n.º 555/2017. (…)

ii) No acórdão n.º 583/2018, proferido a 08.11.2018 no âmbito do processo que correu termos na 1ª secção daquele Venerando tribunal sob o n.º 188/2018 (…).

Por se revelar de interesse para a economia da presente decisão, aqui se deixa reproduzido o tero do excurso fundamentador e dispositivo deste último aresto, que reproduz, de resto, o excurso do primeiro (ambos relatados pelo mesmo juiz Conselheiro).»

4. O requerimento de interposição do recurso tem o seguinte teor:

«1. Com fundamento em inconstitucionalidade, por violação do art. 218.º n.º 3 da CRP.,

2. A douta sentença em apreço recusou a aplicação do artigo 2.º, n.º 8, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, na interpretação,

3. “… segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão, por violação do disposto nos artigos 13. o e 59. o, n. o 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa"».

5. Notificado para o efeito, o recorrente produziu alegações, nos seguintes termos:

1. «Delimitação do objeto do recurso

1.1. A. intentou contra o Fundo de Garantia Salarial ação administrativa de impugnação do despacho de 4 de janeiro de 2017, que lhe indeferiu o requerimento para pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho.

1.2. O Fundo de Garantia Salarial, para indeferir o pagamento daquele crédito havia considerado que o pedido não fora apresentado no prazo de um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, como é exigido pelo n.º 8 do artigo 2.º do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial (NRFGS), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril.

1.3. Apreciando o pedido, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa foi proferida sentença que, baseando-se na jurisprudência do Tribunal Constitucional, decidiu:

“1. Julgar inconstitucional a norma contida no artigo 2.º, n.º 8, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial (NRFGS), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão;

e, subsequentemente,

2.Ordenar a desaplicação daquele artigo 2º, nº 8, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei nº 59/2015, de 21 de abril, no caso dos autos;

3.Julgar totalmente procedente a presente ação, e, nessa medida:

a. anular o despacho do Presidente do Conselho de Gestão da entidade demandada datado de 04.01.2017, que indeferiu o requerimento apresentado pelo autor a 08.08.2016 para pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho;

b. condenar a entidade demandada a reapreciar a pretensão do autor, sem aplicar o disposto no citado artigo 2.º, n.º 8, do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril, e, nada obstando, a deferir essa sua pretensão”.

1.4. Dessa decisão o Ministério Público interpôs recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional (artigo 70º, nº1, alínea a), e 72º, nº 1, alínea a) e nº 3, da...

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