Acórdão nº 152/08.1TABCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Dezembro de 2009

Magistrado ResponsávelCRUZ BUCHO
Data da Resolução15 de Dezembro de 2009
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães:*I- Relatório No processo de instrução n.º 152/08.1TABCL. do 1º Juízo Criminal Tribunal Judicial de Barcelos, por despacho de 24 de Junho de 2009, o arguido Pedro S..., com os demais sinais dos autos, foi pronunciado pela prática, em autoria matéria, de um crime de difamação p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 180º, n.º1, 182º e 183º, n.ºs 1 e 2, todos do Código Penal e 30º e 31º ambos da Lei n.º 2/99, de 13 de Janeiro (Lei de Imprensa) *Inconformado com tal decisão, o arguido Pedro S... dela interpôs recurso, rematando a sua motivação com as seguintes conclusões que se transcrevem: «A. Findo o inquérito, o Assistente apenas deduziu acusação contra o Recorrente, contra Pedro T... e Ricardo C..., deixando de fora as Denunciadas Ana M... e Paula F..., contra quem havia apresentado também a sua participação crime, como as pessoas que proferiram as declarações consideradas ofensivas e são co-autoras.

  1. Atento o disposto nos arts. 307º, n.º4 e 308º, n.º3 do CPP, competia ao Tribunal a quo extrair todas as legais consequências desta omissão, designadamente declarar a extinção do procedimento por desistência de queixa contra todos os Arguidos, o que não fez, violando assim não apenas as referidas normas processuais, como os arts. 115º, n.º 2 e 116º, n.º 3 do Código Penal e o princípio da indivisibilidade da queixa.

  2. Em consequência, deve este Tribunal de recurso anular a decisão recorrida e, em sua substituição, proferir outra que declare a extinção do procedimento por desistência de queixa e o correspondente arquivamento dos autos.

    Ainda que assim não seja, D. Existe violação do disposto no art. 31º, n.º 4 da Lei de Imprensa, enquanto o Tribunal recorrido imputa ao Arguido a responsabilidade pelo teor de toda a notícia, quando as afirmações ou são transcrição fiel, entre aspas, de afirmações proferidas pelas Denunciadas Ana M... e Paula F..., que vêm identificadas na noticia como autoras das mesmas, ou são súmula do que por elas foi dito, em discurso indirecto.

  3. O Recorrente identificou as co-autoras através de nome e apelido, da idade, e, num dos casos, também com a publicação de fotografia, pelo que apenas com falta de rigor se pode dizer que, para aqueles efeitos legais, as declarantes não estão identificadas, F. o que, aliás, constitui contradição manifesta não só com o facto de, justamente por estarem identificadas, o Assistente ter deduzido contra as mesmas a queixa, como também com os termos da própria decisão que, noutras passagens, acusa o Arguido de ter citado as mesmas denunciadas.

  4. Os autos contêm prova bastante, e pelo menos indiciária, de que as afirmações do texto são transcrição fiel das declarações das duas denunciadas: as afirmações estão entre aspas e, as que não estão, são reprodução das mesmas; o Arguido publicou a versão dos factos do Assistente também através de citação, que o mesmo aceita estar conforme; as denunciadas nunca vieram aos autos negar a autoria e a correcção da transcrição das suas afirmações; a prova testemunhal confirma-o.

  5. O Tribunal recorrido violou o princípio de presunção de inocência, já que, não obstante possuir elementos suficientes para decidir de outro modo, e de, segundo o tal princípio, o Arguido não dever ver a sua posição desfavorecida, no sentido de que a ausência de melhores e mais definitivos elementos indiciários não podia ser valorada contra este, a verdade é que pronunciou o arguido.

    I. Andou mal a decisão instrutória, errando na apreciação da prova dos autos, violando o art. 31º, nº 4 da Lei de Imprensa e o art. 308º do CPP ao pronunciar o Arguido.

  6. Por outro lado, ficou demonstrado que o Arguido jornalista agiu no exercício do direito à informação, e sem ultrapassar os seus limites, pelo que deveria a decisão recorrida ter considerado que as imputações difamantes foram feita para realizar interesses legítimos, K. e que, em boa fé, o Arguido tinha fundamento sério para reputar as afirmações por verdadeiras: face aos relatos colhidos, o Arguido não tinha qualquer razão para duvidar da veracidade dos mesmos, de suspeitar que pudessem ser falsos, ou para pensar, sequer, que pudesse estar a escrever uma ou qualquer falsidade.

    L. Demonstrada como ficou a prova indiciária de que foram as fontes contactadas que narraram a história ao Arguido e naqueles termos, que duas "clientes" do Assistente se identificaram ao jornalista e autorizaram a citação das suas afirmações, que declaram ir proceder judicialmente contra o mesmo, e que uma delas se deixou retratar, só se pode concluir que o Arguido não excedeu o direito de informação que o caso exigia e que, recolhida a informação como foi, este em boa fé tinha todo o fundamento para considerar a informação de verdadeira.

  7. Assim sendo, ao caso sempre seria aplicável o disposto no nº 2 do artigo 180º do C.P., pelo que este Tribunal de Recurso sempre deverá revogar a decisão recorrida decretando a não punição da conduta.

  8. Também existe prova indiciária da inexistência de dolo do jornalista: o registo da notícia, factual, centrado na divulgação pública das afirmações das duas pessoas identificadas, a par da publicação da versão dos factos do assistente, publicada no exercício do direito a ser ouvido e no direito do contraditório, demonstra suficientemente que não existe qualquer animus injuriandi, nem tão pouco qualquer outra intenção do jornalista que não fosse narrar os factos tal como os conhecia.

  9. Teria que ter resultado da instrução indício de que o arguido se teria movido por uma qualquer intenção injuriosa, quando resulta que não há mais do que exercício do direito à informação, isenta, sendo que os termos da notícia, designadamente com a inclusão da versão do assistente, negam a possibilidade de o arguido vir a ser condenado.

  10. Ademais, a notícia é redigida em termos razoáveis, sem o recurso a passagens especulativas. O relatado na notícia era e é absolutamente rigoroso e verdadeiro, enquanto se trata de transcrição fiel de afirmações de terceiros identificados, com proporcionalidade, adequação e razoabilidade, o que reforça a vertente exercício do direito.

  11. Existindo, assim, também justificação e adequação em sede de eventual colisão de direitos entre os direitos pessoais do Assistente e o direito à informação, justificando suficientemente a conduta do Recorrente e apontando para a não pronúncia.

  12. Andou mal a decisão instrutória, violando o disposto no art. 308º, nº 1 do C.P.P. e no art. 180º, nº 2, al. b) do CP, sendo que não existe possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada uma pena ou medida de segurança se for a julgamento, pelo que deve, em qualquer caso, este Tribunal de recurso revogar a decisão recorrida e substitui-la por outra que, nos termos da segunda parte do art. 308º, não pronuncie o Recorrente.» Termina pedindo “a anulação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que determine a não pronúncia do Arguido”.

    *O assistente Luís A..., com os demais sinais dos autos, respondeu ao recurso pugnando pela manutenção do julgado.

    *O Ministério Público junto do tribunal a quo pronunciou-se pela procedência do recurso por “não existirem nos autos prova suficiente da verificação do ilícito criminal imputado ao arguido”*O recurso foi admitido para este Tribunal da Relação de Guimarães, por despacho constante de fls. 447.

    *Nesta Relação, o Mistério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

    *Foram colhidos os vistos e realizada a conferência, pelo que cumpre decidir.

    *II- Fundamentação É o seguinte o teor do despacho recorrido (transcrição parcial):«Decisão InstrutóriaOs presentes autos de inquérito tiveram origem com a queixa-crime apresentada por Luís A... contra Pedro T..., Pedro S..., Ricardo C..., Ana M... e Paula F....

    Com a queixa o denunciante juntou o original do "Jornal 24 horas" (cfr. folhas 11 a 34).

    *Findo o inquérito, constituído assistente nos autos, Luís A..., deduziu acusação contra Pedro T..., Pedro S... e Ricardo C..., imputando-lhes a prática em, co-autoria, de um crime de difamação, p.p. pelos artigos 180.°, 182.° e 183.°, n.ºs 1, al. a) e b) do Código Penal e art.ºs 30.° e 31.° da Lei da Imprensa - cfr. fls. 128 e ss.

    *O Ministério Público não deduziu acusação pelos mesmos factos - cfr. fls.135.

    *Inconformados com a acusação contra si deduzida os arguidos vieram, então, requerer a abertura da instrução, invocando como questão prévia a nulidade da acusação e, ainda, alegando as razões de facto e de direito pelas quais entendem não dever ser pronunciados.

    *Em sede de instrução, foram inquiridas as testemunhas indicadas no requerimento de abertura de instrução: Ricardo P..., Ricardo F... e Manuel A..., respectivamente, a fls. 304, 305 e 261 - vide transcrições de fls. 321 a 329.

    Foi junta a informação de fls. 218.

    *Procedeu-se à realização do debate instrutório, o qual decorreu de acordo com os requisitos legalmente exigidos - cfr. fls. 349 a 350.

    *1. O Tribunal é o competente.

    1. O processo é o próprio.

    2. Da invocada nulidade da acusação (…)*Não existem outras nulidades, questões prévias ou incidentais que cumpra conhecer.

      *Cumpre, pois, decidir.

      (…)*Em sede de inquérito os elementos a considerar são: - Interrogatório na qualidade de arguidos de Pedro T..., Pedro S... e Ricardo Augusto Nóbrega Castela, respectivamente, a fls. 83, 112 e 118.

      - O exemplar da edição do "24 Horas", de fls. 11 e ss.

      *Na fase de instrução, foram inquiridas as seguintes testemunhas: - Ricardo P..., Ricardo F... e Manuel A..., respectivamente, a fls. 304, 305 e 261 - vide transcrições de fls. 321 a 329 .

      - Foi junta a informação de fls. 217.

      Da análise crítica destes elementos, atenta a prova documental junta aos autos, resulta à saciedade que na edição do dia 12 de Novembro de 2007, na página 14 do Jornal "24 Horas" foi publicada uma notícia, assinada pelo Sr. Jornalista Pedro S..., sob o cabeçalho "Mestre A...acusado de Burla por duas clientes" e "Vidente não adivinhou", na qual...

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