Acórdão nº 1865/06.8TASTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 25 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelARTUR VARGUES
Data da Resolução25 de Novembro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL.

Decisão: NEGADO PROVIMENTO.

Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO - LIVRO 602 - FLS 219.

Área Temática: .

Sumário: O limite de 7500 euros consagrado no n.º 1 do art. 105º do Regime Geral das Infracções Tributárias, na redacção que lhe foi dada pelo art. 113º, da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, não é aplicável ao crime de abuso de confiança contra a Segurança Social previsto no art. 107º do RGIT.

Reclamações: Decisão Texto Integral: RECURSO Nº 1865/06.8TASTS.P1 Proc. nº 1865/06.8TASTS, do .º Juízo de Competência Criminal, do Tribunal Judicial de Santo Tirso Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto I - RELATÓRIO 1. Nos presentes autos com o NUIPC 1865/06.8TASTS, do .º Juízo de Competência Criminal, do Tribunal Judicial de Santo Tirso, em processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, foi o arguido B………. condenado, por acórdão de 14/04/09, na pena 200 dias de multa, à taxa diária de 1 euro, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 107º, nº 1 e nº 2, 105º, nºs 1, 4 e 7, da Lei nº 15/01, de 15/06 e artigo 30º, nº 2, do Código Penal.

  1. O arguido não se conformou com essa condenação e dela interpôs recurso, impetrando que se faça cessar a execução da pena aplicada.

    2.1 Extraiu o recorrente da motivação as seguintes conclusões (transcrição): --1. Foi o arguido condenado em 200 dias de multa à razão de € 1,00 dia.

  2. O Arguido, nos autos à margem referenciados, face Lei nº 64-A/2008 de 31 de Dezembro, veio requerer a extinção do procedimento criminal nos presentes autos, com fundamento em serem todas as prestações em causa de valor inferior a 7.500 Euros.

  3. A decisão proferida não deve manter-se por não interpretar e aplicar a lei correctamente ao caso em apreço.

  4. Na verdade, o legislador ao não ter introduzido uma expressão similar à utilizada no artigo 105º do RGIT, no artigo 107º deste regulamento, quis com isso significar que neste tipo legal não pretendeu deixar de punir as omissões de entrega inferiores a 7.500,00 Euros.

  5. A letra da lei e seu espírito permitem tal conclusão.

  6. Muitos aspectos normativos do artigo 105º do RGIT são aplicáveis ao artigo 107º por remissão.

  7. Uma das remissões é justamente para a punição do artigo 105º nº 1.

  8. O artigo 107º nº 1 remete para as penas aplicáveis ao nº 1 do artigo 105º do mesmo regulamento.

  9. Não sendo nenhuma pena é aplicável quando a omissão de entrega é inferior a 7.500,00 Euros, conforme dispõem expressamente o artigo 105º nº1, ao manter-se esta remissão para a punição, tal significa que o limite mínimo de ilicitude é aplicável ao artigo 107º.

  10. Sendo a pena uma reacção criminal a conduta ilícita, quando exceda 7.500,00 Euros, não faz sentido manter-se uma remissão para as penas aplicáveis ao nº 1 do artigo 105º, se não quiser, efectivamente, transmitir a vontade em aplicar ao limiar mínimo de ilicitude aos dois tipos legais.

  11. A melhor interpretação é conforme atrás se refere, não obstante o legislador não ter feito constar expressamente o valor de 7.500,00 Euros no artigo 107º nº 1.

  12. O legislador ao alterar o nº 1 do artigo 105º revogou o nº 6 que estabelecia exclusão de responsabilidade criminal no caso de prestações inferiores a 2.000,00 Euros, sendo efectuada uma notificação conferindo ao arguido a possibilidade de fazer cessar o procedimento criminal, e independentemente de este ter feito as declarações à administração – ao contrario da condição de exclusão da punibilidade prevista no artigo 105º nº 4 alínea b) que pressupõe tal declaração.

  13. Com a alteração ao nº 1 do artigo 105º, o nº 6 deixou de ter qualquer sentido e a “notificação” não tem razão de ser quando só existe responsabilidade criminal acima dos 7.500,00 Euros.

  14. A revogação do nº 6 teve assim toda a lógica e o legislador quis esse mesmo efeito no artigo 107º pois o nº 6 também era aplicável ao artigo 107º por remissão.

  15. Seria absurdo considerar-se a manutenção do nº 6 do artigo 107º do RGIT, quando a responsabilidade apenas existia em omissões de entrega superiores a 7.500,00 Euros.

  16. As considerações atrás referidas quanto à despenalização do artigo 105º são aplicáveis ao artigo 107º, uma vez que o legislador passou a entender que os crimes de abuso fiscal dos artigos 105º e 107º apenas são puníveis para as omissões de entrega superiores.

  17. Mesmo que assim não se entenda estaríamos com uma situação duvidosa de interpretação da lei e teríamos de fazer a interpretação no sentido mais favorável ao arguido.

  18. Em consequência, as prestações relativas à Segurança Social, objecto da sentença condenatória proferida, todas de valor inferior a 7.500 Euros, estão abrangidas pela alteração introduzida pela Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro, pelo que deve cessar a execução da pena aplicada nos presentes autos.

  19. Respondeu o Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo, pugnando pela improcedência do recurso interposto.

    São, em síntese, os seguintes os seus fundamentos: Ainda que na descrição dos seus elementos típicos se verifique um certo paralelismo (v.g. quanto à não entrega, total ou parcial, das prestações/contribuições deduzidas), os tipos legais são autónomos entre si, sendo que o crime de abuso de confiança contra a segurança social se apresenta como um crime específico próprio, uma vez que a lei caracteriza o dever violado através dos elementos típicos do agente, exigindo que ela seja uma entidade empregadora.

    Por outro lado, são igualmente diferenciados os bens jurídicos protegidos por uma e outra norma. Assim, enquanto no crime de abuso de confiança fiscal (art. 105.º) se tutela o normal funcionamento do sistema fiscal e os interesses que este visa satisfazer, ou seja, não apenas a arrecadação de receitas, mas também a prossecução de objectivos de justiça distributiva, tendo em conta a necessidade de financiamento das actividades sociais do Estado – arts. 103.º e 104.º da CRP), no caso do abuso de confiança contra a segurança social (art. 107.º) está em causa a protecção dos deveres de colaboração, transparência e lealdade das entidades empregadoras para com a administração da segurança social (relação de confiança).

    E sendo crimes autónomos, parece-nos que a alteração legislativa introduzida pelo art. 113.º da Lei que aprova o OE para 2009, e segundo a qual apenas passa a constituir crime de abuso de confiança fiscal a não entrega, total ou parcial, da prestação tributária de valor superior a € 7500, tem o seu campo de aplicação restrito ao mencionado crime, nada admitindo a extensão de tal limite mínimo ao crime de abuso de confiança contra a segurança social.

    Tal argumento colhe-se ainda da circunstância de que, enquanto a não entrega das prestações tributárias iguais ou inferiores a € 7500 passa a integrar a contra-ordenação prevista pelo art. 114.º do RGIT, no caso da não entrega das quotizações deduzidas à Segurança Social, tal conduta deixaria, por falta de previsão legal correspondente, de ser objecto de qualquer sanção, consequência que não terá sido a pretendida pelo legislador.

    A questão mais perturbadora que se coloca é a de se saber se, tendo sido revogado o n.º 6 do art. 105.º e não tendo sido, concomitantemente, actualizado o disposto no art. 107.º, nº 2, ambos do RGIT, que continua a manter a remissão para aquele n.º 6, se se mantém, ainda assim, quanto ao crime de abuso de confiança contra a segurança social, a causa de extinção da responsabilidade criminal que aquela alínea comportava.

    Todavia, tendo-se verificado a revogação expressa daquela norma, a única conclusão que se entende ser possível extrair é a de que o pagamento da prestação inferior a € 2.000, nos termos então fixados pelo art. 105.º, n.º 6, por remissão do art. 107.º, nº 2 do RGIT, não pode agora ser convocada como causa de extinção da responsabilidade criminal quanto ao crime de abuso de confiança contra a segurança social, podendo, no entanto, os agentes do ilícito prevalecer-se da prerrogativa do n.º 4 do art. 105.º do RGIT.

  20. Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido também da improcedência do recurso, louvando-se nos fundamentos da decisão recorrida e da resposta do Ministério Público ao recurso.

  21. Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, nº 2, do CPP.

  22. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

    Cumpre apreciar e decidir.

    II - FUNDAMENTAÇÃO 1. Âmbito do Recurso O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do CPP – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª Edição, Ed. Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Edição, Ed. Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/99, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. Pleno STJ nº 7/95, de 19/10/95, DR I-A Série de 28/12/95.

    1.1 No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação do recurso, a questão que se suscita é a da aplicação, no âmbito de crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, do limite de 7500 euros estabelecido no nº 1, do artigo 105º, do RGIT, na redacção dada pela Lei nº 64-A/2009, de 31/12.

  23. A Decisão Recorrida O acórdão recorrido tem o seguinte teor (transcrição): I - Relatório Para julgamento por tribunal singular, sob a forma de processo comum, o MP deduziu acusação contra: B………., casado, nascido a 14.08.1962, filho de C………. e de D………., residente na Rua ………., nº .., .º Esq., Santo Tirso imputando-lhe a prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos art.’s 107º, nºs 1 e 2, e 105º, nºs 1, 4 e 7, do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 15.06, com as sucessivas alterações, e ainda pelo art. 30º, nº 2, do Cód. Penal.

    O Instituto de...

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