Acórdão nº 233/08.1PBGDM.P2 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 24 de Fevereiro de 2010

Magistrado ResponsávelMARIA DEOLINDA DIONÍSIO
Data da Resolução24 de Fevereiro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REC. PENAL.

Decisão: ANULADA A DECISÃO.

Indicações Eventuais: LIVRO 591 - FLS. 64.

Área Temática: .

Sumário: Padece do vício da insuficiência da fundamentação de facto a sentença em que o tribunal, refugiado em fórmulas genéricas e abstractas, não objectiva, de forma adequada à sua compreensão pelos sujeitos processuais interessados como pelo tribunal ad quem, a convicção adquirida e o processo lógico-dedutivo em que a fundamenta.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Processo n.º 233/08.1PBGDM.P1 4ª Secção Relatora: Maria Deolinda Dionísio Adjunto: Moreira Ramos.

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO Por acórdão proferido no processo comum, com intervenção de tribunal colectivo, n.º 233/08.1PBGDM, do Círculo Judicial de Gondomar, foi o arguido B……………….

, com os demais sinais dos autos, considerado inimputável perigoso e decretado o seu internamento forçado, em instituição de natureza psiquiátrica, pelo período mínimo de 3 (três) anos e máximo de 10 (dez) anos, sem prejuízo do disposto no art. 92º n.ºs 1 e 3, do Cód. Penal, por ter cometido factos tipificados como crime de incêndio no art. 272º n.º 1 a), do mesmo diploma legal.

Foi também condenado a pagar a cada um dos demandantes C…………… e D……………., a quantia de € 5.000 (cinco mil euros) e à demandante E………….. a quantia de € 10.000 (dez mil euros), quantias essas acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação para contestar até integral reembolso.

Inconformado, interpôs recurso o arguido, no âmbito do qual veio a ser proferido Acórdão, na 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto, datado de 16/9/2009, a declarar a nulidade da prova correspondente ao “Relatório completo de episódio de urgência” de fls. 14, bem como a nulidade do acórdão recorrido por ter feito uso daquela prova proibida, baixando os autos à 1ª instância com vista à reformulação da convicção probatória, sem prejuízo de reabertura da audiência de julgamento.

Reaberta a audiência com vista à reinquirição de duas das testemunhas de acusação e cumpridos os demais trâmites legais, foi, então, elaborado e publicado, a 20 de Novembro de 2009, novo acórdão pelo tribunal a quo, mantendo o anteriormente decidido.

Novamente inconformado, recorreu o arguido terminando com as seguintes conclusões que se transcrevem: «1. - O presente recurso versa sobre a condenação do arguido pelo cometimento de factos ilícitos típicos que correspondem ao preenchimento do tipo legal de incêndio, declarou o arguido imputável perigoso, decretou o internamento forçado em instituição de natureza psiquiátrica, com o período de duração de 3 (três) anos e como período máximo 10 (dez) anos, em virtude da prática de factos subsumíveis ao tipo legal de incêndio previsto e punido pela alínea a) do artigo 212.º do Código Penal.

  1. - A decisão do Tribunal Colectivo padece de uma insuficiência de prova para a decisão de facto encontrada.

  2. - O recorrente não concorda com a sua condenação do crime que vinha acusado.

  3. - Entendemos que o Tribunal não fez uma correcta apreciação da prova que foi produzida em sede de audiência de julgamento.

  4. - A prova realizada em audiência de discussão e julgamento não foi suficiente para os pontos a), b), c), d), h), i, j), e m), pudessem ser considerados provados.

  5. - A convicção do Tribunal a quo assentou, essencialmente, nas declarações das testemunhas, F……………., G………….., H…………… e I……………. (inspectores da PJ), J…………… e K……………. (agente da PSP) e, por fim, no teor das declarações dos demandantes C…………… e D……………...

  6. - Do depoimento das testemunhas resulta inequívoco que o arguido não cometeu os factos pelos quais vinha acusado.

  7. - O tribunal não atendeu devidamente ao depoimento destas testemunhas.

  8. - Do depoimento da testemunha C………………, resulta que a mesma conhecia vagamente o recorrente e, que somente o tinha visto duas ou três vezes. Assim como, não tinha visto quem tinha posto fogo à casa, uma vez que a essa hora estava no trabalho, conforme depoimento gravado no CD da audiência de 22 de Janeiro de 2009, minutos 9:51:44 a 10:19:32.

  9. - Relativamente às declarações prestadas pela testemunha D…………….., a mesma em audiência de discussão e julgamento refere conhecer só o arguido, ora recorrente de vista e, não sabia quem tinha posto fogo em sua casa, conforme depoimento gravado no CD da audiência de 22 de Janeiro de 2009, minutos 10:19:35 a 10:32:43.

  10. - Em audiência de julgamento, a testemunha F……………. não viu e muito menos reconheceu o arguido, conforme depoimento gravado no CD da audiência de 22 de Janeiro de 2009, minutos 10:32:46 a 11:08:45.

  11. - Do depoimento da testemunha L…………….., resulta que o mesmo não conhecia o recorrente e, que tinha saído antes da ocorrência, conforme depoimento gravado no CD da audiência de 22 de Janeiro de 2009, minutos 11:23:58 a 11:40:18.

  12. - Relativamente às declarações prestadas pela testemunha E…………….., a mesma em audiência de discussão e julgamento referiu não conhecer o arguido e, não sabia quem tinha posto fogo no prédio, conforme depoimento gravado no CD da audiência de 22 de Janeiro de 2009, minutos 11:40:21 a 11:57:36.

  13. - No que diz respeito ao depoimento prestado pelos inspectores da PJ e pelos agentes da PSP, apenas se pronunciaram quanto à forma como o fogo foi ateado e as consequências resultantes do incêndio, relativamente aos restantes factos não pode o seu depoimento ser valorado, uma vez que não mereceram a credibilidade ao tribunal, deixando dúvidas sobre a sua veracidade, nomeadamente o depoimento do inspector H…………… que, na audiência de discussão e julgamento do dia 20.11.2009, não revela algum distanciamento dos factos.

  14. - O princípio contido no artigo 127.° do CP não pode significar e, não significa, que o juiz possa decidir como entender, nomeadamente ultrapassando as provas produzidas em audiência de julgamento.

  15. - No julgamento nenhuma prova foi feita, quanto ao envolvimento do arguido B……………, na prática de factos subsumíveis ao tipo legal de incêndio, pelo que não pode o Tribunal "a quo", basear-se apenas nas regras de experiência comum para condenar o mesmo, de acordo com os mais rigorosos critérios lógicos e das regras de experiência comum, muitos dos factos dados como "provados", não deveriam resultar provados.

  16. - O próprio Acórdão reconhece que nos autos apenas existem indícios, não tendo sido feita qualquer prova de quem foi o autor do incêndio do prédio ali melhor identificado.

  17. - Da leitura feita do próprio Acórdão, facilmente concluímos que a prova feita em Audiência de Julgamento deixou o Tribunal na dúvida de quem teria praticado o crime, pois a decisão fundamentou-se em indícios e tentativas de explicação do sucedido, na verdade, atendendo à situação clínica do arguido, ora recorrente, que padecia à data da prática dos factos de uma anomalia psíquica, devidamente comprovada pelo relatório médico e depoimento do Prof. Dr. M……………., gerou-se a ideia de que tinha sido o recorrente o autor do incêndio.

  18. - Perante tanta incerteza e dúvida manifesta sobre a autoria do incêndio em apreço a douta sentença teria de ser absolutória, (cfr. Cristina Líbano Monteiro, "Perigosidade de Inimputáveis e In Dubio Pro Reo" Coimbra, 1997, pág. 49.

  19. - As regras da experiência comum, principalmente em processo crime não servem para provar factos, se a prova feita não é suficiente para formar a convicção do julgador no sentido da culpa ou inocência do arguido, então este deve ser absolvido, para que alguém seja condenado tem que existir provas concretas de tais factos.

  20. - Com o devido respeito pelo Tribunal "a quo", entendemos que o princípio in dubio pro reo não foi respeitado, funcionando em prejuízo do arguido, pois na dúvida e, apenas perante indícios, o Tribunal condenou.

  21. - O Tribunal "a quo" acabou por condenar o arguido na base de meras sensações, que não convicções, pelo menos fundadas, na base de meros juízos de probabilidade, que não verdadeiras certezas "... não se vislumbra outra explicação..." "... vários indícios existem..." - foi com base nesses meros indícios que o recorrente foi condenado, pois prova, como resulta das frases transcritas, não existem! 23.- Verifica-se que não se encontram preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal de incêndio previsto e punido pela alínea a) n.° l do artigo 272.° do Código Penal.

  22. - Em conformidade com o atrás exposto, deve, o arguido, ser absolvido do crime de incêndio previsto e punido pela alínea a) n.° l do artigo 212.° do Código Penal, em que foi condenado.

  23. - A douta sentença recorrida enferma dos vícios a que alude o art. 410.° n.° 2, alíneas a) e c) do CPP aplicável.» Termina pedindo a revogação do douto acórdão recorrido e a sua absolvição.

    ***Houve resposta do Ministério Público, que sustenta a manutenção do decidido e termina a douta motivação formulando as seguintes conclusões: (transcrição) “1. Não houve qualquer erro na apreciação da prova e a prova produzida é suficiente para que o arguido B…………… seja declarado inimputável perigoso - pelo cometimento de factos ilícitos típicos que correspondem ao preenchimento do tipo legal de incêndio - e decretado o seu internamento em instituição psiquiátrica, com o período de duração mínimo de 3 anos e máximo de 10 anos, como bem decidiu o Tribunal Colectivo.

  24. Tal resulta da prova produzida em audiência, devidamente gravada e acessível através do Citius/Habilus media player, designadamente das declarações das testemunhas I…………….. e H……………. prestadas nas sessões de 12 de Fevereiro e 20 de Novembro de 2009.

  25. Não houve qualquer violação do princípio "in dubio pro reo".

  26. Nem houve violação das disposições do artigo 410° n.° 2 alíneas a) e c) do CPP.

  27. Não foram violadas quaisquer outras normas legais pela decisão recorrida.”***Por despacho de fls. 721 foi admitido o recurso.

    Nesta instância o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto elaborou douto parecer, sustentando a improcedência do recurso visto inexistir qualquer dos vícios a que...

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