Acórdão nº 388/07.2PATNV.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 20 de Janeiro de 2010

Magistrado ResponsávelESTEVES MARQUES
Data da Resolução20 de Janeiro de 2010
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

RELATÓRIO Em processo comum colectivo do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Torres Novas, por acórdão de 09.07.07, foi, para além do mais, decidido:

  1. Condenar o arguido J. como autor material de um crime de homicídio simples na forma tentada p p pelos artºs 131, 23 e 73 do CP a pena de 2 anos e 10 meses de prisão, cuja execução lhe foi suspensa pelo prazo de 2 anos e 10 meses com a condição de este pagar a indemnização arbitrada no prazo de 8 meses e documentar nos autos esse pagamento, em concurso com um crime de dano simples p p pelo artº 212 do CP a pena de 250 dias de multa à taxa diária de 6 €, o que perfaz a multa global de 1 500 €.

  2. Absolver o arguido G. do crime de que vinha acusado.

  3. Julgar parcialmente procedente por provado o pedido de indemnização deduzido pelos demandantes G e A. e em consequência condenar o demandado civil/arguido a pagar a estes a quantia global de 5 145,16 € a que acrescem juros à taxa legal sobre a quantia de 145,16 € desde 27.10.08 e desde a sentença sobre o restante.

  4. Julgar improcedente por não provado o pedido de indemnização deduzido por AZ e dele absolver a demandada …. Companhia de Seguros SA. Inconformado, o arguido J. interpôs recurso do acórdão, em cuja motivação produziu as seguintes conclusões: 1. A douta decisão proferida no âmbito dos presentes autos impunha, no entendimento do recorrente, decisão diametralmente oposta, no que diz respeito à condenação pela prática do crime de homicídio simples na forma tentada p. p. pelos artigos 131°, 22°, 23° e 73°, todos do Código Penal, e uma outra decisão, no que diz respeito à dosimetria da pena de multa aplicada pela prática do crime de dano simples, ao montante indemnizatório e ainda, quanto à declaração de perda a favor do estado da arma apreendida e respectivo livrete.

    No que diz respeito ao crime de homicídio na forma tentada: 2. Dos depoimentos supra transcritos - incorrectamente julgados e daí desde já se requer a este Venerando Tribunal, a reapreciação da matéria de facto de acordo com o disposto no artigo 412° nº 3 do Código do Processo Penal - resultam duas versões contraditórias, a que foi apresentada pelo ofendido G. - fazendo referência a uma navalha e ter conseguido desembaraçar do arguido J. sozinho - a versão do arguido J. - fazendo referência a um corta - unhas e o depoimento do Agente GX primeira pessoa a ter intervenção nos acontecimentos, dizendo que a primeira imagem que tem é dos dois arguidos virem agarrados um ao outro, pela roupa, que se intrometeu entre os dois com a finalidade de os apartar, segurou nas mãos do arguido J. e não se recorda deste trazer qualquer objecto relevante nas mãos e se o trouxesse imediatamente se teria apercebido.

    1. Baseando-se o Colectivo em partes do depoimento do ofendido, em partes do depoimento do arguido e em parte dos depoimentos das testemunhas, depoimentos contraditórios entre si, para sustentar os factos dados como provados e não provados, deveria ter fundamentado criticamente porque concedeu credibilidade a umas das partes dos depoimentos e não a outras tendo violado o disposto no artigo 374° nº 2 do Código do Processo Penal, o que determina a nulidade da decisão nos termos do disposto no artigo 379°, nº 1, al. a), do mesmo diploma legal.

    2. Na verdade, sobre os factos dados como provados e supra melhor indicados não é efectuada qualquer exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão, e com total omissão da indicação e exame critico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal.

    3. Designadamente era fundamental (pois só assim se encontra cumprido o estipulado no artigo 374° nº 2 do Código do Processo Penal), no que concerne à matéria de facto dada como provada - cfr. artigo 3° supra - que se saiba é necessário, designadamente no que concerne à matéria de facto dada como provada, que se saiba porque é que o tribunal atribuiu credibilidade nesta parte às declarações do ofendido / arguido G e não a atribuiu aos depoimentos do arguido e da testemunha AG, testemunha presencial dos factos, pessoa que os apartou, sendo certo que não se recorda de ter visto o arguido J- com alguma coisa relevante nas mãos (cfr. transcrições supra).

    4. E ainda, porque é que a versão do ofendido / arguido G., no que diz respeito à forma como se conseguiu desembaraçar do arguido J., sendo certo que após o agente AG os ter apartado e solicitado ao ofendido que se deslocasse para a esquadra, ambos os arguidos não mais tiveram contacto um com o outro (cfr. transcrições supra).

    5. Na verdade, dispõe o artigo 374° nº 2 do Código do Processo Penal - "Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundaram a decisão, com indicação e exame critico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal".

    6. É pois manifesta a inexistência da indicação dos meios de prova que fundamentam a decisão sobre a matéria de facto esplanada no artigo 3° supra e o seu, suficiente, exame crítico.

    7. Impõe-se pois, salvo o devido respeito, que essa indicação dos meios de prova e seu exame critico, faça referência, no mínimo, às razões de ciência e demais elementos de prova que tenham, na perspectiva do tribunal sido relevantes, para assim se poder conhecer o processo de formação da sua convicção.

    8. Ora do depoimento do arguido e da testemunha AG, não resulta qualquer prova que a conduta do arguido integre actos de execução, idóneos a produzir o resultado típico de crime de homicídio na forma tentada.

    9. Os arguidos agarravam-se simultaneamente pela roupa, em agressões mútuas, o agente AG ao deparar-se com aquela situação de imediato foi em sua situação e apartou-os, pegando o arguido J. pelas mãos, não se recordando que este tivesse alguma coisa de relevante na mão, designadamente uma navalha. Após os ter apartado, transmitiu ao arguido G que se deslocasse para a esquadra, não ocorrendo mais contactos entre os dois arguidos. (cfr. transcrições supra).

    10. O arguido J., negou que tivesse utilizado qualquer objecto (navalha ou corta-unhas), na tentativa de matar ou mesmo ferir o arguido G.. (cfr. transcrições supra).

    11. O facto do arguido ter exibido a navalha no posto da PSP, foi no seguimento da pergunta que lhe foi dirigida, ou seja, se era portador de mais alguma arma.

    12. Com o devido respeito, o facto de o arguido ter consigo a navalha, que a exibiu por solicitação das autoridades, não pode levar à conclusão da sua utilização, sustentada apenas na versão do ofendido. Resulta claro que o arguido não exibiu o corta unhas, uma vez que a pergunta que lhe foi dirigida era relativamente a armas e não a qualquer outro objecto. De tudo o que supra se disse, ocorreu erro de julgamento da matéria de facto, pelo que devia ter sido absolvido da prática do crime de homicídio da forma tentada.

    13. E mesmo que se considere que o arguido / recorrente, naquela altura tinha na sua mão um corta - unhas a sua utilização não é um meio idóneo para a produção do resultado típico, pelo que, não sendo susceptível de produzir o resultado, a tentativa não é punível - artigo 22° nº 2 do Código Penal.

    14. Para além disso, e sempre sem prescindir, resulta não só do depoimento do arguido / Ofendido G. como da sua esposa que aquele conseguiria facilmente repelir a tentativa de agressão que estava a ser alvo, tendo em consideração a idade de ambos os intervenientes dos factos e a robustez física de um em relação ao outro.

    15. Assim o Tribunal, salvo sempre o devido respeito, errou na apreciação feita destes factos. A prova produzida era suficiente para evitar uma errada apreciação, redundando em face disso numa decisão sem fundamento, pelo que o Acórdão padece dos vícios previstos no artigo 410° nº 2 al. a) e c) do Código do Processo Penal.

    16. Em último rácio devia o Tribunal a quo, aplicar o princípio constitucionalmente consagrado, que a dúvida beneficia o arguido - "in dubio pro reo" - artigo 32° da Constituição da Republica Portuguesa.

    17. No entanto, sem prescindir, a conduta do arguido foi considerada enquadrável na prática de um crime de homicídio na forma tentada, cometido com dolo eventual, mas, não é por se tratar da teoria jurisprudencial dominante que aquele conceito é compatível com homicídio tentado, que a discussão deixa de ter acuidade, desde logo porque cada facto terá que ser aferido em face de cada caso concreto ou não fosse a diferença entre o conceito de dolo eventual e negligência consciente, feita por uma ténue e imperceptível linha divisória.

    18. Não ficou provado que com a conduta descrita no Acórdão, por esta via colocado em crise, que o recorrente / arguido tenha querido tirar a vida ao ofendido G..., muito menos que se tivesse conformado com o próprio resultado.

    19. Neste sentido refere Jorge Figueiredo Dias, in Comentários Conimbricenses do Código Penal, Parte Especial, Tomo I pág. 17 - "Importa todavia sublinhar - por ser este um campo em que situações desta ordem são frequentes - que, para se verificar dolo eventual relativamente a condutas objectivamente e mesmo extremamente perigosas, não basta que o agente preveja o perigo de resultado e se conforme com ele (. . .), tornando-se antes sempre necessário que aquele preveja e se conforme com o próprio resultado; e o mesmo se dirá para acções cometidas em estado de afecto". (sublinhado e negrito nosso).

    20. Balizados os conceitos vertidos no artigo 33° supra, conclui-se, necessariamente, quanto ao caso vertente, que em nenhum momento resulta dos factos provados que o arguido tenha representado ou tido a vontade de retirar a vida ao ofendido G..., ou tão pouco de tal matéria factual se possa concluir pela sua conformação com tal evento.

    21. Verifica-se assim, uma insuficiência de matéria de facto, para a condenação do arguido pela prática do crime de homicídio na forma tentada, sendo que por isso do douto...

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