Acórdão nº 167/08.0GACLB-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Fevereiro de 2010

Magistrado ResponsávelORLANDO GON
Data da Resolução10 de Fevereiro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Relatório Por despacho proferido em 29 de …. de 2009, pela Ex.ma Juíza de instrução do Tribunal Judicial da Comarca de Celorico da Beira, foi decidido não proceder à validação da decisão do Ministério Público de sujeição do inquérito n.º …/08.0GACLB a segredo de justiça, que havia sido promovida nos termos do art.86.º, n.º3 do Código de Processo Penal.

Inconformado com o douto despacho dele interpôs recurso o Ministério Público, concluindo a sua motivação do modo seguinte: l.º No âmbito do inquérito n.º …./08.OGACLB, dos serviços do Ministério Público de Celorico da Beira, foi proferido despacho, em 29-…2009, pela Mma. Juiz de Instrução, que decidiu não proceder à validação do despacho proferido pelo Ministério Público em 22-…2009, que determinou a sujeição do presente inquérito a segredo de justiça, por considerar que, ultrapassados os prazos máximos de duração do inquérito, nos termos do art. 276.º do Código de Processo Penal, e ao abrigo do disposto no art.86.º n.º 3 e 89.º n.º 6 do Código de Processo Penal, não pode o Ministério Público sujeitar o processo a segredo de justiça.

  1. Quando o art.86.º n.º 3 do Código de Processo Penal estabelece “durante a fase de inquérito” pretende apenas circunscrever a fase processual em que o Ministério Público determina a sujeição a segredo de justiça, não se referindo aos prazos máximos previstos no art.276.º do Código de Processo Penal; 3.º O art.86.º n.º 3 do Código de Processo Penal prevê a regra da possibilidade de sujeitar o inquérito a segredo de justiça, independentemente de quaisquer prazos e desde que a isso obriguem os interesses da investigação ou os direitos dos sujeitos processuais.

  2. Tal conclusão tem que ser extraída, necessariamente, em ordem à preservação do segredo externo do processo - e independentemente de quaisquer prazos - dado que a regra processual é a da publicidade dos processos, mesmo em fase de inquérito.

  3. Da letra do art.89.º n.º 6 do Código de Processo Penal vemos que o legislador deixou claro, que o arguido, o assistente e o ofendido podem consultar todos os elementos do processo, que ainda está em segredo de justiça, fazendo disso menção expressa, logo, o segredo de justiça não decai automaticamente com o decurso dos prazos máximos de inquérito.

  4. A remissão que é feita do art.89.º n.º 6 do Código de Processo Penal para os prazos do art. 276.º do Código de Processo Penal, tem que ser conjugada com os direitos e interesses subjacentes e, como tal, devidamente adaptada.

  5. Há que conjugar os interesses da investigação e dos outros sujeitos processuais e os interesses dos arguidos na preparação da sua defesa e conhecimento dos autos e tal apreciação deve ser feita no momento em que é requerida a consulta do processo pelo arguido, assistente ou ofendido.

  6. In casu, o inquérito começou em 11 de … de 2008 e o arguido J. veio requerer a consulta do inquérito depois de ser constituído como arguido em 20 de Agosto de 2009, por requerimento datado de 07-09-2009.

  7. Os factos imputados ao arguido J. poderiam ser separados e dar origem a um outro inquérito, contornando-se assim a interpretação feita pela Mina. Juiz a quo dos prazos máximos de inquérito, dando origem a um novo inquérito, por tais factos - tal não pode ter sido o espírito do legislador.

  8. Porque os factos são cindíveis e inexiste uma unidade da investigação, o critério dos prazos máximos do inquérito deverá ser conjugado com os interesses do arguido que, em concreto, pretende consultar o processo.

  9. Pois, não obstante o processo tenha começado a correr contra pessoa determinada em 11-09-2009 (e aí se começar a contabilizar o prazo máximo para a conclusão de tal inquérito), a verdade é que o interesse do arguido J. em conhecer o processo apenas se concretiza no momento em que este é constituído arguido, e tal só se veio a verificar em 2008-2009.

  10. A tarefa de concordância prática entre o disposto no art.86.º n.º 3, 89.º n.º 6 e 276.º do Código de Processo Penal impõe a ponderação entre finalidades, irremediavelmente conflituantes, apontadas ao processo penal: a realização da justiça e a descoberta da verdade material, a protecção perante o Estado dos direitos fundamentais das pessoa - nomeadamente da sua defesa”.

  11. E tal ponderação deve ser feita no momento da validação pelo Mino. Juiz de Instrução, que poderá apreciar,' em concreto, as situações em que deve ser, ou não, levantado o segredo de justiça para permitir a consulta dos elementos do processo pelos arguidos, assistente e ofendido, assegurando que o critério dos prazos máximos do inquérito seja apreciado, caso a caso, sem que seja irremediavelmente posto causa o interesse da realização da justiça.

  12. Esquematizando, diríamos que o regime do segredo de justiça em inquérito se decompõe nos seguintes termos: - em regra, o processo penal é público - art. 86.º n.º 1 do Código de Processo Penal; - o Ministério Público pode determinar, SEMPRE, a sujeição do inquérito a segredo de justiça - nas suas vertentes externas e internas e independentemente de quaisquer prazos - art. 86.º n.º 3 do Código de Processo Penal; - o SEGREDO INTERNO pode ser levantado: a) em qualquer fase do processo, nos termos do art.86.º n.º 4 do Código de Processo Penal; b) decorridos os prazos do art.276.º para os sujeitos processuais que requeiram a consulta do processo - art. 89.º n.º 6 do Código de Processo Penal - e atendendo aos interesses conflituantes em presença - da defesa e da investigação.

Pelo exposto, consideramos que o despacho proferido pela Mma. Juiz de Instrução em 29-09-2009 enferma de manifesta ilegalidade, por violação dos citados incisos legais e, sobretudo, do disposto no art. 86.º n.º 3 e 89.º n.º 6 do Código de Processo Penal, pelo que deve o mesmo ser alterado de forma a ser validada a sujeição do segredo de justiça nos presentes autos, considerando que o interesse do arguido J. na preparação da sua defesa não se pode suplantar aos interesses da investigação, neste momento.

A Ex.ma Juíza sustentou a decisão recorrida através do despacho de 23 de Outubro de 2009.

O Ex.mo Procurador Geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º2 do Código de Processo Penal.

Colhidos os vistos cumpre decidir.

Fundamentação O despacho recorrido tem o seguinte teor: « Os presentes autos tiveram origem no auto de notícia elaborado em 11 de Setembro de 2008 pela Guarda Nacional Republicana de Celorico da Beira (fls. 3), onde se dá conta, em síntese, que no âmbito de uma fiscalização a um veículo vários indivíduos foram identificados e, após, detidos pela indiciada prática de crimes de furto (de cobre), tendo sido apreendidos vários objectos, entre os quais fios de cobre (cfr. autos de apreensão de fls. 6 e 13).

Nesta sequência, ainda em 11 de Setembro de 2008, foram constituídos arguidos L. e F.e J . (fls. 14, 22 e 26).

Entretanto, foram realizadas diversas diligências vindo agora a Digna Magistrada do Ministério Público determinar que o presente inquérito fique sujeito ao regime de segredo de justiça, tendo os autos sido remetidos a juízo para validação judicial de tal decisão.

Cumpre apreciar e decidir.

O...

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