Acórdão nº 300/04.0GBBCL.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 25 de Janeiro de 2010

Magistrado ResponsávelCRUZ BUCHO
Data da Resolução25 de Janeiro de 2010
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães:*I- Relatório No 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Barcelos, no âmbito do Processo Comum Colectivo nº 300/04.0GBBCL, por acórdão de 29 de Janeiro de 2008, a arguida Maria B..., com os demais sinais dos autos, foi condenada: a) pela prática de 1 (um) crime de furto qualificado p. e p. pelos artigos 203º, n.º1 e 204º, n.º2, al. e) do Código Penal, ocorrido no dia 3 de Março de 1004, na pena de 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão; b) pela prática de 1 (um) crime de furto qualificado p. e p. pelos artigos 203º, n.º1 e 204º, n.º2, al. e) do Código Penal, ocorrido no dia 18 de Dezembro de 2004, na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) dez meses de prisão; c) em cúmulo jurídico, na pena única de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão *Inconformada com tal decisão, a arguida dela interpôs recurso, rematando a sua motivação com as seguintes conclusões que se transcrevem: «1- O acórdão agora objecto de recurso valeu-se única e exclusivamente da recolha dos vestígios lofoscópicos encontrados em ambas as residências - v. Fls. 11 dos autos e fls. 7 do apenso - corporizada nos exames periciais, cujos relatórios se encontram juntos a fls. 19 a 24 do processo principal e fls. 21 a 25 do processo apenso, para alicerçar a decisão final condenatória da arguida. Não existe outra prova documental nem testemunhal. Será essa única prova suficiente para condenar a arguida e envia-la para a prisão? 2 - Nessa busca do convencimento sobre o caso submetido a julgamento, funciona, ainda, a regra básica, (herdada do sistema de prova livre), consagrada no artigo 127º, do CPP, da livre apreciação da prova, a qual comporta algumas "excepções", que se prendem com aspectos particulares da prova testemunhal, das declarações do arguido e das provas pericial e documental.

3 - A ideia da livre apreciação da prova, «uma liberdade de acordo com um dever», assenta nas regras da experiência e na livre convicção do julgador.

Mas, esse critério de apreciação da prova, implica que o julgador proceda a uma valoração racional, objectiva e crítica da prova produzida, valoração essa que, por isso, não se pode confundir com qualquer "arte de julgar".

Com efeito, como tem vindo repetidamente a afirmar a nossa jurisprudência, a livre apreciação da prova não significa "apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova", nem apreciação subjectiva do julgador, o que, aliás, está de acordo com a posição defendida, entre outros, por Figueiredo Dias e Germano Marques da Silva.

4 - Do exposto decorre, por outro lado, uma «íntima conexão existente entre o princípio da livre apreciação da prova, o princípio da presunção de inocência, o dever de fundamentação das sentenças, o direito ao recurso, e o direito à tutela efectiva».

5 - O direito processual penal português, ao afastar-se do sistema das provas tarifadas ou do sistema da prova legal, reafirmou o princípio da livre convicção do julgador.

Este princípio exige que o julgador, na sua tarefa de apreciação dos meios de prova produzidos, atenda às circunstâncias concretas de cada caso.

6 - A prova pericial tem uma especial importância quando, através dos seus juízos técnicos, científicos ou artísticos, se apuram factos novos com interesse para a decisão da causa, factos esses que de, outra forma, não seriam trazidos para o processo.

Esses factos novos (mesmo que sejam instrumentais), introduzidos pela prova pericial, podem ser imprescindíveis na resolução do caso a submeter ou submetido a julgamento penal.

7 - Com isto não se quer significar que, a prova pericial, só por si seja suficiente para, em sede de inquérito, permitir uma acusação ou um arquivamento ou para, em sede de instrução, permitir uma pronúncia ou uma não pronúncia ou para, em fase de julgamento, permitir uma condenação ou uma absolvição.

É que, os factos apurados decorrentes da prova pericial terão sempre de ser complementados por outros elementos de prova.

8 - Por outro lado, se o contributo da cientifização probatória se revela fundamental e decisiva, - « os exames hematológicos oferecem uma prova muito segura da realidade em causa, sendo de elevado grau de rigor - tal não é significante, contudo, da irrefutabilidade (unteugbar) de uma prova científica absolutizante e esgotante, afastando as demais provas. O tribunal, «com os olhos postos na realidade social», segundo as regras da experiência e sensível aos avanços científica e aos seus contributos na área jurídica, não é indiferente perante as duas tipologias probatórias.

9 - No entanto, a decisão do juiz sustentada num resultado científico e no parecer dos peritos (sich auf sachverstandig berufen) é, à luz da experiência da rechspraxis, razoável mas não afastando a observação globalizante e ponderada de todos os condicionalismos envolventes.

Será esta livre apreciação da prova que, mesmo em face de resultados suficientes científicos que direccionam a decisão, não cessará de persistir, um «resíduo incómodo», um inevitável risco da arbitrária decisão humana? O seu papel (juiz) poderá estar a ser cada vez mais condicionado pelos resultados das perícias e pelos depoimentos das porta-vozes da prova científica.

10 - Complementarmente, a prova científica não pode - nem deve - ser vista como um perito (sachverstandige) substituiria, naturalmente, o juiz e o resultado científico ficaria tutelado com uma pré-valorização probatória, num neo-retorno à presunção legal de provas e á sua supra - infra - ordebação. Considera-se que a prova laboratorial deve ser complementada pelas restantes meios de prova existentes, pois aquela carece de força probatória plena. É que o exame ou perícia por maior grau de certeza que se obtenha, não é lucipotente, em termos absolutos, situa-se no mencionado grau que atinge a raia da certeza, sem contudo lá chegar. Assim, sempre a probabilidade laboratorial deve ser complementada pela restante prova produzida. É certo que, no sistema vigente, o resultado laboratorial acaba por fornecer um juízo de probabilidade que é apreciado e valorado livremente pelo tribunal, quase da mesma maneira que a prova testemunhal.

11 - Ora, no presente processo o tribunal da 1.ª Instância serviu-se única e exclusivamente da prova pericial a qual não se encontra complementada por outros elementos de prova porque simplesmente não existem!!! 12 - Há uma configuração factual que, sem outros apoios, é manifestamente insuficiente para alcançar uma solução jurídica que esteja devidamente sustentada, pelo que estamos perante uma insuficiência da matéria de facto que impede a decisão da causa, vício previsto na alínea a) do n.º2, do art.º 410.º, do CPP, o qual determina o reenvio para novo julgamento no Tribunal da Relação, nos termos do art.º 426.º, n. °2. Ac. de 6-5-2004; O vício de insuficiência da matéria de facto provada verifica-se quando há uma lacuna, deficiência ou omissão no apuramento e investigação da matéria de facto. Este vício influencia e repercute-se na «decisão justa que devia ter sido proferida». Ac. da Rei. do Porto de 23.5.2001. estes acedidos em www.dgsi.pt 13 - Pois bem.

14 - Face ao que se disse, existe claramente no acórdão proferido e no texto o vício de decisão - insuficiência da matéria de facto para a decisão, repercutindo-se na decisão justa que deveria ter sido proferida.

15 - Por outro lado, verifica-se do texto do Acórdão agora objecto de recurso, nomeadamente na motivação da decisão de facto que o tribunal não fez uma análise crítica da prova.

16 - A exigência de fundamentação é antes de tudo uma questão de transferência, mas é muito mais do que isso, visa também o autocontrolo das autoridades judiciárias e o direito de defesa a exercer através dos recursos.

17 - O autocontrolo, que a exigência de fundamentação representa também, manifesta-se a níveis diferentes: por um lado à comissão de possíveis erros judiciários, evitáveis precisamente pela necessidade de justificar a decisão; por outro lado, implica a necessidade de utilização pela autoridade decidente de um critério racional de valoração da prova, já que se a convicção se formou através de meras conjecturas ou suspeitas a fundamentação será impossível. A fundamentação actua assim como garantia de apreciação racional da prova legalmente admitida no processo.

Finalmente, a motivação é imprescindível para efeitos de recurso, sobretudo quando tenha por fundamento o erro na valoração da prova; o conhecimento dos meios de prova e do processo indutivo são absolutamente necessários para poder avaliar-se da correcção da decisão sobre a prova dos factos, pois só conhecendo o processo de formação da convicção do julgado se poderá avaliar da sua legalidade e razoabilidade 18 - A formulação do art.º 374.º, n.º2 foi alterado com a reforma de 1998, a lei não se basta agora, com a indicação das provas, mas exige ainda que a fundamentação expresse um exame crítico das mesmas.

19 - O "exame crítico" a que se alude no art.º 374.º, n. °2 CPP configura-se como reforço das garantias da defesa situando-se na esteira da antiga pela transparência da decisão de modo a que ela se construa não tanto em obediência a uma noção de puro vencimento mas de convencimento e também como elemento conducente e uma melhor ou mais cabal consciencialização pelo julgador tudo possibilitando um conhecimento mais autêntico da situação pelo tribunal de recurso.

Se o tribunal recorrido apenas elencou as provas em que se estribou para formar a sua convicção não procedem ao "exame crítico" que a Lei exige cometendo a nulidade prevista no art.º 379.º, n. °1, al. a) do CPP.

Acedido em www.dgsi.pt Ac. da Relação de Lisboa de 24.10.2002 20 - Assim também por este lado, o Acórdão deve ser anulado, por faltar na fundamentação o exame crítico da prova para formar a convicção do tribunal, acarretando consequentemente a nulidade da sentença - artigos 374.°, n. °2 e 379.º, n. °1, al. a) do CPP.

Foram violados os art.ºs 127º, 374.°, n. °2 e 379.º, n. °1, al. a) do CPP.» *O Ministério...

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