Acórdão nº 2264/06.7TAGMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelCRUZ BUCHO
Data da Resolução11 de Novembro de 2009
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães:*I- Relatório No processo comum singular n.º 2264/06.7TAGMR do 3º Juízo Criminal Tribunal Judicial de Guimarães, por sentença de 7 de Maio de 2009, os arguidos… foram absolvidos da prática de “um crime de desobediência qualificada, p. e p. pelo artigo 348º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, com referência ao art. 15º, n.º 3, do DL n.º 406/74, de 29 de Agosto.” *Inconformada com tal decisão, o Ministério Público dela interpôs recurso. Nas suas 34 (trinta e quatro) conclusões, que se espraiam por mais de dez páginas, o recorrente suscita as seguintes questões: - falta de exame crítico da prova; - contradição insanável entre os factos provados constantes das alíneas b) e c); - impugnação da matéria de facto, por os factos não provados deverem ser considerados provados; - errado enquadramento jurídico-penal.

Conclui no sentido de que “Violou a sentença recorrida as normas contidas nos arts 127° e segs do CPP, 355°. CPP, 365°. CPP, 368°. CPP, 369°. CPP, e arts. 2°., 15°, n.º 3, do DL n.º 406/74, de 29.08, e arts 304° e 348°.,1, a) e b) ambos do C. Penal e alíneas a), b) e c) do n.º 2 do art. 410.° do CPP e art 412º, 3, a),b) e c) e n.º. 4 também do CPP, julgando incorrectamente a prova recolhida, como se expôs na fundamentação, havendo erro notório na apreciação da prova no pontos de facto indicados.” *Os arguidos responderam ao recurso pugnando pela manutenção do julgado.

*O recurso foi admitido para este Tribunal da Relação de Guimarães, por despacho constante de fls. 636.

*Nesta Relação, o Mistério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

*Foram colhidos os vistos e realizada a conferência, pelo que cumpre decidir.

*II- Fundamentação 1.

É a seguinte a factualidade apurada no tribunal a quo:

  1. Factos provados (transcrição; numeração nossa) a) No dia 07/10/2006, pelas 10 horas, teve lugar um Conselho de Ministros informal no centro Cultural Vila Flor, sito na Av.ª D. Afonso Henriques, Guimarães, que contou com a presença dos vários Ministros do Governo Português, designadamente, do Sr. Primeiro Ministro.

b) Por volta das 09,45 horas, na referida Avenida, mas no passeio que fica do outro lado do do Centro Cultural e a cerca de 50 metros de distância deste Centro, juntou-se um grupo ordenando e organizado de pessoas, em número superior a quarenta pessoas e inferior a 100, que ostentavam, na sua dianteira, uma faixa de pano onde se lia “Guimarães mais pobre”, e que se manifestavam contra a política governamental; c) Cada um dos arguidos, de per si, e mais outras pessoas, ao terem conhecimento que se estava a realizar na dita Avenida uma manifestação contra a política governamental, nomeadamente, o arguido F… tendo conhecimento de tal facto, no dia em causa, por lhe terem comunicado verbalmente, a essa altura tal facto e na sede do seu Sindicato, os arguido A.. ter tido conhecimento verbal na altura da mesma na cidade de Guimarães onde se tinha deslocado naquela data e os arguidos J… e M… por terem passado na dita Avenida àquela hora e ao constatarem o referido grupo de manifestantes, ali ficaram, juntando-se a tal grupo de manifestantes, todos os arguidos, aderindo, então, a tal manifestação contra a politica governamental; d) E, a maior parte das pessoas referidas em b), e os arguidos, ali permaneceram até ao termo da reunião do Conselho de Ministros, pelas 13h30m; e) Quando, uma vez terminado o referido Conselho, os Srs. Ministros saíram do edifício do Palácio Vila Flor e se dirigiram a pé para um autocarro, estacionado em frente daquele palácio e a cerca de 50 metros daquele grupo de pessoas, para serem transportados para a Pousada Sra. da Oliveira, em Guimarães, f) Nesta conformidade, ao mesmo tempo que, sem qualquer êxito, alguns dos manifestantes procuravam forçar e romper a barreira policial lá existente para se aproximarem dos governantes e do autocarro, alguns dos manifestantes, incluindo o arguido J…, proferiram de forma repetida e em tom de voz alto e denotando alguma exaltação, vários palavras de ordem e expressões dirigidas aos Membros do Governo e principalmente ao Sr. Primeiro Ministro, tais como “mentiroso”, “emprego”, “trabalho”, e o arguido F…, proferiu de forma repetida e em tom de voz alto, várias palavras de ordem e expressões dirigidas aos Membros do Governo e principalmente ao Sr. Primeiro Ministro, tais como “emprego” e “salários”.

g) Só depois do autocarro que transportou a comitiva governamental ter abandonado o local é que os arguidos e demais manifestantes dispersaram e abandonaram também o local ordeiramente, o que fizeram por iniciativa própria; h) À data e local dos factos não foi proferida, por parte da entidade policial nem por quem quer que seja, ordem de dispersão aos referidos manifestantes nem foi proferida ordem de impedimento aos referidos manifestantes de se manifestarem; i) Os arguidos têm perfeito conhecimento de que a realização de manifestação em local público, está dependente da sua comunicação por escrito, por parte dos seus promotores, e com, pelo menos dois dias de antecedência, ao Presidente da Câmara Municipal de Guimarães e/ou ao Governador Civil, tendo em vista garantir a ordem e tranquilidade públicas; j) Não houve qualquer comunicação prévia por escrito e com dois dias de antecedência, ao Presidente da Câmara Municipal de Guimarães, da realização da manifestação, referida nos autos, na data e local mencionados.

l) Os arguidos agiram com o propósito conseguido de participar na referida manifestação, e no momento em que esta estava a decorrer, em lugar público, juntamente com as demais pessoas; m) Os arguidos não tiveram conhecimento prévio da referida manifestação; n) Os arguidos não se encontraram numa rotunda próxima da Estação de Caminhos de Ferro de Guimarães, nem se integraram em qualquer desfile, à data e local dos factos; o) A referida manifestação não foi promovida pelos arguidos, nem por qualquer sindicato filiado na CGTP; p) Os arguidos não agiram de forma prévia e concertada para participarem na referida manifestação; q) Os arguidos são dirigentes da … r) O arguido A… está desempregado, aufere subsídio de desemprego de montante de 650,00 euros/mês; é casado, a sua mulher está reformada; tem dois filhos com 33 e 28 anos de idade, respectivamente, sendo que o mais novo vive com o arguido e sua mulher; vive em casa própria; tem um veículo automóvel marca Opel do ano de 2001; tem o curso comercial e industrial; s) A arguida M… é professora do 2º ciclo ensino básico; aufere o salário ilíquido de 3.004,00 euros/mês; é divorciada; vive em casa própria; t) O arguido J… é electricista e aufere 845,00 euros/mês de salário; é casado e a sua mulher está desempregada; tem três filhos, dois maiores de idade e um menor, sustentando este último e ajudando no sustento dos outros dois; paga de renda mensal pela casa onde reside 48,00 euros; tem um automóvel marca Skoda do ano de 1999; tem a 4ª classe de escolaridade; u) O arguido F… é operário fabril, aufere o salário mensal de 500,00 euros; é casado e a sua mulher está reformada; tem dois filhos com 16 e 13 anos de idade, respectivamente; vive em casa própria; tem um automóvel marca Ford do ano de 2004 e tem a 4º classe de escolaridade.

v) Os arguidos são considerados pelas pessoas com quem privam como sendo pessoas de respeito e respeitadores e que exercem as suas funções sindicais de modo irrepreensível.

x) Os arguidos não têm antecedentes criminais.

*B) Factos não provados (transcrição).

Com relevância para a decisão da causa, nenhum outro facto se demonstrou.

Em especial, não se demonstrou que: - os arguidos tivesse sabido previamente da realização da referida reunião governamental; - por volta das 09,45 horas, os arguidos, juntamente com várias outras pessoas não identificadas e em número indeterminado, mas cerca de 50 pessoas, se tivessem encontrado numa rotunda situada próximo da estação dos caminhos de ferro de Guimarães, a fim de realizarem um desfile e manifestação; - e que tal desfile e manifestação tivessem sido promovidos por um sindicato não identificado mas filiado na CGTP/IN.

- a referência indicativa do local para este encontro tivesse sido um veículo automóvel de nove lugares ali estacionado, no qual algumas destas pessoas tivessem sido também transportadas, e que ostentasse panfletos colados nas portas com as siglas identificativas da CGTP/IN.

- e que uma vez reunidos, se tivessem dirigido todos para a Avenida D. Afonso Henriques, artéria que tivessem descido em grupo, desfilando de forma ordenada e organizada até às imediações do Palácio Vila Flor, ostentando as pessoas que vinham na dianteira uma faixa com os dizeres “Guimarães mais pobre”.

- e que tivessem desfilado ordenadamente até ao passeio desta Avenida mais afastado do recinto do referido palácio, a cerca de 50 metros de distância deste; - que todos os manifestantes tivessem proferido várias palavras de ordem e expressões dirigidas aos Membros do Governo e principalmente ao Sr. Primeiro Ministro, tais com “mentiroso, emprego, respeito, trabalho com direitos”.

- que os arguidos tivessem forçado ou tentado romper a barreira policial referida nos factos assentes, - os arguidos tivessem tido perfeito conhecimento de que realização daquele desfile e manifestação no referido local, que é um lugar público, estava dependente da sua comunicação por escrito e com, pelo menos dois dias de antecedência, ao Presidente da Câmara Municipal de Guimarães, tendo em vista garantir a ordem e tranquilidade públicas, e de que a falta de tal comunicação os faria incorrer na prática do crime de desobediência qualificada.

- os arguidos agiram de vontade livre e consciente e de forma concertada entre si com o propósito conseguido de promover o um desfile e a aludida manifestação em lugar público juntamente com as demais pessoas, bem sabendo da falta de comunicação prévia da sua realização à entidade competente e da consequente ilegalidade de tais actividades e...

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