Acórdão nº 125/05.6FAVNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 14 de Outubro de 2009

Magistrado ResponsávelJOSÉ CARRETO
Data da Resolução14 de Outubro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REC PENAL.

Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.

Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO - LIVRO 595 - FLS 48.

Área Temática: .

Sumário: I - É, ente outros, pressuposto do crime continuado que o agente actue a solicitação de uma mesma situação exterior que lhe facilite ou o arraste para a renovação da sua vontade e do acto criminoso.

II - Inexiste tal pressuposto se é o próprio arguido que procura a situação de reiteração da prática dos crimes.

Reclamações: Decisão Texto Integral: Rec. nº 125.05.6FAVNG.P1 TRP 1ª secção criminal Acordam em conferência os juízes no Tribunal da Relação do Porto No Proc.C.Singular nº 125.05.6FAVNG do .º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Gondomar, foi julgado o arguido B………., solteiro, gerente comercial, nascido a 01/04/1969, natural de Penafiel, filho de C………. e de D………., residente na Rua ………., …, ………, Gondomar E a final em 14/4/09 foi por sentença proferida a seguinte decisão: “Nestes termos e pelos fundamentos aduzidos, o tribunal decide:

  1. Absolver o arguido B………. da prática das quatro contra-ordenações p. e p. pelo art. 65.º do DL n.º 28/84, de 20.01, pelas quais vinha pronunciado; b) Condenar o arguido B………. como autor material de quatro crimes de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo disposto no art. 108.º, n.º 1, do DL n.º 422/89, de 02.12, na redacção do DL n.º 10/95, de 19.01, por referência aos arts. 1.º, 3.º, n.º 1, e 4.º, n.º 1, al. g), do mesmo diploma, nas seguintes penas parcelares: a. na pena de 3 (três) meses de prisão e 80 (oitenta) dias de multa, pelo crime referente aos factos de 03.10.2005; b. na pena de 6 (seis) meses de prisão e 110 (cento e dez) dias de multa, por cada um dos três crimes referentes aos factos de 16.01.2006, 10.04.2007 e 17.04.2007.

  1. As penas aplicadas ao arguido encontram-se em situação de concurso real, pelo que, efectuando o cúmulo jurídico das mesmas, condena-se o arguido B………. na pena única de a.

11 (onze) meses de prisão, substituída pela pena de prestação de 330 (trezentas e trinta) horas de trabalho a favor da comunidade, mediante plano de execução a homologar posteriormente pelo Tribunal; e b.

260 (duzentos e sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euro), perfazendo a quantia global de € 1 300,00 (mil e trezentos euro).” Inconformado recorre o arguido o qual no final da sua motivação apresenta as seguintes conclusões: “ A. A condenação do aqui Recorrente vem na decorrência de em audiência de julgamento ter ficado provada toda a factualidade constante na douta acusação, pelo menos no que concerne aos crimes que lhe eram imputados, e nessa sequência, entendeu o Meritíssimo Tribunal “a quo” que a mesma culminava na condenação do arguido B………. «por quatro vezes, correspondentes a outras tantas apreensões separadas no tempo», «tendo o arguido, pelas quatro vezes, actuado com dolo directo, pois quis explorar jogos de fortuna e azar sem autorização para tal, renovando sucessivamente a resolução criminosa».

B. Ora, assim sendo, e salvo o devido respeito, parece-nos que o Tribunal “a quo” não se pronunciou, pelo menos fundamentadamente, sobre se seriam tais factos enquadráveis no âmbito de um concurso de crimes (art. 30º, nº 1 do C.Penal), ou em crime continuado (art.º 30.º, n.º 2 do C.Penal), assumindo como ponto de partida que o arguido teria praticado quatro crimes de exploração ilícita de jogo.

C. Efectivamente, a prova produzida em audiência de julgamento, que permitiu analisar a conduta do arguido, autoriza precisamente a conclusão de estarmos perante um caso de continuidade ou unidade criminosa, facto que se revela de extrema importância para aferir da questão da culpabilidade e da questão da determinação da sanção a aplicar.

D. Os pressupostos para verificação do crime continuado verificam-se, pois, no caso sub judice, sendo certo que, o arguido, actuou no quadro de uma situação exterior que diminui consideravelmente a sua culpa, desiderato que foi possível alcançar em sede de julgamento e decorre do texto da própria sentença quando diz que esta refere que «O arguido colocou os aparelhos supra referidos com a intenção de obter rendimento que lhe permitisse fazer face às dificuldades económicas por que, na altura, começou a passar.».

E. Com efeito, os factos constantes da acusação apreciada em julgamento, nomeadamente o facto de terem resultado de quatro acções de fiscalização distintas, consubstanciam a realização plúrima do mesmo tipo de crime (exploração ilícita de jogo), o qual protege fundamentalmente o mesmo bem jurídico, F. Bem assim, pelo modus operandi (exploração de jogos da mesma natureza em regime de comissão), afinidade nos jogos descritos nos autos, isto é, as descrições apresentadas quanto às várias máquinas expositoras apreendidas nas quatro acções de fiscalização e o desenvolvimento dos vários jogos, ocorre certa homogeneidade da forma de execução da lesão do mesmo bem jurídico, tal como se afere da exposição supra por referência aos factos dado como provados.

G. Assim, atendendo aos elementos probatórios constantes nos autos, pode concluir-se com a máxima segurança e de forma inabalável que ressalta a figura jurídica do crime continuado, à luz da qual deveria operar-se a subsunção dos factos ao direito, designadamente, para determinação da escolha e da medida da pena.

H. Donde, insurge dizer que, o facto do arguido enquanto explorador do estabelecimento em questão, que passava por dificuldades económicas, aliada ao facto de lhe ter sido proporcionado a exploração de variados jogos mediante uma aliciante divisão de lucros (em regime de comissão) e boa receptividade aos mesmos, consubstanciam factores externos impulsionadores da prática de factos de natureza semelhante, projectando assim uma continuidade criminosa.

I. Efectivamente, verificando-se que os factos em causa nos presentes autos se encontram numa situação de continuidade criminosa em virtude de se constatar identidade do modus operandi, bem como do mesmo tipo de máquinas e de jogos, indubitavelmente ressalta a figura do crime continuado prevista no art. 30º, nº 2 do C. Penal, norma que o Tribunal “a quo” deveria ter aplicado.

J.

Assim, feito o enquadramento jurídico e afigurando-se correcto aplicar a norma relativa ao crime continuado (art. 30º, nº 2 C. Penal), por obediência ao disposto no art. 79º do C. Penal, que dita que “o crime continuado é punível com a pena aplicável à conduta mais grave que integra a continuação”, deveria o Tribunal “a quo”, em concreto, aplicar ao arguido penas inferiores àquelas que foram aplicadas.

K. De facto, se é certo que é muito difícil “medir” a culpa de quem pratica factos criminalmente puníveis, não o é menos que, para a determinação judicial da pena, a nossa lei penal oferece ao julgador um quadro ou moldura em cujos limites aquela deverá ser fixada e dentro dos quais o julgador deverá ter em consideração, em conjunto, as particularidades do crime e do seu autor, orientando-se por critérios valorativos objectivos.

L. Tanto que, é a própria lei que, atendendo à delicadeza da determinação das penas, fixa regras ou critérios pelos quais se deverá orientar o julgador - artigo 71.º, n.ºs 1 e 2, do nosso Código Penal – desde logo, a primeira, impõe uma retribuição justa M. Ora, é precisamente no ponto da retribuição justa que radica a discordância do recorrente em relação à medida da pena fixada pelo Meritíssimo Tribunal “a quo” que deveria ter sido determinada nos termos previstos para a punição do crime continuado.

N. Descurou o Meritíssimo Juiz “a quo” a ponderação de “todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, (...)”, na medida em que não relevou suficientemente o facto do arguido ter realizado uma confissão integral e sem reservas.

O. Pelo supra exposto, não se vê que as exigências de prevenção geral, ditas de integração, não fiquem perfeitamente prosseguidas com a condenação do recorrente numa pena menos grave, realizando-se, por este meio, de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

P. De sorte que, em obediência aos imperativos consignados no n.º 2 do artigo 71.º do nosso Código Penal, o Meritíssimo Tribunal a quo deveria ter considerado adequado aplicar ao ora Recorrente uma pena mais leve, não o tendo feito, o Tribunal a quo violou, mais uma vez, o disposto no artigo 71.º, n.º 2 e 79º do nosso Código Penal.

OUTROSSIM, SEM PRESCINDIR, Q. Acresce que, ainda que não proceda tudo quanto supra exposto no que concerne ao crime continuado, o que não se concede mas por mero dever legal de patrocínio se equaciona, sempre o aqui Recorrente, e salvo o devido respeito, se permite discordar da medida concreta da pena única que lhe foi aplicada e da sua substituição por trabalho a favor da comunidade na medida de 330 dias.

R. Revelando-se esta demasiado excessiva e onerosa para o aqui Recorrente, porquanto, tal medida se revela muito próxima do seu limite máximo de 380 (trezentas e oitenta horas) horas.

S. Com efeito, pese embora o Dign.º Tribunal “a quo” tivesse considerado a aplicação da redacção do n.º 3 do artigo 58.º do C.Penal em vigor à data dos factos, porquanto, mais favorável ao arguido, parece-nos que, em concreto, a sua decisão se aproxima mais da nova versão daquele preceito legal, cujo limite máximo é de 480 (quatrocentas e oitenta) horas.

T. O que, aliás, não se compreende até pela medida concreta da pena de multa aplicada ao aqui Recorrente, pois que, se dentro da moldura de cúmulo de 110 a 410 dias de multa julgou o Dign.º Tribunal “a quo” adequado aplicar a pena única de 260 dias de multa, por certo, dentro da moldura de 26 a 380 horas seria equitativo aplicar-se, quanto muito, igual medida, ou seja, 260 horas.

U. Acresce que, por outro lado, as mesmas razões de discordância se apontam no que concerne ao quantitativo diário aplicado ao arguido, aqui Recorrente, pois, na verdade, pese embora o Dign.º Tribunal “a quo” tenha doutamente decidido pela aplicação “in casu” da...

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