Acórdão nº 3/08.7GDFND.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Fevereiro de 2010
Magistrado Responsável | PAULO GUERRA |
Data da Resolução | 10 de Fevereiro de 2010 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
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No processo comum singular n.º 3/08.7GDFND do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca do Fundão, por sentença datada de 3 de Setembro de 2009, foi a) Condenado o arguido A... pela prática de um crime de homicídio negligente p. e p. pelo art. 137º, nº 1 do Código Penal, na pena de 260 (duzentos e sessenta) dias de multa, à taxa diária de 6,00 € (seis euros); b) Condenado o arguido A... ao cumprimento de sanção acessória de inibição de condução de veículo com motor, pelo período de 9 (nove) meses, nos termos do artigo 69º/1 b) do Código Penal.
2.
Inconformado, o arguido A... recorreu da sentença, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): «1. O recorrente impugna a matéria de facto dada como provada constantes dos n.°s 04, 05, 11, 12 e 14 da douta sentença recorrida, a qual deveria obter resposta diferente.
2. Ao afirmar-se que a velocidade a que o arguido ia era excessiva sem se provar a velocidade a que ia estão a retirar-se conclusões sem base fáctica que as sustentem.
Nos autos em momento algum é alegada pela acusação a velocidade a que seguia o arguido e muito menos se produziu qualquer tipo de prova de onde se possa concluir qual a velocidade a que seguia, pelo que o meritíssimo juiz “a quo” não deveria ter considerado que o arguido seguia em velocidade demasiado elevada.
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Considerou o juiz “a quo” que a dinâmica do acidente se deu da forma constante nos n°s 04 e 05 dos factos provados da sentença recorrida, apoiando tal convicção no depoimento do Sr. J..., do GNR, AA..., no “croqui” dos autos e no depoimento do filho do falecido, L....
Considera o recorrente que tais factos foram incorrectamente julgados.
Analisando o depoimento do arguido, A… gravado na cassete n°01 lado A voltas 50, conforme acta da audiência, disse no local do acidente, perante dois veículos colocados em posição conforme o croqui dos autos, destacam-se as seguintes passagens: Juiz - Confirma a posição dos carros? Arguido - Os carros estavam mais para o meio da estrada, vinha junto desta linha (linha de berma do lado direito do trajecto do arguido) quando me apercebi. Havia mimosas altas eu não via. Apanho a cacetada na frente e o carro rabeou, rebentou o air-bag não vi mais nada.
Juiz - Viu o sítio da 2ª pancada? Arguido - não me apercebi.
Juiz - Como é que explica que o carro tenha vindo para aqui (outra faixa de rodagem)? Arguido - Piso estava escorregadio e os canos deslizam para onde querem ir.
A instância do advogado o arguido disse, ainda: Adv. - O local onde se deu o acidente? Arguido - Pus as mãos na cabeça e disse vamos morrer.
Adv. - Local onde viu o outro carro.
Arguido - já o vi em cima de mim na minha faixa, porque existiam mimosas altas.
Das passagens transcritas conclui-se que o acidente se deu na faixa de rodagem em que o arguido circulava, isto é na faixa da direita no sentido Fundão-Silvares, só o arguido se tendo apercebido do outro carro quando se deu o embate.
Considera o recorrente que a relevância dada ao depoimento do Sr. J..., condutor do outro veículo interveniente no acidente, não pode servir de base à condenação do arguido, antessim levanta sérias dúvidas quanto ao local do embate.
Analisando as passagens que se transcrevem do depoimento do Sr. J..., gravado na cassete n°01 lado A desde voltas 141, conforme acta da audiência, disse no local do acidente, o seguinte: Procurador - O local do embate? J... - Foi mais ou menos aqui assim, não sei ao certo.
Procurador - Foi na sua mão? J... — Foi na minha mão, eu só abrandei a marcha ia a 40/50 kmh.
Procurador - Sentiu película gordurosa? J...- Não senti nada.
Advogado - Viu o cano (do arguido) a mais de 200 metros.
J... - Sim.
Advogado - local do acidente não sabe? J...- Não sei mas foi na minha mão.
Advogado - Porque é que não encostou aqui (berma)? J... - Não dá para pensar na altura, abrandei.
Adv. - Buzinou, fez sinais de luz? J...- Não fiz nada.
Adv. - Teve uma conversa com o tal sr. (falecido)? J... - Ele começou a dizer deixa-te ir onde estás ele é que vem fora de mão, ele é que tem que se desviar não somos nós.
Juiz - ele (arguido) vinha um bocado mais depressa que o sr.? J... - ele vinha mais depressa, ele não travou nem nada. Fui abrandando até se dar o embate visto que não se desviou.
O depoimento do condutor do veículo Citroen é muito vago, mantendo apenas uma linha central, afirmar que o acidente se deu na sua faixa de rodagem, pois caso contrário o causador do acidente foi ele depoente (J...).
Todas as testemunhas confirmaram, e está dado como provado na sentença, a existência no local do acidente existia uma película gordurosa.
O condutor do veículo onde seguia o falecido foi o único que não se apercebeu dela.
O local do embate não sabe onde foi, apenas, que foi na sua faixa de rodagem no sentido Silvares-Fundão.
A inverosimilhança do depoimento do Sr. J... acontece quando afirma ter visto o carro do arguido a mais de 200 metros de distância, quando seguia a uma velocidade de 40 a 50 kmh. e de não se ter desviado para a berma evitando o acidente, mantendo-se estoicamente’ na sua marcha aguardando que o carro do arguido percorra mais de 200 metros e venha a embater no seu citroen, o qual abrandou a velocidade, tudo porque o falecido lhe disse para não se desviar.
Tal depoimento confuso e nada credível não pode ser justificado pela idade da testemunha e falta de reflexos, a testemunha não é de idade avançada e não existem nos autos quaisquer circunstâncias que permitam afirmar que o J... tinha poucos reflexos.
O depoimento do Sr. J... não pode ser considerado para considerar os factos constantes dos n.°s 04 e 05 da sentença como provados.
O depoimento do Sr. J... levanta sérias dúvidas quanto ao local do acidente, levando a suspeitar que o Sr. J... pisou a película gordurosa, a qual não se apercebeu, e terá invadido a hemi-faixa do arguido (Fundão — Silvares) provocando o acidente, sendo o causador do mesmo.
O depoimento do militar da GNR, AA..., e o “croqui” por ele elaborado (auto de participação do acidente) não podem ser utilizados para condenar o arguido, pelo contrário as dúvidas que são levantadas pelo depoimento e pelo documento são muitas.
Analisemos as seguintes passagens do depoimento ONR, A…, gravado na cassete n°01 lado A desde voltas 246, conforme acta da audiência, o qual no local do acidente disse, o seguinte: Adv. - Este carro (citroen) que aqui está, estava nesta posição ou mais para o interior da via? GNR- Foi como estivemos a ver há pouco poderiam estar um bocado mais para ali cerca de 40/50 cm. (isto é os veículos poderiam estar 40/50 cm mais chegados à berma da direita no sentido Fundão-Silvares).
Adv. - A situação que está assinalada no croqui? GNR- Aí está correcto, poderíamos ter traçado e fazer a medida da linha para cá ou do alcatrão para cá.
Adv. - As medições é de onde começa o alcatrão ou da linha de berma? GNR- O M/ colega pensa que os caros estavam mais para lá, pelo que as medidas foram tiradas do limite do alcatrão.
Adv. - Mas o sr. não sabe? GNR - Uma coisa é certa mais para ali ou mais para aqui a posição (carros) é esta.
Adv. - Enviúzada? GNR - Pronto.
Adv. - e o óleo estava? GNR- Precisamente debaixo deste veículo (citroen) Adv. - Onde? GNR- Por baixo do motor.
Adv. - Recorda-se dos vestígios? GNR- Não me recordo, a estrada foi lavada pelos bombeiros para um lado e para o outro das bermas.
Adv. - No sentido Silvares-Fundão existia uma película gordurosa em ambas as vias ou só na direita? GNR- Em ambas.
Adv. - Para lá não se recorda? GNR - Não me recordo.
Procurador - Os carros estão consoante as medidas da al. G do croqui? GNR - Então a única diferença que está aqui é a faixa lateral.
Adv. - Os carros estão colocados tomando em consideração o interior da linha de berma? GNR - Estão colocados do interior da linha de berma. (linha de berma da direita do sentido Fundão-Silvares - conferir acta a fls....).
Adv. - Estava a dizer há pouco pode ter sido de onde começa o alcatrão? GNR- A diferença que nos dá na traseira de 40/50 cm, de início tirámos esta medida do limite do alcatrão, ao chegar o carro mais para aqui já daria a medida correcta.
Adv. - Já ia para a outra faixa.
Na primeira deslocação ao local (cfr. acta de julgamento), após medição efectuada verificou o juiz “a quo” que a largura da faixa de rodagem é de 5,85 m e não 5,95 m como consta do “croqui do acidente”.
Se verificarmos a medida da al.. E do croqui verificamos que o carro do arguido não pode estar colocado na posição constante do mesmo, a qual é tendencialmente persuasora.
Na verdade, o veículo do arguido está fora da faixa de rodagem.
Do depoimento do GNR resulta claro que não sabe de onde efectuou as medições laterais para a colocação dos veículos, sendo certo que as iniciou do lado direito do sentido Fundão - Silvares, não se lembra se começou a medir desde o interior da linha de berma ou do limite do alcatrão.
Esclarece, o GNR que a diferença de 40/50 cm que lhe aparece na traseira dos veículos é colmatada se começar a medir desde o limite do alcatrão, o que implica que os veículos tenham de ser colocados mais à direita do que o local onde foram desenhados.
Face ao exposto, tomando em consideração que o único vestígio que o GNR detectou foi o óleo por baixo do Citroen, apesar de outros detritos terem sido lavados para ambas as bermas, os quais não assinalou, o que o levou a “considerar como sendo o local do acidente onde se encontrava o óleo”. (conforme depoimento do AA... gravado em CD desde as 11.27.44h as 11.59.44h).
Temos de concluir, que a faixa de rodagem tem uma largura de 5,85 metros cujo eixo se situa a 2,92m de cada uma das linhas de berma.
O veículo n°02 na al. D do croqui está a 2,85m, a qual nos é apresentada no croqui como sendo tirada desde a linha de berma, efectuando esta medida desde o limite do alcatrão, teremos de retirar a essa medida 40/50cm, distância desde o limite do alcatrão até à linha de berma da direita sentido Fundão-Silvares.
Assim, compensando a medição com a...
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