Acórdão nº 42/05.0GAVFL.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 27 de Janeiro de 2010

Magistrado ResponsávelANTÓNIO GAMA
Data da Resolução27 de Janeiro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL.

Decisão: ANULADA A DECISÃO.

Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO - LIVRO 408 - FLS 247.

Área Temática: .

Sumário: I - Por não estar sujeita a formalidades especiais, a contestação não tem obrigatoriamente que conter conclusões.

II - Compete ao juiz, na elaboração da sentença, fazer uma resenha sumária do alegado pelo arguido na contestação e extrair desta as conclusões.

III - A omissão do dever referido em 2, constitui mera irregularidade da sentença a ser suscitada no prazo de dez dias (Artigos 380º/1 al.a) e 105º/1 do CPP) IV - Enferma de nulidade – sanável e dependente de arguição – a sentença em que a motivação dos factos limita-se a enunciar e elencar meios de prova, sem proceder a uma análise crítica dessas provas.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Rec. n.º 42/05.0GAVFL.P1.

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto: No Tribunal Judicial da Comarca de Vila Flor, entre o mais que irreleva, foi decidido: Julgar a acusação procedente e, bem assim, as acções cíveis instauradas pelos B………., E.P.E. e C………. e parcialmente procedente a instaurada por D………. e, em consequência, absolver o arguido E………. do crime de ofenda à integridade física grave, previsto e punido nos termos do disposto no artigo 146.º, do Código Penal, com referência ao disposto nos artigos 144°, alínea b), e 132.º do mesmo diploma legal; Condenar o arguido E………., por haver praticado factos que integram um crime de ofensa à integridade física grave, previsto e punido nos termos do disposto no artigo 144.º, alínea b), do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos [de prisão].

Condená-lo a pagar a D………. a quantia de € 30.050,00 (trinta mil e cinquenta euros).

Condená-lo a pagar ao B………., E. P. E. a quantia de € 6.422,08 (seis mil quatrocentos e vinte e dois euros e oito cêntimos).

Condená-lo a pagar ao C………. a quantia de € 33,60 (trinta e três euros e sessenta cêntimos).

Absolvê-lo do demais contra si peticionado.

Inconformado o arguido recorreu rematando a motivação com as seguintes conclusões: I. O recorrente suscita quatro questões prévias.

  1. O acórdão é elaborado pelo tribunal colectivo de Vila Flor e não pelo de tribunal colectivo de Carrazeda de Anciães – correcção que se impõe, nos termos do art. 380.º do CPP.

  2. A contestação apresentada pelo arguido foi formulada nos termos do art. 315.º, do CPP, e recebida pelo tribunal. Devem as conclusões, extraídas da mesma, constar do texto do acórdão (art. 374.º, n.º1 al. d), do CPP). Não constando, é nulo o acórdão por violação da norma citada.

  3. Da testemunha F.………, última a ser ouvida em audiência de julgamento, nada refere o acórdão. O depoimento da testemunha é fundamental para a percepção plena da prova. Nada referindo o acórdão acerca desta testemunha – que não faz parte do leque de familiares e amigos do arguido – está o mesmo condenado á nulidade. Para a falta de indicação das provas que serviram para fundamentar a convicção do tribunal, comina-se a nulidade consignada no art. 379.º, al. a), do CPP; nulidade que também afecta a falta de todas as outras menções referidas nos números 2 e 3, al, b) do mesmo artigo (cfr. Maia Gonçalves, in CPP anotado, pág. 676).

  4. Na fundamentação das decisões judiciais exige-se não só a indicação das provas, ou meios de prova, que serviram para formar a convicção do tribunal mas, fundamentalmente, a exposição tanto quanta possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão. Estes motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados (thema decidendum) nem os meios de prova (thema probandum) mas os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma, os diversos meios de prova apresentados em audiência.

  5. O acórdão não contém estes mesmos elementos imprescindíveis ao preenchimento dos requisitos do art. 374.º, do CPP. Tal vício vai, por sua vez, implicar a nulidade do acórdão, nos termos no art. 379.º, al. a), do CPP, devendo ser o processo reenviado para novo julgamento (art. 426.º do CPP).

    VII - A expressão livre apreciação da prova terá de ser a antítese da ideia liminar e intuitiva que se tem quando se fala em íntima convicção. A liberdade de apreciação da prova não pode, por isso, estar mais longe das meras conjecturas e das impressões sensitivas injustificáveis e não objectiváveis. E o único modo de se garantir o respeito intocado por tais baias é a exigência de uma motivação clara, suficiente, objectiva e comunicacional.

  6. Porque discorda da forma como a prova produzida no presente processo foi avaliada pelo Tribunal a quo, o Recorrente impugna a matéria de facto dada como provada na decisão sobre recurso.

  7. O mesmo é dizer que o Recorrente pretende que este Tribunal proceda à reapreciação da prova produzida, mormente, no que concerne à prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento.

  8. Face ao exposto, não pode manter-se parte da factologia dada como provada. Nomeadamente que, a) O arguido se encontrava na varanda do lado esquerdo, munido com uma arma, de características não concretamente apuradas.

    1. Que apontou a arma ao D………. e lhe disse que ali não entrava c) Que tenha disparado a arma na direcção do ofendido D……….., atingindo-o, com uma bala, na face posterior lateral da perna direita.

    2. Que os danos daí decorrentes fossem os descritos nos pontos 20 f e 20 G deste recurso, nomeadamente, múltiplas feridas cicatriciais localizadas na região lateral e anterior do terço inferior da coxa e do joelho; amputação do halux; amputação da primeira falange dos segundo e terceiro dedos; rigidez da articulação tíbio-társica, cicatriz, longitudinal, medindo doze centímetros de comprimento por quinze milímetros de largura, localizada na região antero-interna da coxa.

    3. Que o tiro disparado tenha provocado qualquer lesão na perna esquerda.

    4. Em consequência, que as lesões provocadas pelo tiro tenham implicado 780 dias de afectação para a capacidade para o trabalho geral e profissional.

  9. Consequentemente, com base nos fundamentos expostos e conforme os depoimentos de per si e/ou conjugados, das testemunhas G………., H………., I………., J………. e F………. (concretamente nas transcrições das passagens indicadas no ponto 72, do recurso), deverão ser dados como provados os seguintes factos: e com base nos fundamentos expostos, deverão ser dados como provados os seguintes factos: a) No dia 7 de Março de 2005 o arguido não esteve no local onde o queixoso diz ter sido atingido com um tiro; b) Nesse dia o arguido E………. encontrava-se a muitos quilómetros de distância, em ………., S.to Tirso, com amigos e conhecidos; c) Nenhum motivo tinha o arguido para praticar os factos de que vem acusado; d) Não foi o arguido que praticou o delito XII. A arma em causa não poderá ser designada como uma arma de características não concretamente apuradas. Elas foram apuradas em audiência de julgamento. Trata-se de uma arma caçadeira. Tal facto não passa despercebido ao homem médio. Estamos assim perante um erro notório na apreciação da prova (quando da factualidade provada se extraiu uma conclusão notoriamente violando as regras da experiência comum). Impõe-se a rectificação do mesmo, julgando-se de novo tal matéria e proferindo nova decisão.

  10. Logo que a arma de fogo ficou caracterizada (e de um erro inicial [o tipo de arma], outros se repercutem em consequência) deixou, logicamente, de fazer qualquer sentido manter-se “uma bala” no texto do facto 2. Uma caçadeira não dispara “balas”. Mantendo-se o facto, tal e qual como foi apresentado na peça acusatória, fica sempre a ingrata sensação de o tribunal não ter tomado em conta os depoimentos prestados e a demais prova produzida, em audiência de julgamento. Julgou-se assim em erro.

  11. Estamos perante um erro notório na apreciação da prova, perante um vício que se verifica quando da factualidade provada se extrai uma conclusão ilógica, ou notoriamente violando as regras da experiência comum. Assim, deve a factologia em causa (nomeadamente a dos factos 5 [erro notório], 10 [contradição insanável entre a fundamentação], 11, 12 e 13 [erro notório e contradição insanável] deve ser de novo julgada, remetendo-se o processo para novo julgamento (art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP, conjugado com o art. 426.º, do CPP) ou proceda à alteração necessária destes factos.

    Os depoimentos do assistente e da testemunha K………. são incongruentes entre si e reveladores de uma manifesta falta de credibilidade, sobretudo, quando interpretados pelas regras da lógica e as máximas da experiência da vida – cf. Transcrições de passagens que foram realizadas e vêm expressas nos pontos 34, 36 a 43 da motivação do recurso.

  12. O acórdão indica a matéria constante do facto 11, como sendo o resultado da lesão provocado pelo disparo de uma bala. Trata-se de um erro ostensivo (art. 410.º, 2, c), do CPP). Não existe qualquer nexo causal – nem disso há qualquer fundamento no acórdão – que o disparo de uma bala, atingindo a parte de trás da perna direita de um homem, possa, alguma vez, implicar as lesões descritas no facto 11. Este erro teve repercussões directas na decisão. E tal erro não se compadece com mera correcção, mas sim, com a anulação da decisão e com o envio do mesmo para novo julgamento (art. 410.º, n.º 2, al. c), e art. 426.º, ambos do CPP).

  13. Para além dos erros notórios acima apontados, dar o facto 12 como provado, constituiu um exemplo flagrante da verificação do vício consignado no art. 410.º, n.º 2, al. b), do CPP: contradição insanável da fundamentação. Por um lado dá-se como provado que o ofendido foi atingido por uma bala na parte de trás da perna direita. Mais à frente dá-se como provado que tal disparo causou lesão na perna esquerda do ofendido. Esta contradição implica a nulidade do acórdão e ser a mesma matéria de novo apreciada reenviando-se o processo para novo...

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